28ª Jornada - BAAMONTE a SOBRADO DOS MONXES

28ª Jornada – Baamonte a Sobrado dos Monxes - 41 quilômetros: “A grande travessia!” 

Eu estava distante do albergue, aproximadamente um quilômetro, porém como meu local de pernoite estava inserido no roteiro, combinei com o peregrino francês que aguardaria a sua presença ali para prosseguirmos adiante.

Confesso que, em face da largueza dessa jornada, posto que eu iria enfrentar a etapa mais longa de todo o Caminho do Norte, estava um tanto temeroso, tanto que não consegui conciliar o sono, como de costume.

Assim, às 3 h 45 min, já estava em pé me preparando para enfrentar, talvez, a maior porfia de toda a minha aventura.

Deixei minha mochila com o guarda do posto de gasolina, para ser entregue à taxista, e às 4 h 30 min, conforme havíamos estabelecido, eis que apareceu o Maurício e, depois de efusivos cumprimentos, confiantes e animados, prosseguimos adiante.

O trajeto continuou por uma rodovia plana e, praticamente, sem nenhum tráfego de veículos, de maneira que como o clima se encontrava frio e úmido, empreendemos um excelente ritmo em nossa caminhada.

No céu brilhava uma belíssima lua crescente, já quase cheia, fincada num céu extremamente limpo.

Assim, só utilizamos nossas lanternas em locais de bosque fechado, pois a luminosidade natural era excelente, e como a sinalização nesse trecho estava muito bem traçada, não tivemos problemas em encontrar o rumo a seguir.

Depois de 3 quilômetros, num cruzamento, adentramos à esquerda, atravessamos a via férrea, em seguida transpusemos o rio Parga e logo passamos pelo povoado de Capela de San Alberte, onde, como era de se esperar, tudo se encontrava fechado e silencioso.

Meu companheiro era uma pessoa alegre e falava muito bem o idioma espanhol, de forma que não tivemos problemas de comunicação, aliás, os assuntos iam se sucedendo de maneira tão interessante, que quase não percebíamos o tempo passar.

Nessa toada, depois de 8 quilômetros percorridos, passamos por Santa Leocádia, uma pequena aldeia, com típicas casa galegas, onde se sobressaem inúmeros hórreos, alguns com pinturas artísticas.

Em alguns locais do percurso, encontramos flechas direcionando-nos para a mata ao lado, contudo como havia me informado com a taxista Laura no dia anterior, resolvemos seguir sempre pelo asfalto, como forma de não nos perdermos.

Assim, mais adiante passamos por Xeixón, outra minúscula vila onde, logo na entrada dessa localidade, pregado numa grande cruz de Santiago, eu vi um interessante cartaz de saudação aos peregrinos que dizia: “Os caminhos não têm fim... nossos passos, sim”!

 Já deixando a povoação, passei diante do bar Reche, porém embora estivéssemos desejosos de um bom café, infelizmente, por conta do horário extemporâneo o estabelecimento se encontrava cerrado.

Na sequência, passamos por Subcampo e Laguna, outras pequeníssimas vilas e, às 7 h, com o dia amanhecendo, chegamos a Miraz, depois de uma caminhada fácil, agradável e extremamente profícua.

Na cidadezinha, por sinal, limpa e muito bem conservada, se destaca a igreja de Santiago feita em granito, que tem ao seu lado um interessante cemitério de pináculos neogóticos.

Ali existe um albergue de peregrinos, que se encontra instalado na antiga casa paroquial, e é administrado pela Associação Inglesa “Confraternity Sain James”, porém o local se encontrava há tempos em reforma, com previsão de reabertura apenas para o mês subsequente.

O pessoal que viera de táxi já estava nos aguardando, de forma que ali recuperei minha mochila e, após pequena pausa para hidratação e lanche, resolvi seguir adiante, porquanto os franceses decidiram ingerir um café comunitário na praça central da pequena vila.

Assim, observando as flechas, segui em direção a uma grande área que serve de recreação para os habitantes locais e, depois de ultrapassá-la, adentrei à esquerda numa ampla pista de terra, em suave ascenso, localizada em meio a muito verde, ainda que composto por árvores raquíticas.

Mais acima o piso mudou e passei a caminhar sobre uma laje rochosa e áspera, porém o trajeto continuou fresco e agradável, enquanto o sol lentamente alçava no horizonte, deixando o ambiente claro e brilhante, propício a uma boa caminhada.

O granito nessa zona era abundante, a vegetação bastante diversificada, com predominância das “retamas” e “brezos”, plantas típicas de locais como este que eu atravessava, onde o labor da terra é praticamente impossível, por conta da aridez do solo.

Foi um trajeto fácil e bastante agradável, porém, depois de 6 quilômetros, eu reencontrei a rodovia e prossegui à esquerda, agora em direção à Portolamas e Braña.

Mais adiante, num cruzamento, visualizei à distância um táxi estacionando e dele saltaram 4 peregrinos, 3 homens e uma mulher, que reconheci como 3 alemães e 1 espanhol, pois já os havia visto no albergue na data anterior.

Logo à frente eles fizeram uma parada técnica para arrumar a mochila e reapertar os calçados, de maneira que logo os ultrapassei, desejei-lhes “Bon Camiño”, e prossegui à frente, sempre por asfalto, agora em direção à Roxica, Cabana e Travessa, pequeníssimos lugarejos, onde não existe nenhum serviço comercial à disposição dos caminhantes.

A paisagem era muito verde, e alternava em pastagens e bosques de eucaliptos e pinheiros e, enquanto ia vencendo as distâncias, eu observava uma grande serra a me ladear, pelo lado direito.

Depois de ultrapassar um pequeno riacho, eu segui em direção à Corteporcos, porém antes de adentrar a cidadezinha, prossegui, à esquerda, por uma via asfaltada agora em brusca ascendência.

Um quilômetros depois, as flechas me direcionaram para um caminho pedregoso à direita, que prosseguiu em meio a um bosque de eucaliptos e depois de um quilômetro percorrido, sempre em forte ascenso, retornei à rodovia.

Segui então pela “carretera” LU-934, à direita, e depois de caminhar uns 600 metros, encontrei um “mojón” bastante grafitado, informando a posição de 710 m de altitude, exatamente, o ponto mais elevado de todo o Caminho do Norte.

Logo abaixo, adentrei em outro bosque de pinheiros, um trajeto fresco e agradabilíssimo, contudo logo retornei definitivamente à rodovia, prosseguindo à direita por uma estrada sem acostamento, porém com inexpressivo tráfego de veículos.

Dois quilômetros depois, eu ultrapassei o marco da divisa, e deixei a Província de Lugo, para adentrar na de “A Coruña”, e a partir desse marco a “carretera” passou a nominar AC-934.

Por ela prossegui ainda por duríssimos 5 quilômetros, sob sol ardente, e ainda passei pelos povoados de Marco das Pías e Vilariño, para finalmente, adentrar em Mesón, a última povoação que encontraria antes de meu destino final.

Como estava exaurido e sedento, aproveitei para fazer uma pausa num bar que encontrei logo na entrada da cidade, onde pude recobrar as forças, depois de ingerir um encorpado café acompanhado de um “bocadillo” de queijo.

Na sequência, adentrei ao vale de Sobrado e passei por Esqueva e Muradelo, minúsculas vilas e na saída dessa última localidade, tomei um caminho à esquerda, e passei diante de inúmeras chácaras, sempre em meio a um grande bosque de eucaliptos.

Depois prossegui à direita, por um trajeto fresco e agradabilíssimo, em face da intensidade do sol naquele horário.

Mais abaixo, reencontrei a rodovia e em outra bifurcação, segui por uma senda arborizada que bordejava o imenso e belíssimo lago de Sobrado, onde avistei um grande número de aves aquáticas e pessoas pescando sobre um grande tablado especialmente construído para tal finalidade.

E logo reencontrei a rodovia, transpus uma grande ponte e, finalmente, às 12 h, bastante fatigado e com os pés em brasa, adentrava em Sobrado dos Monxes, minha meta para aquele dia.

A cidade surgiu ao redor do monastério de Santa Maria de Sobrado, cujas torres despontam como mazurcas na planura galega, uma construção datada do ano de 952, quando o conde Hermenegildo, um prestigioso mecenas, financiou sua edificação.

Desde 1.142, o edifício foi administrado pelos monges cistercienses, até que em 1.834, os religiosos foram expulsos e as instalações ali existentes foram utilizadas como depósito de uma pedreira, o que levou o local a mais completa ruína.

Mais tarde, à época do ditador Franco, o prédio foi vendido a uma empresa de terraplenagem, que acabou demolindo vários cômodos do histórico edifício, para utilizar os escombros como contrapiso das rodovias construídas naquela região.

Porém, em 1.960, os monges da abadia de Cóbreces retornaram ao local e empreenderam as obras de reconstrução desse maravilhoso monumento, entre elas, a dos claustros e a torre direita da igreja, que fora destruída por um raio durante uma tempestade que se abateu sobre o lugar no final do século XX.

Atualmente, uma parte do imenso prédio, onde antigamente se localizava as cavalariças, está reservado para acolher os peregrinos, e nesse arejado local são disponibilizadas 66 camas, distribuídas em dois pisos, para atendimento dos caminhantes que se dirigem à Compostela.

Em visita às instalações, um “irmão” ali residente, comentou que o altar principal do templo se encontra numa igreja da Austrália, motivo pelo qual não há nada no local reservado às celebrações.

E as imagens que ali havia se acham espalhadas por outros templos do município, bem como as imensas portas de madeira esculpidas no século XVI, que guarneciam a entrada, foram destruídas e, posteriormente, substituídas por dois portões de bronze.

Na cidade fiquei hospedado no hostal San Marcus, e para o almoço utilizei os serviços do Mesón El Cruce.

Após um longo e reconfortante banho, em que intercalei água quente e fria, pude sentir um grande alívio, conseguindo relaxar e desfazer o cansaço acumulado pela longa etapa daquele dia.

E pouco a pouco fui me sentido renascer, embora, a dor nos pés permanecesse intensa, em decorrência do longo trecho vencido em piso duro.

Mais tarde, depois de cuidar de minhas bolhas, saí para dar uma volta pelo simpático povoado e aproveitei para carimbar minha credencial no Monastério, e visitá-lo, numa breve incursão em seu interior.

E, enquanto estive naquele vetusto convento, tive a sensação de haver retrocedido no tempo, imaginando, como num “dejavu”, suas alas ocupadas antigamente por monges, e pelos milhares de peregrinos que por ali passaram ao longo de tantos séculos.

À noite, face o intenso desgaste físico acumulado pela duríssima jornada do dia, fiz singelo lanche no quarto, e logo me recolhi, já pensando no dia seguinte, quando me reencontraria com o saudoso e batido “Caminho Francês”. 

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma etapa de grande amplitude e cercada de muita vegetação, porém extremamente cansativa, em razão dos acidentes naturais a ser vencidos e, principalmente, pelo excessivo “tramo” em asfalto. Posto que dos 41 quilômetros percorridos, aproximadamente 30 quilômetros foram por rodovia. No geral, uma etapa plena de bosques e muito verde, porém, uma das mais difíceis e desgastantes que enfrentei em toda a minha jornada.

 29ª Jornada - SOBRADO DOS MONXES a O PINO