6º dia – GUBBIO a VALFABBRICA - 40 quilômetros

6º dia – GUBBIO a VALFABBRICA - 40 quilômetros

Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz.” (São Francisco de Assis) 

Nossa missão para aquele dia era de grande porte, pois a jornada seria por demais extensa.

Ocorre que havia previsão de forte precipitação pluviométrica durante todo o dia, como de fato aconteceu.

Chovera a noite toda e de manhã parlamentamos a Cristina e eu a respeito de como deveríamos proceder, já que, em meu entendimento, seria loucura afrontar a grande distância que nos separava do objetivo final, por trilhas escuras e escorregadias.

O Guia da Ângela recomenda um pernoite intermediário no Castelo de Biscina, 22 quilômetros à frente, porém eu não conseguira fazer reserva no local.

Assim, de comum acordo resolvemos abreviar nosso deslocamento como forma de evitar riscos e, isto decidido, tomamos um táxi que, depois de 20 minutos, nos deixou uns 15 quilômetros adiante, logo depois da igreja de San Pietro in Vigneto.

Nesse trajeto, uns 8 quilômetros após deixarmos Gubbio, passamos diante da Abadia de Vallingegno.

ABBADIA DI VALLINGEGNO - No século treze, ela pertencia aos beneditinos, que ficaram ali por quatro séculos, até sua completa retirada em 1442. Posteriormente, o prédio foi vendido e hoje é um castelo de propriedade privada.

A abadia é lembrada atualmente por um episódio da vida de São Francisco: quando ele deixou Assis, em 1206, após ter devolvido suas roupas para o pai, ele seguiu para Gubbio vestindo apenas uma túnica.

No caminho, assaltado e surrado por bandidos, Francisco pediu ajuda na Abadia di Vallingegno, mas, foi ali mal recebido pelos monges beneditinos, que o mandaram lavar pratos. Posteriormente, quando a reputação de Francisco como homem de Deus se propagou, o prior do mosteiro procurou Francisco e lhe pediu perdão pelo tratamento dado naquela ocasião.

Durante todo o percurso automotivo enfrentamos forte intempérie, assim, após os acertos monetários com o condutor do veículo, protegemos nossa equipagem e vestimos nossas capas protetoras.

Estávamos um pouco adiante de Vigneto, um local rico de histórias sobre São Francisco.

EREMO DI SAN PEDRO IN VIGNETO - O mosteiro beneditino de São Pedro também está localizado na antiga via que ligava Assis a Gubbio.

Documentos testemunham sua existência em 1206 e a construção de um hospital para peregrinos em 1336.

É provável que São Francisco e seus companheiros tenham buscado hospedagem nele, já que este era o único caminho por onde eles poderiam ter passado quando em viagem por esta rota.

Conforme previsto, enfrentamos muita lama no trecho inicial e, mais adiante, transitamos diante do Castelo di Biscina, que foi um dos pontos estratégicos no controle rodoviário da região.

Não se sabe exatamente quando foi construído, mas existem documentos que falam dele no século X.

O castelo passou pelas mãos de vários proprietários ao longo dos séculos e sua estrutura foi constantemente remodelada. 

Atualmente, ele é objeto de um vasto projeto de restauração, implementado pelos seus atuais proprietários.

Algumas versões históricas afirmam que o encontro de São Francisco com os ladrões, logo após deixar Assis, quando foi assaltado e agredido, se deu justamente nos bosques deste castelo.

Prosseguindo, enfrentamos longo descenso, situado sob a copa frondosa de um grande bosque.

Depois, em meio a grossa garoa, descendendo por escadas de madeira, vagarosamente, em direção a um riacho, que atravessamos sobre as pedras alocadas em seu leito.

Mas adiante, novamente, o processo se repetiu na travessia de outro encorpado riacho, o que nos obrigou a fazer peripécias para não ir ao chão, tamanha a dificuldade que encontramos para sobrepujar o leito extremamente escorregadio.

Por sorte, mais acima, quando acessamos uma estrada cascalhada, a chuva cessou e pudemos fazer uma pausa para descanso e hidratação.

Depois de percorrer um trecho sobre piso asfáltico, voltamos a nos embrenhar em espesso bosque e amassamos barro por longo tempo.

Acabamos por sair no alto de um morro de onde detínhamos larga visão de todo o entorno circundante.

Descendendo, passamos diante de uma igreja solitária, localizada em Pieve di Coccorano, depois voltamos a descender dentro de outro umbroso bosque, por trilhas plenas de pedras, um perigo para os joelhos e tornozelos.

O trecho final, de 5 quilômetros, foi trilhado à beira da mata nativa, tendo o rio Chiascio a correr pelo nosso lado esquerdo, até que o transpusemos por uma ponte, antes de adentrar em Valfabbrica, nossa meta para aquele dia.

Nesse tramo derradeiro, passamos pela localidade de La Barcaccia, onde existia um hospital no século dezessete.

Ali também funcionava uma alfândega, que controlava a travessia do Rio Chiascio, e ainda hoje se pode ver o velho barco que prestava tal serviço.

Atualmente, a propriedade pertence a particulares.

Algumas fotos do percurso desse dia:

Gubbio, de manhã, antes da partida, com nuvens de chuva chegando...

Local onde São Francisco fez amizade com um lobo.

A igrejinha (século X), existente no local.

Caminhando debaixo de chuva..

O Castelo de Biscina.

A verdejante Umbria.

Trilhas ermas e escorregadias.

Descenso por uma estrada cascalhada.

Bosques mágicos.

Um cruzeiro fincado ao lado da trilha.

Do topo do morro, ampla visão do horizonte.

Igreja em Pieve de Coccorano, do século XI.

Outro descenso liso, quase no final da jornada.

Quase chegando...

Valfabbrica é uma pequena cidade localizada doze quilômetros ao norte de Assis, fincada numa bela posição, em uma colina, com vista para o vale do rio Chiascio.

A cidade se desenvolveu ao redor do mosteiro beneditino de Santa Maria.

O antigo mosteiro, documentado desde o ano 820, está situado ao longo da estrada que ligava Assis a Gubbio, itinerário muitas vezes percorrido por São Francisco, que costumava se hospedar ali com os monges.

Alguns biógrafos afirmam que São Francisco, após romper com o pai e deixar a cidade de Assis, se albergou inicialmente nesta abadia.

Os beneditinos contribuíram bastante com a economia local, principalmente cuidando da drenagem dos pântanos ao redor do rio Chiascio, que se tornaram terras agrícolas férteis.

Uma das portentosas torres existentes em Valfabbrica.

Interior da igreja matriz da cidade.

Um interessante painel pintado num muro.

RESUMO DO DIA - Clima: Chuvoso até quase o final do percurso, depois, nublado, variando a temperatura entre 7 e 15 graus.

Pernoite: Ostello Francescano – Apartamento individual sofrível, com banheiro compartilhado - Preço: 20 Euros.

Almoço: Restaurante Sui Passi di Francesco - Preço: 15 Euros.

AVALIAÇÃO PESSOAL – Uma jornada de grande extensão, onde caminhamos, aproximadamente, 25 quilômetros, a maior parte, sob intensa intempérie. Um verdadeiro tormento, porque encontramos as trilhas extremamente escorregadias, um perigo para nossos membros inferiores. No entanto, como nas etapas precedentes, o itinerário transcorre a maior parte do tempo por locais ermos e silenciosos, sob frondosos bosques e está muito bem sinalizado. Diria, no global, que foi um dos percursos mais cansativos que enfrentamos no Caminho de Assis, pela mórbida instabilidade apresentada no piso dos locais por onde transitamos nesse dia.