8º dia – HARO a SANTO DOMINGO DE LA CALZADA – 22 quilômetros

8º dia – HARO a SANTO DOMINGO DE LA CALZADA – 22 quilômetros

Não há caminho sem solidão.

Seria minha última jornada pelo Caminho Vasco Interior, não haveria dificuldades altimétricas e nem pressa na chegada.

Assim, tranquilamente, deixei o local de pernoite às 7 h, com o dia clareando.

Primeiramente, venci a parte urbana da cidade de Haro, depois segui, por uma rodovia vicinal asfaltada.

Mais adiante, passei junto ao Parque Rodríguez de la Fuente e, por entre os vinhedos da finca La Zaballa de Muga, encontrei a rodovia N-232.

Nesse local, precisei dar uma grande volta de 1 quilômetro, até a ponte que a transpõe, depois segui por um caminho que ziguezagueou entre culturas agrícolas até Zarratón.

Trata-se de uma pequena povoação que abriga cerca de 250 habitantes.

Seus dois monumentos mais importantes são a igreja paroquial da Assunção (séculos XIII-XVI) com um cover de gótico tardio (século XV) e o Palácio dos Condes de Casafuerte (século XVI), hotelaria atual e restaurante chique.

Ali, fiz minha primeira pausa para hidratação e ingestão de uma banana, afinal, a jornada seria de pequena extensão, e não havia açodamento por encerrar mais esse Roteiro.

Na sequência, segui quilômetros na mesma monotonia até Bañares, onde fiz outra pausa para descanso, numa praça arborizada.

Eu estava, novamente, numa pequena povoação de uns 300 habitantes.

Seus dois monumentos relevantes, distante um do outro uns 20 m, são a grande igreja de Santa Cruz (século XV) e a capela de Santa Cruz, belo exemplo da arte românica do século XII.

Ambas se encontravam fechadas, mas, sem dúvida, a joia artística da localidade se encontra no interior da igreja e se trata da Arca de São Formécio, relíquia românica do século XII, uma caixa de madeira recoberta de artesanato em cobre e esmalte.

Restavam ainda 5 quilômetros para chegar a Santo Domingo, e o percorri sobre um caminho totalmente reto que parecia não ter fim.

Finalmente, depois de muito labutar, cheguei diante da Catedral Monumental da cidade, onde, dizem, “O Galo cantou”!

Algumas fotos do percurso desse dia:

Caminho plano, próximo de uma rodovia.

Caminho arejado e sem sombras.

Estradas retas e planas, a tônica dessa derradeira etapa.

Descenso em direção à cidade de Zarratón.

Adentrando em Zarratón...

De volta aos campos..

Ao fundo, a famosa Sierra de La Demanda.

Retão interminável...

A igreja matriz de Bañares.

Santo Domingo já aparece no horizonte...

Quase chegando em Santo Domingo de la Calzada, ponto final do Caminho Vasco Interior.

O Santo Domingo nasceu no ano 1019, na pequena cidade de Viloria, província de Burgos, a duas horas de caminhada da cidade que hoje tem seu nome.

Ele levou uma vida de eremita, totalmente dedicada à manutenção e construção de pontes, e à abertura de veredas e novos trechos do Caminho, por toda essa região.

Domingo, que posteriormente tornou-se Santo Domingo de la Calzada, teve como um de seus grandes colaboradores, Juan, que posteriormente tornou-se San Juan de Ortega.

Também o rei Alfonso VI, de León e Castela, deu-lhe toda a ajuda e colaboração nesta sagrada missão.

Imagem de Santo Domingo, colocada no interior de sua Catedral.

Santo Domingo viveu noventa anos, e no local em que morreu, foi erigida uma igreja, mais tarde transformada em catedral da cidade que floresceu a seu redor.

Duzentos anos mais tarde, no fim do século XIII, uma família de peregrinos, vindo da Alemanha, chegou a Santo Domingo de la Calzada.

A filha do estalajadeiro encantou-se com o filho do casal, Hugonell, então com dezoito anos.

Ele, porém, recusou o amor por ela oferecido.

O local, dentro da igreja, onde são mantidos um casal de aves, permanentemente.

Resolvida a vingar-se da desfeita, a donzela escondeu um cálice de prata na mochila do jovem peregrino, e o acusou pelo roubo.

O infeliz viajante foi então preso, condenado e enforcado.

Algum tempo após o enforcamento, os pais do jovem receberam uma mensagem divina dando-lhes a convicção de que o filho estava vivo.

Procuraram então o juiz, pedindo que perdoasse o rapaz, e os autorizasse a retirar o corpo ainda vivo que continuava pendurado na corda.

O juiz, com sarcasmo, interrompeu seu almoço, e respondeu que era tão certo estar vivo o enforcado, como aquela galinha que ele estava prestes a comer.

Diz a tradição, que a galinha levantou-se imediatamente do prato, cantou, e fugiu ante o olhar estarrecido do incrédulo magistrado.

A fabulosa Catedral de Santo Domingo.

Desde então, há mais de setecentos anos, há uma enorme gaiola sobre o altar da catedral de Santo Domingo, onde são mantidos uma galinha e um galo brancos, como símbolos vivos do milagre ocorrido.

É indescritível a experiência de estar sentado solitário, no início da manhã, em um banco da igreja ainda deserta, meditando sobre o caminho percorrido e o longo trajeto ainda a vencer, e ouvir, subitamente, o silêncio ser rompido pelo sonoro cantar do galo, ecoando pelas impassíveis paredes de pedra da velha catedral.

Talvez o assombro do peregrino seja tão grande, quanto o do juiz que viu seu almoço escapar e dar origem ao tradicional refrão: “Santo Domingo de la Calzada, donde cantó la gallina después de asada”.

Santo Domingo de la Calzada está distante 549 quilômetros de Santiago e se levanta sobre uma planície às margens do rio Oja, bem aos pés dos picos da Sierra de La Demanda.

Calçadão típico na cidade, orlado por olmeiros.

O nome da cidade, ao contrário do que muitos pensam, se deve ao seu fundador Domingo Garcia, que construiu uma ponte, um hospital e um albergue de peregrinos, visando facilitar a peregrinação pelo Caminho de Santiago, quando de passagem pela localidade.

Conta, atualmente, com 6.200 habitantes e um grande fluxo de turismo, face ao “milagre da galinha”, possuindo dois bons albergues, hostais, hotéis de categoria (paradores turísticos) e alguns bons restaurantes.

Há muito para ser visto em Santo Domingo: O Monastério de N. Sra. de La Anunciación, habitado por monjas cistercenses, o Convento de São Francisco, os restos da muralha de fortificação, das quais restam ainda alguns torreões, a catedral de Santo Domingo, que começou a ser erguida em 1158, a Casa Gótica, onde morreu Enrique II, em 1379, o museu da cidade, e o monumento a Santiago, todo feito em pedra, que mostra o santo como peregrino.

Até Santiago de Compostela, restam 562 km a pé.

Na cidade fiquei hospedado no Hostal San Miguel, de estupenda qualidade! Nota dez! Recomendo, com efusão, pelo excelente tratamento que recebi de seu proprietário.

O almoço foi feito no restaurante do próprio hostal, onde degustei um magnífico “menú del dia” por 10 Euros.

IMPRESSÃO PESSOAL – Etapa tranquila, curta e, praticamente, sem empecilhos altimétricos. Mas, infelizmente, sem sombras, onde segui rodeado por infindos vinhedos e imensos trigais. Por sorte, o sol estava ameno. As localidades de Zarraton e Bañares, ambas com serviços básicos aos peregrinos, marcaram a jornada de hoje. Em Santo Domingo de La Calzada, cujo campanário da catedral avistei desde muito longe, meus passos se uniram ao dos peregrinos que vinham pelo Caminho Francês.

No global, uma jornada integralmente plana e arejada, pois transcorre sempre entre culturas rasteiras. Talvez, tenha sido esta, a etapa mais fácil do Caminho Vasco Interior, que acabara de encerrar, quando aportei a Santo Domingo, meu destino final nesse roteiro.

FINAL