04º dia: LAMEGO à SANTA MARTA DO PENAGUIÃO – 20.060 metros

04º dia: LAMEGO à SANTA MARTA DO PENAGUIÃO – 20.060 metros

“Dê-me minha concha de silêncio, Meu cajado de fé para eu caminhar, Meu bornal de alegria, dieta imortal, Minha garrafa de Salvação, Minha túnica de glória (o verdadeiro penhor da esperança). 

E assim farei minha peregrinação”. (Sir Walter Raleigh)

O trajeto seria relativamente curto e não me preocupava tanto, porém os dias estavam ficando mais quentes.

Sabia também que após a metade da jornada, depois de ultrapassar a cidade de Régua, enfrentaria pelo menos dois ascensos importantes.

Assim, levantei no horário costumeiro e, às 7 horas, com dia claro, dei início a minha jornada.

Ao fundo, o Castelo de Lamego.

Já na saída da cidade, volvendo meus olhos, ainda podia avistar o imponente castelo de Lamego, dominando altaneiro o cimo de uma colina.

Caminho empedrado e silencioso.

E logo passei a transitar por um caminho empedrado, bastante matoso, situado entre muros de pedra.

Em determinados trechos, reverberavam à luz do sol as gotículas de orvalho que durante a madrugada acomodaram-se nas folhas do arvoredo.

Então, começaram a aparecer os imensos vinhedos, que se estendiam até o horizonte, para qualquer lado que eu olhasse.

Vinhedos a perder de vista..

Por sinal, Lamego é a porta de entrada para a região do Alto Douro Vinhateiro, Patrimônio Mundial da Humanidade da UNESCO desde 2001.

Este título, atribuído unanimemente, classifica a região demarcada mais antiga do mundo em termos de vinícolas, ordenada pelo Marquês de Pombal em 1756.

Vinhedos a perder de vista..

A região vinhateira do Douro combina as vantagens do solo de xisto e a privilegiada exposição solar, com as características únicas do seu microclima, juntamente com o trabalho árduo do homem.

A sua paisagem salienta três aspetos principais: a singularidade do território, a relação natural entre o vinho, as oliveiras e as amendoeiras, e a diversidade da arquitetura local.

A região do Douro, onde se produzem as denominações de origem “Porto” e “Douro”, cobre 250.000 hectares, dos quais 48 000 estão ocupados com vinha, e engloba 22 Concelhos.

Sinalização farta nesse trecho.

O caminho seguiu sempre em franco descenso e estava muito bem sinalizado, em alguns locais, até com excesso de marcações, impossível se perder nesse trecho.

Praticamente, em toda a extensão, o caminho está calçado por pedras que, acredito, deve ser de idade milenar e, por conta disso, elas estão um tanto desgastadas em alguns trechos.

Assim, caminhei com muito cuidado sempre, como forma de não escorregar e cair.

Caminho liso e empedrado.

Nesse primeiro tramo, eu atravessei a pequena aldeia de Souto Covo, onde já a azáfama diária era uma constante, pois estávamos em plena safra da uva.

Desse modo, trabalhadores já se deslocavam para a vinha, imensos tratores trafegavam pelas ruas, enfim, havia muito buliço no entorno.

Caminho em franco descenso. Todo cuidado é pouco.

Afinal, estávamos numa segunda-feira, dia de intenso labor, mormente porque havia previsão de muita chuva para aquela semana.

Mas, em meio a toda aquela agitação, eu era um espectador privilegiado e não cessava de agradecer a Deus e Santiago por me proporcionar momentos únicos que, com certeza, guardaria para sempre em minha memória.

Mais vinhedos.

Nesse trecho passei diante de inúmeras Quintas, que correspondem nominalmente, para nós brasileiros, a fazendas ou sítios.

Em todas, sem exceção, havia intensa atividade e, quase sempre, voltada aos vinhedos.

Um pé de cerejeira em flor.

Mas, vi também pés frutíferos com intensa floração, e indaguei a uma senhora qual o tipo de fruta seria aquela.

Ela então me explicou que ali são cultivados pessegueiros, macieiras e cerejeiras, e que os pés e flores são praticamente idênticos, e nem ela sabia distinguir com precisão essas espécies.

Cruzeiro de Sande.

Prosseguindo, mais abaixo, passei por Sande, outro pequeno povoado, onde transitei diante de uma igrejinha e um belo cruzeiro.

Próximo dali, havia um bar aberto e, ao lado dele, uma fonte de água potável.

Caminho em direção à N2.

Mas eu estava bem hidratado e prossegui em frente, agora por uma senda em terra que, mais abaixo, me levou a transitar por asfalto.

Ainda descendendo, acessei outra estrada de terra à esquerda que, mais acima, me levou à minha velha conhecida, a rodovia N2.

O rio Varosa corre à direita.

E pelo acostamento, prossegui por mais 4 quilômetros, tendo à minha direita, um imenso vale, onde corria o rio Varosa, que se junta ao Douro mais adiante.

Nesse trecho, a estrada toma o rio como bússola e segue-lhe as curvas, através das encostas talhadas pela mão do homem.

As vinhas aconchegadas por oliveiras e estreitos caminhos, muito íngremes, lembram um quadro impressionista.

Ao fundo, a cidade de Régua.

Já em zona urbana, logo me vi à beira do rio Douro.

Ponte sobre o rio Douro, em Peso da Régua.

Ali existem duas pontes disponíveis para transpô-lo, uma para o trânsito de veículos e outra destinada exclusivamente aos pedestres.

Ponte para pedestres sobre o rio Douro.

E foi por ela que atravessei o majestoso rio Douro que, nesse local, já possui um grande volume de água.

Observando as setas do caminho, eu segui à beira da rodovia, passei diante da estação de trem e, mas adiante, numa bifurcação, diante do Hotel Régua Douro, eu segui à direita, pela rua dos Camilos.

Logo passei diante de uma belíssima igreja, depois entrei num bar para tomar café e descansar.

Bela igreja localizada em Régua.

Peso da Régua, também conhecida apenas por “Régua”, é uma cidade do Norte de Portugal, situada em Trás-os-Montes, junto ao Rio Douro, conhecida por ser a capital da região demarcada que produz o célebre vinho do Porto.

Não existem certezas das origens da localidade, mas pensa-se aqui ter existido uma casa Romana denominada “Villa Reguela”.

Mas somente em 1756, Peso da Régua viria a sofrer maiores desenvolvimentos, com a criação pelo Marquês de Pombal, da Real Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, que instituiu a 1ª região demarcada de produção vitivinícola a nível mundial.

Construiu-se, então, em Peso da Régua os armazéns da Companhia, e elaboraram-se as primeiras “feiras dos vinhos” que duravam oito dias e favoreceram a criação de vários estabelecimentos comerciais, hospedarias, casas de jogo e tantas outras mais valias que desenvolveram a localidade.

Fabuloso rio Douro.

Era de Peso da Régua que partiam os típicos barcos rabelos, de madeira, que se aventuravam pelo rio Douro para transportar os barris de vinho até Vila Nova de Gaia, onde o vinho envelhecia nas caves.

Do seu cais fluvial partem e chegam muitos dos famosos Cruzeiros que cruzam este bonito rio.

Da riqueza patrimonial do Concelho destacam-se as muitas casas senhoriais, pequenos palacetes e grandes quintas rurais dos “senhores do vinho”, muitas delas abertas ao público, demonstrando a riqueza que esta produção trouxe à terra.

Sinalética do CPI em Peso da Régua.

Sua curiosa designação resultou da fusão dos nomes de duas localidades que deram origem a essa moderna urbe.

O Peso era a povoação original, desenvolvendo-se na encosta e correspondendo à parte alta da cidade atual.

A Régua, correspondia à parte baixa da atual cidade, estendia-se ao longo das margens do Douro, e cresceu com a chegada do trem.

A existência desta importante estação ferroviária (e do entreposto comercial do Vinho do Porto) deu notoriedade ao nome da Régua, razão pela qual, habitualmente, é a forma de designar a localidade.

Ela conta atualmente com 5.300 habitantes.

Na cidade, o caminho ascende em direção à igreja matriz.

Vinte minutos depois, bem-disposto, reiniciei a tarefa do dia.

Mais adiante, observando as setas do CPI, segui à direita, em ascenso, em direção à igreja matriz da cidade.

Caminho reto e em franca ascendência.

A sinalização nesse trecho está perfeita, de forma que após ultrapassar a zona urbana, acessei uma estrada vicinal asfaltada, que seguiu entre extensos vinhedos, sempre em forte ascenso.

Já no topo do morro, parei para dialogar com um senhor que engarrafava vinho dentro de uma garagem.

Asim, conversamos um pouco, pois queria saber meu destino.

Eu aproveitei a pausa para descansar, pois, efetivamente, a ascensão havia sido duríssima, e o sol já crestava com vigor.

À direita, entrada para o Miradouro de São Pedro.

Prosseguindo, eu ultrapassei a N2 e segui em direção ao Miradouro de São Pedro.

Porém, mais acima, numa bifurcação, eu segui à esquerda.

Na verdade, para ir ao Miradouro eu deveria seguir à direita, em duríssimo ascenso, mas esse lugar é turístico e não faz parte do roteiro do caminho.

No entanto, à guiza de informação, o site do CPI diz que a capela de São Pedro lá erigida tem um valor especial pelo local onde está edificada.

Numa paisagem largamente marcada pelo relevo montanhoso e pelos socalcos da vinha, situa-se esta ermida num pequeno monte, com uma vista privilegiada para uma paisagem espetacularmente bela e diversificada.

Este miradouro, contextualizado numa região considerada como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, é detentor de uma beleza ímpar, de cortar a respiração não só pela altitude, mas pelo fantástico que é encontrar sítios assim, que nos transportam para universos paralelos, em que quase percebemos o que é voar!

A sacralizar este pequeno monte, temos a capela de São Pedro, de construção recente e modesta.

Datada de 1987, é um edifício de pequenas dimensões tradicionalmente “caiado” de branco.

No altar-mor, encontra-se a imagem de São Pedro, que de uma forma celestial parece proteger e abençoar quem o visita.

Estrada em fortíssimo descenso.

Assim, seguindo em fortíssimo descenso, daqueles que magoam os nossos joelhos, eu segui em direção a uma pequena aldeia.

À frente, a cidade de Vila Maior.

Tratava-se de Vila Maior, uma povoação onde observei belas e novas vivendas, além de algumas Quintas, todas com grandes edificações, sempre rodeadas por pés de uva.

Já no plano, prossegui por estrada asfaltada, situada à beira da montanha e, observando o vale abaixo, podia ver o rio Corgo, serpenteando entre a mata ciliar.

Vinhedos a perder de vista..

À minha direita, havia um grande vale, e para qualquer lado que olhasse, só via plantações de uva, a perder de vista.

Vinhedos a perder de vista, agora às margens do rio Corgo.

O caminho nesse trecho se mostrou belo, agradável e fresco, porém sem sombras.

Num forte ascenso, encontrei três senhoras idosas que após os cumprimentos, me perguntaram se eu ia em direção à Fátima.

Caminho plano, mas sem sombras.

Contei-lhes meu destino, confirmando que ainda me restavam aproximadamente 300 quilômetros até Santiago.

Mostraram-se impressionadas por eu caminhar sozinho, depois, amavelmente, me desejaram boa viagem e externaram votos para que nada de mal me acontecesse no caminho.

Eu enfrentei, quase no final, outro duro ascenso, que venci sem pressa, pois ainda era muito cedo.

Oratório localizado perto de Santa Marta.

Mais acima, acessei a famosa N2 e, já em descenso, aportei em Santa Marta do Penaguião, minha meta para aquele dia.

Chegando em Santa Marta de Penaguião.

Antes, ainda passei diante de estilizado oratório, dedicado à Nossa Senhora de Fátima, edificado à beira da rodovia.

Ali fiquei hospedado no Residencial Oásis, de ótima qualidade, onde paguei 20 euros pelo pernoite.

Hotel Oásis, onde me hospedei nesse dia.

Para almoçar utilizei o restaurante existente no térreo do edifício, onde despendi 6 euros pelo saboroso “menú del dia”.

Santa Marta de Penaguião é uma bonita vila situada na fantástica Região Demarcada do Douro, e muito afamada pela sua Adega Cooperativa, produtora de muitos apreciados vinhos, caracterizada pela natureza envolvente de campos de vinha a perder de vista, disposta em socalcos.

A cidade apresenta vestígios de ocupação humana bem remotos, com algumas fortificações castrejas por todo o território concelho, como em Fontes, Lobrigos, Cumieira, Louredo e Medrões.

Apesar de alguns documentos referirem a vida municipal de Santa Marta de Penaguião, foi sem dúvida a criação da Região Demarcada do Douro, em 1756, que mais contribuiu para o seu desenvolvimento, conferindo-lhe uma riqueza até ali nunca vista.

Monumento ao trabalhador das vinhas.

A vila está rodeada de uma paisagem magnífica, caracterizada pelos socalcos cultivados, pela imensa vinha, e pelo Rio Corgo, que confere uma beleza única ao conjunto, enriquecido com o patrimônio arquitetônico da vila.

Como a Igreja Paroquial, com uma original torre sineira, o Pelourinho da vila, e os muitos Moinhos existentes por toda a região, uns comunitários, outros domésticos, símbolo da importância dos muitos cursos de água ali existentes e da manutenção agrícola que se mantém ao longo dos anos.

Prefeitura Municipal de Santa Marta.

De destaque são também os Marcos Graníticos da Demarcação da Região do Douro, efetuada em 1756, e que tanto alterou o rumo destas terras.

Marco da importância econômica, que os férteis solos da região e a criação da Região Demarcada do Douro possibilitaram a Santa Marta de Penaguião, encontram-se por toda a região diversos Solares e Casas Senhoriais, mormente dos séculos XVII e XVIII, como o Solar dos Pinheiros ou a Quinta do Bertelo.

Sua população atual é constituída por 1300 pessoas.

Prédio da Câmara Municipal, onde carimbei minha credencial.

Mais tarde, depois de um bom descanso, atravessei a avenida e fui até a Câmara Municipal de Santa Marta carimbar a minha credencial.

Depois, dei um giro pelas imediações e aproveitei para observar o lugar por onde deixaria a cidade no dia seguinte.

Uma das ruas de Santa Marta.

À noite, optei por lanchar num bar próximo.

Ali, um simpático senhor de nome Antônio, ao me reconhecer peregrino, puxou conversa e ficamos papeando um bom tempo, enquanto ingeríamos algumas taças de vinho que ele, amavelmente, fez questão de pagar.

No retorno, depois de fraternais despedidas, e antes de adentrar ao local de pernoite, dei um último olhar para aqueles lugares insólitos.

A pureza do céu clareou o espírito e me ofereceu um mágico instante de transparência e de paz absoluta.

Depois fui dormir tranquilo.

Agora só restam 292 quilômetros até Santiago.

IMPRESSÃO PESSOAL: Uma etapa extremamente bela, de pequena extensão, toda ela vivenciada em meio a imensos vinhedos. A primeira metade da jornada é sempre em descendo, porém, após a cidade de Peso da Régua, é preciso sobrelevar duas elevações. No geral, uma etapa fácil, extremamente agradável, e que está estupendamente bem sinalizada.

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