Décima Etapa: PARAISÓPOLIS (MG) a SAPUCAÍ-MIRIM (MG) – 31 quilômetros

A jornada seria relativamente curta, porém sob um clima que persistia frio e chuvoso. Levantei-me às 5 h e, após profícuo café da manhã, parti às 6 h debaixo de um renitente chuvisqueiro, conjugado com um vento gélido e cortante, como me reavivar o antigo nome da cidade: São José da Ventania.

A saída se faz por uma rua asfaltada, em brusco aclive, até atingir o trevo de acesso à cidade. 

A partir daí, segue-se pela rodovia, em direção a São Bento do Sapucaí/SP, num percurso arriscado e barulhento, pois a estrada é bastante movimentada e, praticamente, sem acostamento em quase toda sua extensão.

Após 90 minutos de caminhada, 6 quilômetros percorridos, atravessei o bairro dos Coqueiros. Imediatamente, fleti à esquerda, e adentrei numa via vicinal de terra, em direção à Fazenda N. Sra. Aparecida.

A partir dali o trajeto torna-se interessantíssimo, pelas exuberantes paisagens que se sucedem, sempre em meio a grandes fazendas de gado leiteiro, inclusive bufalinos, cercadas por uma imensa cadeia de montanhas, ao fundo.

Mais à frente, a chuva apertou de vez, que me obrigou a uma pausa, às 9 h, sob uma laje em construção, já no bairro Ezequiel, distrito de Gonçalves/MG. Próximo dali, um morador local, o Sr. Joaquim, retornava apressado da roça e, reconhecendo-me peregrino, expansivamente convidou-me para aguardar em sua casa, até a chuva amainar. Foi uma conversa pungente, regada a café e bolo de fubá.

Disse-me, o simpático anfitrião, com mais 70 anos, que nasceu e sempre residiu naquele povoado. Contou-me ser ardoroso cristão, além de possuir devoção inabalável em Nossa Senhora Aparecida, entrementes, não conhecia Aparecida do Norte, e seu sonho era conhecê-la em vida. Pediu-me para que levasse seu abraço afetuoso à Santa, com o qual prontamente me comprometi.

A chuva finalmente abrandou e, após comovente despedida, segui em frente emocionado pela calorosa recepção. A paisagem continuou inalterada, muito verde, fazendas e usinas de leite, caminhando numa estrada plana e larga, que serpenteia, o tempo todo, paralela ao rio Sapucaí-Mirim.

Mais à frente, às 10 h, ultrapassei a fronteira dos Estados, adentrando novamente, mesmo que por pouco tempo, em São Paulo. Ainda, que o céu permanecesse toldado por nuvens escuras, pude divisar, ao longe, a famosa Pedra do Baú, incluindo suas vizinhas, Bauzinho e Ana Chata.

Exatamente, às 10 h 30 min, atingia a área urbana da cidade de São Bento do Sapucaí, que está localizada entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais, na Serra da Mantiqueira, nas Terras Altas do Sapucaí, cuja história inicia-se no tempo dos bandeirantes.

Sua emancipação política é datada de 16 de agosto de 1832. Com belas cachoeiras, um rico artesanato e o famoso Complexo Pedra do Baú, é um convite aos visitantes.

Sua topografia montanhosa e farta vegetação proporcionam um clima ameno e saudável, tornando a cidade conhecida como a Estância da Aventura, pois abriga a prática de uma série de esportes radicais. O município possui ainda alguns monumentos históricos. É berço do escritor Plínio Saldado e do jurista Miguel Reale.

São Bento foi palco de passagens históricas que relembram a revolução de 1932. Há no município trincheiras construídas no calor daquele agudo cataclismo, que registram essa época conturbada.

No catolicismo popular, São Bento é o santo conhecido como o protetor contra mordedura de cobras. Com base nisso e por sugestão de escravos e colonos, as versões tradicional e popular colocaram-no como padroeiro do município, já que havia grande proliferação desse ofídio na região. A cidade conta atualmente com 10.300 habitantes e se localiza numa altitude média de 920 metros.

Parei na Pousada Casarão para carimbar minha credencial e fui entusiasticamente recebido pela proprietária, a Lili, uma senhora agradabilíssima, que me obsequiou com café e bolachas e, ainda, presenteou-me com uma aula sobre a história da cidade.

A chuva havia cessado, o clima estava frio e úmido, propício para uma pausa revigorante, contudo, era cedo ainda, de forma que segui adiante, por ruas movimentadas, em direção ao meu destino final.

Após deixar a zona urbana, enveredei por uma estradinha de terra, passando defronte a um loteamento de chácaras, com luxuosas residências, recentemente edificadas. Mais adiante, numa bifurcação, prossegui pela esquerda, numa ladeira áspera e escorregadia, em forte e longa ascensão.

Ao atingir seu cume pude ver, do meu lado direito, o marco da divisa dos Estados, porque naquele local, eu adentrava novamente a Minas Gerais. À minha frente descortinava-se um paredão de montanhas verdejantes, inclusive pude avistar, ao longe, a cidade de Sapucaí-Mirim, minha meta naquele dia.

Depois de vencer íngreme e escorregadio descenso, dobrei à direita e, após caminhar pelo bairro dos Bicudos, passei ao lado do “lixão” da cidade, que exalava cheiro fétido, obrigando-me a lançar mão do lenço para oprimir minha respiração nasal. Um bando de urubus fazia plantão ao redor do repugnante local, certamente, na expectativa de se alimentar com algum resto de carcaça putrefata.

Fixei meus olhos no horizonte e verifiquei que nuvens negras cobriam rapidamente o céu, de forma que apressei meus passos pela estrada enlameada, e às 13 h 30 min, após transpor, por uma larga e moderna ponte o rio que dá nome à cidade, adentrei a zona urbana. Foi o tempo de aportar ao estabelecimento credenciado, porque enquanto ultimava as tratativas para o pernoite, um temporal abateu-se contundente.

Sapucaí-Mirim, hospitaleira e com paisagens fascinantes, fica no limite entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais, em uma área de preservação ambiental da Serra da Mantiqueira.

Como as demais cidades da região tem como principal desbravador o bandeirante Gaspar Vaz da Cunha, “O Oyaguara”, que se fixou naquele lugar, e deu início à colonização, transformando a região em importante centro produtor de gado. Conta atualmente com 5.700 habitantes, e está situada numa altitude média de 890 m.

Ali me hospedei na Pousada Avenida, que disponibiliza apartamentos com banheiro interno e TV. Embora bastante simples e rústica, o tratamento dispensado pelos proprietários, Sr. Rubens e Dona Beth, é marcante e faz grande diferencial.

Para minhas refeições, utilizei o “Restaurante da Lurdinha”, que serve farta comida, com sabor e tempero mineiro, a preço acessível.

Nesse dia a chuva prosseguiu noite adentro, e o vento frio que açoitava tudo lá fora, somado com o cansaço da jornada, constituiram-se num duplo incentivo para uma ótima noite de sono.

AVALIAÇÃO PESSOAL:

Uma etapa de belas paragens e de certa facilidade, não fosse os primeiros quilômetros trilhados no asfalto. O percurso também é quase sempre plano e de raro deleite, com enormes morros verdejantes a circundar o caminhante em quase todo o percurso. A lamentar, apenas, a passagem ao lado do “lixão”, quando próximo ao final da jornada.