1º dia – IRUN a HERNANI – 28 quilômetros

1º dia – IRUN a HERNANI – 28 quilômetros

O Caminho é como a nossa própria vida: devemos nos surpreender a cada passo. Por isso, ele deve ser feito a partir da solidão de cada um, na companhia de todo o mundo.

Conforme programara, parti quando meu relógio marcava, exatamente, 6 h 30 min.

Segui por ruas ventosas, vazias e sob uma enregelante garoa, que me obrigou a deixar o local de pernoite já protegido pela capa de chuva.

Em sequência, transitei pela Praça do “Ayuntamiento”, depois prossegui pela “Calle Mayor” e, após uns 2 quilômetros, sempre caminhando por ruas, avenidas e estradas vicinais, sobre piso asfáltico, por uma passarela transpus uma autopista e fui submergindo, pouco a pouco, em propriedades rurais e me distanciando dos ruídos urbanos.

E logo estava caminhando por bosques nativos, plenos de ar puro, que eu aspirava com apetência, o que me ensejou reflexões, porquanto, ao deixar a cidade, em definitivo, era como se o cordão umbilical que me ligava a civilização tivesse se rompido.

E a sensação de me ver como um indivíduo num outro mundo e numa outra dimensão foi uma das grandes emoções que senti naquele dia.

Eu me imaginava minúsculo por estar sozinho, mas gigante por me transformar no “dono” de tudo aquilo.

Agora era para valer, pensava, acabaram o planejamento, o treinamento físico e espiritual.

Também faziam parte do passado os problemas corriqueiros do dia a dia, como dirigir, administrar compromissos, horários, filas, trânsito caótico, etc...

Eu sabia que teria pela frente muitos quilômetros de emoção e conhecimento, sustos e descobertas e a sensação de não saber o que me esperava me deu um frio na espinha.

Mas, não me sentia triste ou desamparado, ao revés, é nos desafios que me sinto mais entusiasmado.

Eu estava numa euforia contida, feliz por ter superado a preguiça, o descaso ou medo que a maioria das pessoas têm de levar seus projetos adiante, embora estivesse consciente que precisaria de muita força de vontade para superar as dificuldades.

À minha frente tudo era desconhecido, até mesmo minhas reações.

Para manter o alto-astral o segredo era transformar cada passo numa conquista, e cada dia caminhado numa vitória.

Prossegui em bom ritmo, enquanto o dia, finalmente clareava.

Logo a fina garoa transformou-se em forte temporal que, infelizmente, me acompanhou durante toda a jornada.

Em sequência, passei junto a um muro de um antigo lavador, recentemente restaurado, depois caminhei mais 6 quilômetros, utilizando pistas cimentadas, caminhos de terras, sendas, atravessando rios, casas e prados onde pastavam vacas e cavalos, sempre entre macieiras, carvalhos e castanheiras, até desembocar em Listorreta, onde há alguns restaurantes.

Depois, passei diante do decantado restaurante Mugariz (duas estrelas Michelín), de propriedade do Chef Andoni Luís Aduriz, onde o “menú del dia” não sai, acreditem, por menos de 185 Euros!

Mais adiante, cheguei à ermida de Santiagomendi, construída sobre uma serra, de onde se avista a cidade de San Sebastián e suas praias, o que não foi possível enxergar naquela ocasião, pois o dia se mantinha enfarruscado.

Ali há um excelente albergue, que contém um grande salão e uma cozinha muito bem equipada.

Infelizmente, até esse belíssimo local a chuva não deu trégua e precisei superar obstáculos que quase me fizeram desistir da empreitada, tamanha a dificuldade que encontrei em alguns trechos.

Porque, pela intensidade da tormenta, estreitas sendas se transformaram, rapidamente, em volumosos riachos, obrigando-me a fazer autênticos malabarismos para ultrapassá-los.

Prosseguindo, enfrentei uma trilha que fora invadida pelo mato, contudo, logo adiante, segui por uma inclinadíssima rodovia até Astigarraga.

Ultrapassada uma rotatória, onde existe uma grande barrica de sidra, me dirigi ao bairro de Ergobia, depois, caminhando junto a barracões industriais, adentrei em Hernani, minha meta para esse primeiro dia.

Algumas fotos do percurso desse dia:

Muita chuva nesse dia... mas, trânsito por locais maravilhosos.

Caminhos desertos e silenciosos....

Um solitário cruzeiro, localizado no meio do nada...

Caminhos lisos e plenos de muita água.

Igreja e Albergue de Santiagomendi.

Entorno chuvoso, frio e neblinoso.

A cidade de Hernani surgiu em meados do século XIII e originalmente, seu “Casco Antíguo” tinha apenas duas ruas: Kale Nagusia e Kardaberaz kalea.

Era uma povoação murada, com cinco portas de entrada, que tinham forma oval e fechada.

No centro, entre as duas ruas, havia uma área aberta, conhecida como Plaza Berria, onde o mercado era historicamente celebrado.

Igreja matriz de Hernani.

Na parte mais alta do centro, foi formada outra área aberta: Gudarien Plaza, em torno da qual se juntaram a Câmara Municipal, como parte da porta do muro, e a paróquia de San Juan Bautista.

A Cidade Velha de Hernani preserva a maioria das ruas e monumentos da Idade Média.

É um dos conjuntos de interesse histórico-artístico em Euskal Herria, classificado como Propriedade Cultural, com a categoria de Ensemble Monumental.

Entre seus monumentos, destaca-se a paróquia de São João Batistas, do século XVI.

Sinalização no casco urbano.

A cidade está rodeada de uma atrativa paisagem natural, com bosques salpicados por uma infinidade de restos pré-históricos, onde se destacam dólmens, momentos megalíticos e túmulos.

Banhada pelas águas do rio Urumea e situada aos pés do monte Santa Bárbara, o povoado dista só 9 quilômetros de San Sebastián e se destaca pelo seu pitoresco casco urbano, que foi declarado Bem de Interesse Cultural.

População atual: 20 mil habitantes.

Brindando o final da primeira jornada...

Em Hernani fiquei hospedado na Pensão Arrobi, localizada a 600 m do centro da cidade, de excelente qualidade.

Para almoçar, como a chuva persistia, utilizei um guarda-chuva emprestado para me dirigir a um restaurante situado no “casco viejo” dessa magnífica povoação, onde despendi 12 Euros por um saudável “menú del dia”.

IMPRESSÃO PESSOAL – A jornada transcorre num entorno basicamente rural, pois não se caminham muitos quilômetros para se desfrutar das típicas paisagens do País Vasco, compostas pelos vales verdes e úmidos onde, entre os bosques aparecem as grandes e brancas mansões, rodeadas de pastagens para o gado. Nessa etapa, os desníveis são frequentes, ainda que, no conjunto, sejam moderados. No entanto, há que se destacar o longo ascenso em direção a Santiagomendi, onde há um albergue, e a posterior baixada a Astigarraga, em forte declínio, outro possível final de etapa.

No global, em condições normais, é um trajeto que oferece paisagens magníficas, contudo, como eu estava mais preocupado em verificar onde deveria colocar meus pés, no sentido de preservar minha higidez, pouco pude curtir do belíssimo entorno por onde eu transitava, bem como bati poucas fotos do percurso, porque tinha receio de danificar meu equipamento, face à umidade.

2º dia - HERNANI - TOLOSA - 24 quilômetros