CAMINHO DE SANTIAGO - I

O CAMINHO DE SANTIAGO DE COMPOSTELA, UM SONHO, UMA CONQUISTA  -  2.001 

Qual é o cristão que não procura aumentar sua fé? Qual é o turista que não gosta de desbravar lugares novos? Qual é o esportista que não gosta de desafios? Em outubro do ano 2000, ás vésperas de completar 50 anos, buscava uma aventura que unisse religião, cultura, esportividade e, que ao mesmo tempo, fosse, além de inesquecível, marcante e acessível à minha nova idade. 

Após incessantes pesquisas, elegi percorrer o Caminho de Santiago de Compostela partindo de Saint Jean de Pied de Port, no sul da França, uma aventura de mais de 800 quilômetros, A PÉ!. Sonho concretizado em abril/maio de 2001. 

Este relato tem por objetivo divulgar minha experiência e estimular aqueles que um dia já pensaram na hipótese de percorrer o Caminho e ainda não tiveram a oportunidade de realizar seu sonho. Aqui, algumas dúvidas serão esclarecidas, e o Caminho é acessível à qualquer pessoa. Basta querer e lutar pelo seu ideal!

RELATO DE MEU CAMINHO

Para coincidir com o meu período de férias trabalhistas, programei-me para fazer o Caminho em abril/maio de 2001. E assim, a partir do revellion do novo milênio, preparei-me fisicamente e também espiritualmente para enfrentar da melhor maneira possível o desafio a que me propus.    

Aprofundei-me então em leituras sobre a rota, suas histórias, tradições, misticismos, relatos peregrinos, etc.. Para harmonizar, fiz longas caminhadas, bastante natação, um pouco de musculação, e alterei meus hábitos alimentares. Também entrevistei pessoas que já tinham feito essa viagem anteriormente, como forma de complementar meus conhecimentos e aplacar minhas dúvidas.

E, assim, após meses de preparação, expectativas, ansiedades, angústias, incertezas, finalmente, dia 08 de abril de 2001, um dia após completar 50 anos, embarquei sozinho rumo à Espanha. Dia 09, pela manhã, desembarquei no Aeroporto de Barajas, em Madri. Após breve conexão, outro voo me levou até Pamplona, onde desci às 11 horas. Ali, um ônibus me transportou até Saint Jean de Pied de Port. Após 75 km por estrada, lá chegando, dirigi-me imediatamente, à Rua Citatela, onde me apresentei na Sede da Associação Internacional dos Amigos do Caminho de Santiago.

 Após identificado, respondi um questionário, tive minha credencial de peregrino devidamente carimbada, e fui encaminhado a um dos muitos albergues de peregrinos existentes na cidade, onde passei a noite. A simpática cidade francesa, localizada na beira do Rio Nive, foi imortalizada por Paulo Coelho, em seu livro Diário de Um Mago, escrito em 1986.

Lá viveu Madame Debrill, grande incentivadora da Rota Jacobeia, que fez o Caminho por 27 vezes, era uma celebridade nessa cidadezinha francesa, pois fazia questão de benzer e desejar boa sorte a todos aqueles que estavam iniciando o caminho. Infelizmente, faleceu em maio de 2000.

RUMO À SANTIAGO, DISTANTE 800 QUILÔMETROS

Dia 10 de abril, uma terça feira, amanheceu chuvoso e frio. Isto porém não abalou meu ânimo, e após um breve desjejum, às 07 horas da manhã, confiante e cheio de fé, dei meu primeiro passo rumo à Santiago de Compostela, distante, pela trilha, 800 quilômetros à frente, rumo ao sul.

Foram 30 quilômetros de subidas íngremes, ventos enregelantes, com neve nos cumes das montanhas, após 09 horas de caminhada, depois de transpor os Pirineus, uma cadeia de montanhas com mais de 2500 metros de altura que separa a Espanha da França, finalmente às 16 horas, molhado e cheio de barro, aportei em Roncesvales, primeira cidade espanhola da Rota.

Ali, em seguida me alberguei, e às 20 horas fui à tradicional missa do peregrino, cerimônia que se realiza diariamente, onde todos os viajantes são abençoados e premiados com uma missa celebrada em latim, permeada por exóticos cantos gregorianos. 

Dia 11, talvez tenha sido, o mais marcante e o mais difícil de todos. Chovia torrencialmente de manhã, porém, como de praxe no Caminho, nós, peregrinos, tivemos que abandonar nosso abrigo seguro e quente, e partir para nosso destino, 28 kms à frente.

 E após 10 horas de uma caminhada terrível, amassando barro, descendo ladeiras, atravessando córregos repentinamente caudalosos, molhado e exausto, cheguei à Larrasoana, minúsculo povoado, porém com um excelente albergue e um Hospitaleiro muito simpático para com os brasileiros.

 E depois de, um bom banho quente e um copo de vinho, eu que já havia pensado em desistir, senti minha fé renascer, e minha alegria voltar. E assim, no dia 12, cheguei à Pamplona, capital da Navarra, após uma caminhada tranqüila, já que a chuva havia cessado.

Seguiram-se novas etapas, com paradas para dormir em: Puente de La Reina, Estela, Los Arcos, Logroño, Nájera, Belorado, San Juan Ortega, Burgos, Castrojeriz, Frómista, Carrion de Los Condes, Shagun, Mansila de Las Mulas, León, Órbigo, Rabanal del Camino, Molinaseca, Villafranca del Bierzo, Cebreiro, Triacastela, Sarria, Portomarín, Palas de Rei e no dia 06 de maio cheguei à cidade de Arzúa, distante apenas 40 kms de Santiago.

Finalmente, dia 07 de maio, 28º dia de minha caminhada, adentrei triunfante às 05 horas da tarde, em Santiago de Compostela. Como todo peregrino, dirigi-me diretamente à Monumental Catedral edificada, no ano de 1100, em homenagem ao Santo, onde fui agradecer a São Tiago, minha chegada com saúde, meu sonho realizado.

E nessa hora, a emoção bateu com força, lágrimas foram derramadas de alegria e ao mesmo tempo de tristeza, já que, em breve, seria hora de retornar. Entrar na catedral e misturar-se à multidão, sob a luz dourada, era o momento em que se fechava o círculo iniciado um mês antes, em San Jean.

É impossível chegar em Santiago sem uma lágrima nos olhos, uma forte sensação de conquista, de merecimento, de realização. Mais do que façanha de que pudesse me jactar, porém, a trilha é algo para ser guardado no coração. As lembranças, os sons, as amizades, as paisagens, e até os nomes dos lugares por onde passei, formam um rosário do qual, espero, irei me lembrar para o resto de minha vida.

No dia seguinte, assisti às 12 horas à tradicional Missa do Peregrino que acontece todos os dias, no mesmo horário, onde os que fizeram o Caminho são homenageados e abençoados novamente. Nela acontece também a belíssima cerimônia do Botafumeiro, um incensário gigante manuseado por 8 homens, que encanta e emociona a todos. No dia 09 fui até Finisterre, cidadezinha famosa e mística à beira mar, distante 80 kms de Santiago, onde como o nome já diz, é o fim da terra e o início das águas. Lá, diariamente, os peregrinos seguindo uma tradição milenar, queimam uma peça de roupa qualquer usada durante o percurso da trilha, como forma de se libertar dos maus fluídos. No dia 10, fui até La Coruña conhecer a bela Capital da Galícia.E no dia 11 de maio, retornei ao Brasil onde desembarquei dia 12, um sábado. Ao todo caminhei aproximadamente 800 kms, uma média de 28 kms por dia. Caminhei 19 kms (entre Frómista e Carrion), sendo este o menor trecho e o maior foi de 44 kms (entre Nájera e Belorado).  

Fiquei sempre hospedado em Albergue de Peregrinos. Apenas em duas ocasiões, por falta de lugar, hospedei-me num Hostal, que são hotéis de segunda categoria, pagos pelo próprio peregrino. Levei uma mochila com um saco de dormir, apenas uma troca de roupas, um chinelo para usar à noite, objetos de uso pessoal, etc..num volume total de 10 kilos.

Encontrei pessoas do mundo inteiro fazendo o Caminho. Muitos alemães, franceses, belgas, ingleses, espanhóis, holandeses, italianos, austríacos, americanos, canadenses, mexicanos, argentinos. Também, um japonês, um venezuelano, um grego e um iugoslavo. E, como se fosse obra do Espírito Santo, todos conseguem se entender, seja falando portunhol, por gestos, ou em inglês.

Come-se muito bem no Caminho, quase todos os restaurantes oferecem o Menu do Peregrino, com comidas típicas espanholas, muito peixe, frutos do mar, muito pão e muito vinho.

O povo espanhol é muito amável e receptivo para com os peregrinos. Enfim, o Caminho nos traz uma vivência incrível.

COMO É O CAMINHO DE SANTIAGO

É composto, na maior parte do trajeto, por trilhas de terra batida, barro, pedras, antigas calçadas romanas, que se confunde com as modernas rodovias ou caminhos paralelo a elas, a penetrar em cidades e pequenas vilas (que aparentam não terem saído da Idade Média). 

O terreno a ser percorrido é muito acidentado e há casos de torções, tendinites. As botas e a umidade causam bolhas nos pés. O Caminho nos ensina a parar, a ter paciência. O Peregrino caminha o quanto pode e não o quanto quer, e sempre há outro Peregrino pronto a ajudar. Há muita solidariedade e amor.

Enquanto fazemos o Caminho, somos tomados por um encantamento incomum, e temos a sensação de viver alguma coisa inteiramente nova e diferente. Isto porque a viagem como experiência esportiva, sagrada ou turística, acontece durante todo o percurso e não apenas no seu ponto de chegada.

Durante o Caminho tudo se modifica, a língua, os hábitos, os olhos que imaginam a família distante, as novas amizades que surgem. É o começo das mudanças em nosso interior, processo que será sentido quando retornamos à nossa vida cotidiana.

O importante é fazer o Caminho com os cinco sentidos ligados, a mente aberta e o coração sereno, transformando os episódios mais banais em alegres e excitantes lembranças. 

Talvez a maior dificuldade a ser enfrentada no Caminho, seja as variações climáticas, que podem nos causar gripes, resfriados, indisposições, inflamações. No meu caso, quando lá estive, início da primavera européia, fui atingido por muito frio e muita umidade. Foram 6 dias andando debaixo de chuva, 4 dias sob nevasca fina.

Em quase todos os dias o vento e o frio eram intensos, numa temperatura média de 6 graus, com poucos dias ensolarados. À noite o frio era mais intenso ainda, e no Cebreiro nevou a madrugada toda. No dia seguinte, caminhei mais de 20 kms sobre uma camada de neve de 20 cms, numa paisagem ártica, silenciosa, porém inesquecível e surpreendente para alguém dos trópicos, como eu. 

Todas as cidades e lugares do Caminho têm sua tradição, sua história. Porém, em algumas, sentimos uma sensação diferente, uma energia luminosa. De minha parte, os locais que mais me emocionaram foram: A Cruz de Ferro, Manjarim, O Cebreiro, Foncebadón e a Catedral de Santiago de Compostela. Lugares místicos, enigmáticos, belíssimos, por tudo isso inesquecíveis!

O DEPOIS

Muitas pessoas me perguntam o que o Caminho mudou na minha vida.

Existe uma lenda que diz: uma pessoa que faz o Caminho, jamais será a mesma. De minha parte, não fui fazer o Caminho pensando em resolver meus problemas, nem buscar soluções para minha existência.

 No entanto, sempre aprendemos muito, porque todos os que fazem essa Rota, caminham ao encontro do seu eu espiritual.

No Caminho, procurávamos a todo instante as flechas amarelas, que guiavam nosso dia a dia. Muitas vezes, apontavam para despenhadeiros, subidas íngremes, caminhos pedregosos, muito barro. Não discutíamos, apenas seguíamos em frente, porque sabíamos que elas indicavam a rota mais curta e segura, rumo ao nosso objetivo final, que era chegar a Santiago de Compostela.

Assim, também, no meu dia-a-dia procuro visualizar a todo instante essas setas imaginárias, porque sei que elas me mostrarão o melhor caminho a ser seguido, para que eu possa superar as intercorrências e atingir os objetivos que busco, o sucesso, a paz, a tranquilidade, seja na minha vida pessoal ou profissional.

 Junho/2001