01º dia: VISEU à ALMARGEM – 18.890 metros

01º dia: VISEU à ALMARGEM – 18.890 metros

“Jamais confie num pensamento que não tenha surgido durante uma caminhada”. (Friedrich Nietzsche)

O trajeto seria plano e de pequena extensão.

Além disso, no dia anterior eu havia telefonado para o Sr. José, o responsável pelo albergue de peregrinos de Almargem, e dito que chegaria por volta das 12 horas.

Assim, não havia pressa em partir, de maneira que levantei às 6 horas, depois, tranquilamente, já paramentado para a atividade do dia, dei outro grande giro pela cidade de Viseu que ainda dormia.

Flecha localizada na Porta do Soar, em Viseu.

Temperatura na casa dos 9 ºC, bastante agradável, caminhei sem pressa por ruas praticamente desertas naquele horário.

Uma hora depois, retornei ao local de pernoite e pude ingerir farto café da manhã, que é servido nesse local entre as 8 e 10 horas.

Depois, mochila às costas, iniciei de vez minha “viagem”.

Novamente, a igreja da Sé de Viseu.

Para tanto, deixei a Pensão, mais à frente, ultrapassei a Porta do Soar, e logo estava defronte à Sé do Viseu, novamente.

O marco inicial do Caminho Português Interior.

Ali externei preces pedindo proteção, fotografei o marco dos 387 quilômetros restantes e, seguindo as flechas amarelas, passei mais abaixo, diante da Oficina de Turismo, e segui em forte descenso.

Depois do suspense e da tensão da preparação, era um alívio estar novamente em movimento e, para mim, aqueles primeiros passos tiveram um quê de épico.

Porquanto, eu sabia que minha situação era incrivelmente privilegiada – uma condição invejada por milhares de peregrinos, que dariam um olho para estar no meu lugar.

Atravessando o Jardim da Ribeira, por uma ponte.

Mais abaixo eu transitei pelo Jardim da Ribeira e, numa grande rotatória, segui à esquerda.

Grande rotatória; nela, segui à esquerda.

Logo acima, passei diante da mítica figura de Viriato, o guerreiro que liderou as tribos lusitanas contra os romanos.

Praça e escultura homenageando a Viriato.

Em seguida, encontrei uma grande placa do CPI e pedi a um transeunte para bater uma foto minha, como forma de eternizar esse momento inolvidável

Primeira grande placa do CPI.

E, na sequência, acessei a Estrada Velha de Abraveses.

O caminho segue pela "Estrada Velha de Abraveses".

Porém, 100 metros depois, o caminho se bifurcou e, intuitivamente, segui à direita por uns 200 metros, e como não encontrei mais sinalização, retornei ao local do imbróglio.

Então, tentei o ramal esquerdo, e logo as flechas reapareceram.

Os primeiros quilômetros foram algo monótonos, pois todos transitados em zona urbana, por calçadas ou asfalto.

Nesse trecho, passei por escolas, terrenos, supermercados, praças, conjuntos de apartamentos, prédios dispersos.

Num cruzamento complicado, novamente perdi as flechas.

Indaguei a duas pessoas sobre qual rumo eu deveria tomar, e como elas nada soubessem sobre o roteiro, eu fiz tentativas por ruas diferentes, e logo reencontrei as setas amarelas, que na cidade estão um tanto desgastadas pelo tempo e têm pequena dimensão.

Mas, a partir desse local, a sinalização se mostrou perfeita e não tive mais problemas.

Ultrapassando a Autovia Nacional, por uma ponte.

Uma hora depois, percorridos aproximadamente 5 quilômetros, eu atravessei a Autovia Nacional por uma ponte e, mais adiante, transitei pelo belo bairro de Moure de Madalena ou Baltar, onde existe uma igreja e uma interessante Quinta.

Igreja em Baltar.

Algumas mulheres faziam a limpeza ao redor do templo e parei para conversar um pouco, depois segui adiante.

Percorridos 8 quilômetros, finalmente, adentrei em larga estrada de terra e meus pés agradeceram.

Finalmente, início do caminho em terra.

Então, com o sol já alto, fiz uma pausa para hidratação e ingestão de uma banana.

Minha preocupação maior, por estar sozinho no Caminho, era com a sinalização e, tranquilo, podia atestar que até aquele patamar ela estava praticamente perfeita.

O caminho mudou gradualmente, conforme eu ia me afastando da zona urbana e adentrava em estradas de terra batida e mato.

Capela de Nossa Senhora dos Milagres e fonte, à direita.

Prosseguindo, mais à frente, eu passei diante da Capela de Nossa Senhora dos Milagres, onde existe uma bela fonte.

Um senhor enchia um garrafão plástico de água no local e conversamos um pouco.

Depois, me hidratei com fartura e segui em frente.

Silencioso bosque de pinheiros.

O roteiro seguiu mesclando pequenos trechos em terra com outros em asfalto, mas, finalmente, depois de 10 quilômetros percorridos, adentrei em um frondente bosque de pinheiros.

Sinalização perfeita nesse local.

O lugar, de bucólica beleza, me permitiu momentos de intensa introspecção, onde aproveitei para curtir a natureza e respirar com sofreguidão o puríssimo ar ambiente.

Flores típicas da primavera.

Um grupo de ciclistas vinha em sentido contrário e, gentilmente, fizeram uma pausa para conversar comigo.

Grupo de ciclistas que vinha em sentido contrário.

Ao saber do meu rumo, um deles me disse que eu iria “comer muito pó” até chegar ao destino final.

Ainda no bosque de pinheiros.

Eu, então, lhe respondi que sabia da distância que me restava até Santiago, porém estava ali para isso mesmo, ou seja, afrontar minha capacidade de vencer longas jornadas.

A sinalização está num pequeno poste, localizado no lado esquerdo.

Logo nos despedimos e cada um seguiu seu itinerário.

Mais adiante, voltei a transitar em asfalto, passei sob outra grande placa do CPI e segui em franco descenso.

Logo depois dessa placa eu me perdi. O correto é entrar à esquerda, no bosque de eucaliptos que se vê adiante.

Trezentos metros depois, parei tenso, porque percebi que as flechas haviam desaparecido de minha visão novamente.

Alguma coisa estava errada, mas não sabia dizer o quê, visto que não havia saídas laterais nesse pequeno trecho que eu percorrera.

Encafifado, retornei até a placa, observei bem as marcações, e prossegui novamente adiante.

Quarenta metros depois, uma flecha quase totalmente encoberta por um tufo de flores, me mandava adentrar à esquerda, detalhe que eu não observara na primeira vez.

Caminho pedregoso.

Assim, aliviado, segui a sinalização e adentrei em outro belíssimo e empedrado bosque.

Deixando o bosque de eucaliptos.

Foram novamente momentos de grande quietude e silêncio, só quebrado pelo intenso chilrear de pássaros.

Vencidos aproximadamente 15 quilômetros, já em Pousa Maria, transitei por outro local místico e milenário, o ponto alto dessa etapa.

Início da estrada romana, em Pousa Maria.

Trata-se da estrada romana que ligava Viseu a Astorga e a Braga, sendo uma das sete vias que saíam de Viseu.

Essa vereda está localizada em zona florestal, paralela à EN 2, no sentido Viseu-Lamego, na freguesia de Lordosa.

Estrada romana, muito bem conservada.

Ela apresenta 700 metros de extensão, encontrando-se em bom estado de conservação, e está classificada como Imóvel de Interesse Público (IIP), segundo o decreto-lei 129/77.

Outro trecho da estrada romana.

Efetivamente, tratar-se de um trecho interessantíssimo, pois a senda está muito bem conservada.

Sinalização perfeita também nesse trecho.

Ela está envolvida por um imenso bosque de pinheiros, que venci com tranquilidade, pois em franco descenso.

No final, acabei por desaguar na rodovia N-2, que iria ser meu referencial até Chaves, pois ela transcorre por todas as localidades onde eu pernoitaria, enquanto estivesse em Portugal.

Aportando em Almargem.

Então, segui pelo acostamento, passei sobre o belíssimo rio Vouga e logo cheguei em Almargem, minha meta para aquele dia.

Anteriormente, o albergue funcionava na Sede da Associação Recreativa da localidade.

Albergue de peregrinos de Almargem.

E, no dia anterior, eu havia feito contato com o Sr. José Fernandes, que também é o Presidente da Junta de Freguesia, sobre a minha hospedagem.

E ele foi pontual, porque 15 minutos depois das 12 horas, conforme havíamos combinado, aportou ao local e abriu as estupendas dependências do albergue de peregrinos, pelo qual ele é o responsável.

O Sr. José Fernandes, o responsável pelo albergue, pessoa extramente amável.

Em seguida, fez os apontamentos necessários, carimbou minha credencial, e recebeu 3 Euros, o valor estipulado pelo pernoite no local.

Então, ele me deu as chaves do refúgio, passou algumas informações sobre o Caminho, deixou o número de seu celular para possível emergência, depois se despediu.

No local existem dois prédios distintos: num deles, funciona a cozinha e a sala de refeições, bem como abriga um espaço para descanso e lazer.

No outro fica o dormitório, que possui 10 beliches, além dos banheiros e chuveiros.

Nesse edifício funcionava antigamente uma escola primária, recentemente desativada pela inexistência de alunos, e que foi adaptada para ser o local de pernoite dos peregrinos.

Eu não havia levado saco de dormir, mas encontrei ali 4 cobertores, assim, utilizei um para forrar o colchão, outro como travesseiro e os demais para me cobrir.

E não passei frio, mas durante a noite a temperatura beirou os 7 ºC.

O Sr. Libório, em seu bar/restaurante. Pessoa simpática e especialíssima.

Para fazer minhas refeições, utilizei os serviços do bar do Libório, um senhor simpático e extremamente prestativo.

Ali eu almocei, jantei, tomei vinho, comprei água, chocolate, frutas, etc..

Tudo isto por 15 Euros, que somados ao valor pago ao albergueiro, importou em 18 Euros, o montante que gastei nesse dia.

Sem dúvida, um dispêndio perfeitamente ao alcance de qualquer peregrino.

Painel indicando as obras do Parque Aquático de Almargem.

Almargem dista 11 quilômetros de Viseu, pela rodovia N-2, e pertence à Freguesia de Calde.

O local, por demais pacato, vive um surto de desenvolvimento, pois existe um grande complexo aquático sendo construído às margens do rio Vouga.

Quatro emigrantes compraram a praia fluvial do Almargem, e decidiram investir 10 milhões de euros na concretização de um projeto turístico que inclui um parque aquático inovador na Península Ibérica.

A edificação será coberta, dotada de múltiplas valências, para todas as idades, e com potencial para funcionar durante todo o ano, entre as 9 e 23 horas.

Rio Vouga, em Almargem.

Além daquele equipamento, o projeto prevê a construção de dois novos edifícios: um hotel quatro estrelas e uma unidade de apoio à praia fluvial, com restaurante, bar, pista de dança, bowling e minimercado.

O complexo terá ainda quadras de tênis, minigolfe, campo de futebol (preparado para acolher equipes em estágio), parques infantil e de aventuras, bangalôs e zona de truticultura.

Um quilômetro e meio de margens do rio Vouga será potenciado por atividades de lazer.

Fonte: http://www.sapo.pt/

Interior do albergue de peregrinos. Nesse dia eu pernoitei sozinho no local.

À tardezinha fui conhecer o local por onde deixaria essa pequena aldeia na manhã seguinte, pois pretendia sair bem cedo.

Depois fui jantar.

Local por onde eu deixaria Almargem no dia seguinte.

Na volta, dei um giro pela pequena povoação e não encontrei vivalma pelas ruas.

Então, sentei num banco para escrever meu diário daquele dia.

O profundo silêncio do lugar era, de vez em quando, cortado pelo pipilar de algum pássaro, pela água de uma bica ali existente, ou pelo resmalhar das folhas das árvores.

Enquanto isso, a cada 30 minutos, o bimbalhar de um sino distante marcava o passar das horas.

Uma pasmaceira de dar sono ao mais alerta dos sentinelas.

Assim, logo me recolhi e, em seguida, fui dormir, pois a jornada seguinte prometia ser bastante exigente.

Igrejinha existente em Almargem.

IMPRESSÃO PESSOAL: Uma etapa de pequena extensão, que percorri sem nenhuma dificuldade. Ressalte-se que ela está muito bem sinalizada, embora na cidade de Viseu as flechas amarelas sejam tímidas, de pequena dimensão, e já estejam um tanto desgastadas pelo tempo. Mas, na zona rural, a sinalização está perfeita. Sem dúvida, o ponto alto dessa jornada é a calçada romana existente num bosque, em Pousa Maria, que se encontra perfeitamente conservada. 

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