12ª etapa: FRÓMISTA à CALZADILLA DE LA CUEZA – 37 quilômetros

12ª etapa: FRÓMISTA à CALZADILLA DE LA CUEZA – 37 quilômetros

A etapa seria longa, sendo que o derradeiro “tramo” era o mais temido pelos peregrinos, porque em seus 17 quilômetros não há fontes, bares ou qualquer outro tipo de apoio.

Ademais, a chuva fora embora definitivamente, e o sol iria crestar com força, depois das 13 horas.

Monumento ao peregrino, na saída de Frómista.

Assim, levantei às 4 h 30 min, calmamente me preparei para o percurso daquele dia, e deixei o local de pernoite quando o relógio da igreja de San Martín batia 6 horas.

Eu caminhei pequeno trecho por asfalto e logo surgiu um “andadeiro” do lado direito da “carretera”, por onde segui animado, com a lanterna na mão, embora fizesse muito frio naquele horário, talvez uma temperatura próxima de 6 oC.

Esse roteiro eu já conhecia bem, o piso é todo plano e segue sempre à beira da rodovia, por uma larga e bem compactada estrada de terra.

"Andadero" lateral, seria assim o tempo todo.

Com o dia claro, eu passei pela cidade de Población de Campos, onde tudo ainda estava fechado e silencioso. 

O pequeno povoado é dotado de serviços mínimos ao peregrino, e tem um albergue, um hostal e uma “tienda”, dispondo ainda de três lindas igrejas, com um passado bastante rico.

A pequena ermita de San Miguel, do século XII, muito provavelmente do ano de 1227, situada à esquerda da estrada, na sombra de uma pequena alameda, com uma fonte dá as boas vindas ao peregrino quando este aporta ao povoado, que um dia pertenceu aos Cavaleiros da Ordem Militar de Malta.

A igreja paroquial de Santa Maria Magdalena, situada na parte mais alta da vila, possui estilo barroco e consta que é do século XIV, mas seu aspecto atual se deve a reformas efetuadas entre 1749 e 1753.

Monumento ao peregrino, ano 2004.

Nela se destacam a sua pia batismal, também do século XIV, e a de água benta do século XV, além de vários retábulos do século XVIII.

Já na saída da vila, antes de atravessar a ponte sobre o rio Ucieza, há outra ermita do século XII, a de Nossa Senhora Del Perpétuo Socorro, o único vestígio material de quase 700 anos de domínio Sanjuanista, titular de cinco priorados.

Igreja matriz de Poblácion de Campos.

Desde meados do século XII, Poblácion de Campos foi área da Ordem Militar de San Juan de Jerusalém.

Há documentos que comprovam um privilégio concedido por Alfonso VII, em Salamanca, no dia 24/06/1140, entregando a essa Ordem a vila de Poblácion de Campos, e o senhorio e a jurisdição dos sanjuanistass não tardou em se estabelecer na localidade.

Chegando à Revenga de Campos.

Mais alguns quilômetros vencidos, e passei por Revenga de Campos, outra vila silenciosa, onde nada se movia em suas ruas.

Chegando à Villarmentero de Campos.

Prosseguindo, sempre em bom ritmo, transitei por Villarmentero de Campos, minúsculo povoado, cortado ao meio pela rodovia P-980, a mesma que me acompanharia até a metade dessa jornada.

A cidade de Villalcazar de Sirga, no horizonte.

Com o dia claro, 14 quilômetros percorridos, aportei à cidade de Villalcazar de Sirga, essa sim uma vila de razoáveis proporções e importância. 

Adentrando em Villalcazar de Sirga.

Depois de passar por Revenga de Campos e Villarmentero de Campos, dois pequenos povoados com pouca infraestrutura ao peregrino, temos Villalcázar de Sirga, também conhecida como Villasirga (Villa-camino), que pertenceu durante muito tempo a Ordem do Templo e, posteriormente, foi patrimônio privado de algumas famílias nobres.

Este assentamento templário tinha como vocação a tutela e proteção do Caminho.

Como restos das suas soberbas instalações, sobrou apenas a igreja-fortaleza de Santa Maria la Blanca, um templo românico de transição, com suas torres e majestosos pórticos de excepcional riqueza arquitetônica.

Há muitas peças de arte para destacar no seu interior, contudo a mais impressionante é o sepulcro do Infante Don Felipe.

Igreja matriz de Villalcazar, ao longe.

Diversos milagres se atribuem a Virgen Blanca de Villasirga.

O rei Alfonso X lhe dedicou 14 milagres em suas cantigas, e a cura de um peregrino alemão paralítico, despertou uma grande devoção no mundo peregrino.

Uma das belas construções a serem apreciadas, embora muito “moderno” para os padrões do Caminho, é o prédio do Ayuntamiento, localizado num palácio do século XVIII, que pertenceu aos Condes de Villasirga, e tem como curiosidade uma passagem secreta que se comunica com a igreja.

A cidade possui um bom e confortável albergue, hostais e alguns lugares para compra de mantimentos.

 

Os primeiros peregrinos que avistei nesse dia.

Muitos peregrinos deixavam o albergue local e iniciavam sua jornada, na verdade, os primeiros caminhantes que eu avistava nesse dia.

Daqui só restam 463 quilômetros até Santiago: ânimo!

 Monotonia: rodovia, "andadero" e trigais.

 O trajeto prosseguiu sem grandes atropelos ou intercorrências, de maneira que, após vencer mais 6 quilômetros em lento declive, aportei em Carrión de Los Condes, quando meu relógio marcava apenas 10 horas da manhã.

Carrión de los Condes no horizonte.

Na entrada da cidade eu fiz uma pausa reparadora para hidratação e ingestão de uma banana, depois segui as flechas amarelas em direção ao centro da urbe que, por sinal, é bonita e muito bem conservada.

 

Chegando à Carrión de Los Condes.

Carrión é uma das cidades que oferece melhor estrutura ao peregrino.

Dispõe de 4 albergues, hotéis, hostais, bares, restaurantes, e farto comércio, além de diversos bancos.

Em um de seus albergues, o das Irmãs Clarissas, dizem que dormiu São Francisco de Assis e o Papa João Paulo II.

Sua grandeza em relação ao Caminho de Santiago se expressa pela quantidade de hospitais existentes para acolher o peregrino na idade média: uma dúzia e, em razão disso, foi ponto de encontro político, religioso, cultural e sócio-econômico na Espanha medieval.

Igreja de Santiago.

Tem uma das maiores e melhores bibliotecas jacobeias da Espanha, e chegou a ter no século XII mais de 14 mil habitantes, e hoje esteja com 2.500, distribuídos em doze paróquias.

Um de seus principais hospitais foi fundado no século XIII, por Don Gonzalo Ruiz Girón, mordomo do Rei, mais tarde conhecido como Hospital de la Herrada.

Próximo do atual Monastério de San Zoilo, comentam que nele os peregrinos “recebian de mayo a octubre, medio pan, y de noviembre a abril, un pan entero".

Igreja de Santiago: outro ângulo.

Ao entrar em Carrión, e antes de alcançar seu recinto amuralhado, encontra-se a ermita de la Piedad, e um pouco mais adiante, também extramuros, o convento de Santa Clara recentemente restaurado.

Das seis igrejas que restaram erigidas, a de Santa María del Camino e a igreja de Santiago, com uma impressionante portada, representando um Pantocrátor com os apóstolos, sem dúvida, são as que apresentam maior beleza.

Na saída da cidade está o Monastério de San Zoilo, do qual se conserva um magnífico claustro renascentista, sendo que suas demais dependências foram transformadas num hotel de luxo.

 

Igreja de Santiago, em Carrión, localizada no centro da urbe.

Eu passei diante da igreja de Santiago, parei para fotos e depois fiz rápida visita em seu interior.

Prosseguindo, parei num bar para tomar café e, aproveitando a ocasião, comprei uma garrafa de água.

Na sequência, segui para a saída da cidade.

Monastério de San Zoilo

Assim, depois de transpor o rio Carrión por belíssima ponte, passei diante do Monastério de San Zoilo, cuja fundação é anterior ao ano 948, porém suas atuais instalações são de 1392, quando foi integralmente reconstruído.

Atualmente, ali funciona um hotel de luxo, mas uma de suas alas abriga também o Centro de Estudos e Documentação do Caminho de Santiago.

Início da Via Romana Aquitana.

Eu prossegui por asfalto, passei diante das ruínas da Abadia de Benevivere, fundada em 1065, e depois de caminhar 5 quilômetros em piso duro, finalmente, adentrei numa plana e larga estrada de terra.

Depois de muito piso asfaltado, finalmente, terra!

A partir desse marco, ela discorre sobre o traçado original da antiga Via Romana Aquitana, como indica a inscrição de uma lápide em seu início.

Longas retas, pouca sombra.

Vi poucos peregrinos caminhando à minha frente, porque a grande maioria saíra mais cedo e se encontrava a grande distância daquele local.

Local reservado para descanso dos peregrinos, mas não oferece água.

Fui vencendo lentamente as distâncias e logo passei diante da Fuente del Hospitalejo, um local de descanso para os peregrinos, porém notei que não há oferta de água como se poderia supor.

Monotonia: o horizonte se repete.

O roteiro prosseguiu sem grandes alterações, todo plano e situado entre extensas plantações de trigo.

Desolação: nenhum peregrino no Caminho.

Mais alguns quilômetros superados, e passei diante da Canada Real Leonesa, outro local em que existem bancos e mesas à disposição dos peregrinos, e onde avistei umas 10 pessoas descansando.

Chegada à Canada Real Leonesa, outro local reservado para descanso.

Eu havia feito duas pequenas pausas para hidratação, não estava cansado e resolvi prosseguir adiante, enquanto curtia e fotografava o entorno.

Neste local, no quilômetro 410, já próximo de Calzadilla la Cueza, eu ultrapassei a metade do Caminho.

Já quase no final da jornada, pelos meus cálculos, eu ultrapassei o 410º quilômetro caminhado, ou seja, superei a metade da jornada e, com o objetivo de eternizar esse momento, pedi a uma peregrina que vinha caminhando rápido, para bater uma foto minha.

Nesse trecho derradeiro, eu alcancei um peregrino alemão que a duras penas se arrastava, apoiando apenas a perna direita no solo, enquanto a parte esquerda do corpo era sustentada pelo cajado.

Retão, sem fim...

Indaguei sobre o ocorrido, e ele me disse que sofrera severa torção no tornozelo, e recusou qualquer ajuda.

O Caminho se tornou pedregoso em seu final.

Precisava chegar sozinho, ao menos até a próxima povoação, onde encontraria assistência de algum massagista e poderia descansar.

Momentos de intensa introspecção, pela solidão vivenciada nesse trecho.

Assim, prosseguiu em dolorosa solidão, depois de lhe desejar boa sorte e seguir meu caminho.

Oba! Finalmente, construções à vista!

Na verdade, segui pensando como é incrível a disposição de algumas pessoas e de sua capacidade de lutar e vencer quaisquer obstáculos, fazendo nossas queixas parecerem lamentos despropositados.

Muito próximo de Calzadilla.

Ainda caminhei uns 5 quilômetros, sempre por uma estrada de piso socado e sem maiores novidades, às 14 h 30 min, eu aportei à Calzadilla de La Cueza.

Rapidamente me dirigi ao hostal onde havia feito reserva e, após as providências costumeiras, desci para almoçar.

 

Finalmente, Calzadilla de la Cueza, minha meta nesse dia.

Calzadilla é um povoado que tem muito pouco a oferecer ao peregrino, embora disponha de uma infraestrutura básica: um albergue, um hostal e um restaurante que pertence ao mesmo dono.

O nome da cidade provém da Via Aquitânia (caminho romano), que passava por esta localidade muito antes do Caminho de Santiago.

Na saída de Calzadilla, na única rua do povoado, existem restos do que foi um grande hospital e monastério da Ordem de Santiago, conhecidos como Monastério de las Tiendas.

Para se ver e admirar, há apenas um retábulo do século XVI, procedente do monastério de Santa Maria de las Tiendas, que se conserva na igreja paroquial, cujo patrono é San Martín.

 

O simpático Neném, soteropolitano da Bahia.

Mais tarde, após um merecido descanso, fui até o albergue municipal carimbar minha credencial, e ali tive agradável surpresa, pois o hospitaleiro, o Neném, é um baiano simpático e alegre, natural de Salvador.

Contou-me que já está naquela cidade há 7 anos e adora o que faz.

Fiquei um bom tempo ali conversando com ele, matando a saudade de nossa língua pátria, depois me recolhi.

Relaxando, no bar em Calzadilla.

Na jornada seguinte eu pretendia percorrer 38 quilômetros, e pernoitar em El Burgo Ranero, porém o clima mudou novamente e iniciou-se forte chuva, que prosseguiu noite adentro.

E esse detalhe me fez repensar a programação, contudo deixei para resolver o que fazer somente na manhã do dia seguinte, assim, dormi tranquilo e sem maiores preocupações. 

 

13ª etapa: CALZADILLA DE LA CUEZA à SAHAGÚN – 23 quilômetros