13º dia: CASTRO DUSÓN à SILLEDA – 27.730 metros

13º dia: CASTRO DUSÓN à SILLEDA – 27.730 metros

“Não procure seguir os passos dos homens antigos, mas, sim, o que eles procuraram”. (Matsuo Bashô)

O dia estava clareando ao redor das 7 horas, e resolvi sair nesse horário, um pouco antes talvez.

Mas, quando me levantei às 6 h, ouvi sonoros barulhos no andar de cima, sinal de que havia outros peregrinos com a mesma intenção, se preparando para partir.

E todo o cuidado que tive em não perturbar os outros amigos, percebi logo, fora em vão, porque duas pessoas conversavam alto no piso superior, arrastavam cadeiras, além de derrubarem alguns equipamentos no chão, em várias oportunidades.

Quando fui ao banheiro, já encontrei os dois catalães fazendo a higiene matinal, então, soube de onde provinha o pandemônio de que fora testemunha.

Eles se foram às 6 h 30 min, mas preferi aguardar um pouco mais, pois certamente ainda os encontraria pelo caminho.

Ainda, estava escuro e garoando quando deixei o albergue e, para minha surpresa, ao tentar acender minha lanterna, percebi que a mesma estava descarregada.

Na realidade, desde Viseu, início do Caminho, eu não a tinha utilizado uma única vez, assim, pensava que a carga elétrica feita no Brasil ainda estava presente, de forma que não a testara antes de partir.

Menos mal, pensei, vez que já conhecia o roteiro e, sabia que o caminho segue por uma estrada vicinal asfaltada que passa ao lado da igreja de São Pedro e, mais adiante ela se junta à N-525.

Então, resolvi ir diretamente pela rodovia, enquanto aguardava o dia clarear.

Após as chuvas do dia anterior, lentamente o dia amanhece.

Uns dois quilômetros depois, quando o roteiro original conflui com a rodovia, alcancei os dois espanhóis, que portavam potentes lanternas, e seguimos juntos conversando.

Porém, eles se movimentavam num ritmo extremamente lento, de forma que, assim que o dia clareou, eu me despedi e segui adiante solitário, como de costume.

Caminho plano e bastante encharcado.

Logo adiante, as flechas me indicaram um caminho em terra plano, situado à esquerda, por onde prossegui tranquilo, em meio a bucólico entorno.

Muita umidade no entorno.

O dia se mostrava enfarruscado após a chuva noturna e, em alguns locais, o piso estava molhado e extremamente escorregadio.

A manhã despontou fria e a mata circundante coberta por extenso manto de neblina.

Uma hora mais tarde, passei por Puxalos, pequeno povoado, onde tudo se encontrava em profundo silêncio, que só era quebrado, de quando em vez, pelo ladrar de algum cão à minha passagem.

Caminho arejado e deserto.

Prosseguindo, “mergulhei” novamente em outra larga e plana estrada de terra, situada em meio a intensa neblina, por onde segui sem pressa, apreciando a paisagem.

As flores dão o toque nesse trecho.

Que, por sinal, se mostrava fantástica, com muitas flores nas laterais, a me ladear.

Foi um percurso extremamente agradável e fresco, onde pude externar minhas orações matinais na mais profunda introspecção.

Muita cerração à frente.

São esses momentos únicos, solitários, aprazíveis, que resistem gravados em nossa mente, indelevelmente.

Seguindo por frondoso bosque de carvalhos.

Mais adiante, eu ultrapassei a Autovia Nacional por uma ponte metálica, depois adentrei num frondoso bosque de carvalhos.

Caminho fantástico nesse trecho.

Ali, o piso estava forrado por pedras britadas, o que me propiciaram confiança no meu caminhar.

Já fazia calor, e notei o céu que amanhecera tão limpo e azul, agora se fazia áspero, com rabos de galo, numa ameaça precoce de chuva.

Bonito vale, situado junto ao rio Deza.

Mais adiante, já próximo de Botos, eu caminhei a céu aberto e, a partir dali, o roteiro prossegue em meio a bonitos vales que cercam o rio Deza.

À frente, dei um grande giro e, logo acima, retornei a caminhar em outro espesso e neblinoso bosque, agora em franca ascendência.

Trilha funda e únida.

Nessa região a vegetação é densa e, em alguns trechos existem altos carvalhos de ambos os lados do caminho.

Por isso, há ocasiões que acorre a sensação de estarmos caminhando dentro de um enorme túnel construído pela exuberante natureza a nos envolver.

Igrejinha em Gestia.

Já no topo do morro, pude fotografar uma singela igrejinha, localizada na aldeia de Gestia.

Seguindo em piso asfáltico.

Ali, ultrapassei a rodovia N-525 e, já do outro lado, segui em descenso por outro bosque de carvalhos, mas, agora, em piso asfáltico.

Apesar de minha memória ser boa, e ter passado por esses locais em 2008, sinceramente, não os reconheci.

O entorno prossegue belíssimo.

Ocorre que, na época, haviam muitas obras em andamento como, por exemplo, a Autovia Nacional, bem como a da Ferrovia (RENFE).

Assim, seus percursos, em alguns locais, alteraram significativamente o traçado do Caminho que precisou se adaptar às pontes e, com isso, propiciou novos roteiros demarcados.

Seguindo em meio a natureza silenciosa.

Mas, o percurso seguiu belíssimo, sempre entre imensos bosques, agora em perene descendência.

Para concluir, o clima persistia fresco, hidratado, mas o céu escuro e uma brisa vinda do sudoeste prometia chuva para breve.

Passando por Estación de Lalin.

Eu segui em descendência e, finalmente, após 13 quilômetros percorridos, cheguei à Estación de Lalin, pequena vila que abriga uma grande estação destinada à baldeação dos trens que servem o percurso entre Ourense e La Corunha.

O tempo permanecia ventoso e caia leve garoa.

Assim, molhado e faminto, parei num bar local, onde aproveitei comer algo e ingerir duas “generosas” doses de café com conhaque, espantando o frio que sentia.

Solitário cruzeiro assiste a minha passagem.

Com as forças recuperadas, prossegui em frente e, na sequência, sempre por estradas vicinais asfaltadas, passei por inúmeros “pueblos” como Baján, Bousa, Botos e Donsión.

Mais acima, retornaram os bosques galegos.

Nesse trecho, novamente tive a companhia de extensos bosques hidratados e silenciosos.

O percurso, sempre plano, me propiciou tranquilidade e intensa comunhão com o ambiente ao redor.

Trecho plano e extremamente agradável.

Por sinal, no percurso desse dia, curiosamente, não vi e não ultrapassei nenhum peregrino.

Caminho silencioso, sob céu nublado.

Sob um céu de nuvens cinzentas, fazia calor e a atmosfera estava abafada e úmida.

O caminho prossegue belíssimo nesse trecho.

Finalmente, depois de 17 quilômetros vencidos, passei por A Laxe, onde existe um albergue novo e vanguardista, que pude fotografar externamente, porquanto naquele horário ele ainda persistia fechado.

Albergue de Peregrinos em A Laxe.

Ultrapassei, a seguir, Empedrada, Vilasoa e Jubín.

Em alguns locais, o caminho se desvia da N-525 para trilhas marginais, mas logo adiante, retorna à beira da rodovia.

Nesse trecho, voltou a garoar.

E foi por um grande calçadão, que ultrapassei o povoado de Prado, onde a chuva retornou com força, obrigando-me a vestir a capa, novamente.

O roteiro seguiu alternando terra com asfalto, até próximo das Indústrias Hoxe.

Céu escuro, promessa de chuva em breve.

Ali o caminho prossegue novamente em direção ao rio Deza, numa preciosa trilha que transcorre sob grandes árvores e carvalhos centenários.

Segui caminhando compenetrado, desfrutando de cada momento, pois, depois de tantos dias em marcha, imprescindível “saborear” os derradeiros passos.

"Desfrutando"o caminho, mas sob chuva contínua.

Nesse trecho, a chuva voltou com vigor, e precisei caminhar com muita compenetração, para não escorregar e cair.

Famosa Ponte Romana.

Em sequência, o caminho me conduziu a uma bonita ponte de pedra medieval, denominada de “Taboada”, por sob a qual as águas correm rápidas e encachoeiradas, após a passagem entre grandes rochas, situadas no leito da caudalosa torrente líquida.

O piso dessa ponte medieval ainda está perfeitamente preservado.

Numa pedra próxima existe curiosa inscrição gravada do século X, em estranho dialeto, cujo significado ainda não foi desvendado pelos hierógrafos europeus.

Mais à frente, em uma zona de descanso junto à rodovia, existe uma interessante igrejinha dedicada a Santiago, onde há presença de restos românticos do século XIII.

Um relevo na porta principal sobressai aos olhos, é a figura de Sansão com sua força sobre-humana, abraçando um leão.

Mas, a chuva havia se intensificado, e fotografar o entorno, apesar de belíssimo e secular, nem pensar, sob pena de comprometer o funcionamento de minha câmera.

Segundo me informou um morador local, nessa região existe uma densidade maior de cães do que pessoas, por quilômetro quadrado.

Impossível ultrapassar uma habitação sem avistá-los, quase sempre aos bandos.

Num trecho final, eu transitei pela rodovia quando, as flechas me remeteram para uma estrada de terra situada à esquerda, a qual já conhecia, pois nela havia transitado em 2008.

Ocorre que naquela ocasião também enfrentei forte borrasca no final da jornada, da qual guardo péssimas recordações, pois, a pequena trilha se transformou num riacho e cheguei ao final do percurso, integralmente molhado, mormente meus sofridos e doloridos pés.

Seguindo pela rodovia nesse trecho, sob muita chuva.

Assim, desta vez, mais experiente, optei por seguir diretamente pela rodovia e, logo depois, às 14 h, adentrei em Silleda, cidade importante e progressista, centro de gado leiteiro, minha meta naquele dia.

Ali me hospedei na Pensão Toxa onde, por 15 euros, desfrutei de um quarto amplo e confortável.

E foi no restaurante A Colher, que ingeri um saboroso “menú del dia”, pelo qual paguei 10 euros.

Depois, retornei ao local de pernoite e, como a calefação ainda não fora ligada, fui tomado por uma sensação de frio intenso.

Assim, deitei para descansar e me aquecer, enquanto a chuva persistia lá fora.

Rotatória situada na entrada da cidade de Silleda.

Os primeiros rastros de povoamento em Silleda são da Idade de Bronze, mas ela só entrou para a história durante a época sueva, no século VI.

Segundo as "Escrituras Lucenses", do Concílio de Lugo, que se celebrou no ano 569, sendo bispo Nitígio e reinando Teodomiro, acordou-se fazer uma nova divisão da diocese e nos condados.

Por este acordo, constituiu-se o Condado de Deza, que compreendia as terras de Deza, Silleda, Carbia e Dozón.

Entre os séculos XI e XIII levantaram-se numerosas igrejas românicas, das quais merecem uma visita a de Ansemil, Breixa, Dornelas, O Castro e Taboada.

Um local de descanso privilegiado, numa rua de Silleda.

A Idade Contemporânea trouxe a Silleda um novo período de lutas, fruto da invasão francesa.

A imigração, a guerra civil e a febre do wolfram, marcaram os capítulos importantes na recente história do município.

Famosa por suas feiras de gado e agrícolas, tem seu máximo exponente, a nível internacional, durante la Semana Verde de Galícia.

Essa Feira Internacional acontece num recinto criado especialmente para tais eventos, e que possuí a maior rua coberta e fechada da Europa.

Nos últimos vinte cinco anos, o progresso do setor agrário consolidaram e impulsionaram o seu crescimento, tanto no volume de novas edificações, como no número de habitantes, que hoje somam 9 mil.

Igreja de Santa Eulália.

Quando me levantei, às 17 horas, o clima havia mudado, inclusive o céu já mostrava o azul em seu infinito.

Então, calmamente, pude visitar a igreja matriz da cidade, cuja padroeira é Santa Eulália, e está edificada nas proximidades do Monastério de Carboeiro, uma bonita construção em estilo romântico, do século XV.

Ainda, tomei informações com um taxista sobre o roteiro do dia seguinte pois, embora já o conhecesse, pretendia checar se houvera alguma modificação importante em seu percurso.

À noite fiz frugal lanche no bar Toxa e logo me recolhi, já prelibando o encontro com o Santo Apóstolo, no dia seguinte.

Bar e Pensão Toxa, local de meu pernoite nesse dia.

IMPRESSÃO PESSOAL: Uma jornada de média extensão, bastante agradável, e com poucas variações altimétricas. Seu percurso transcorre em vários locais, por extensos e silenciosos bosques, um verdadeiro deleite para a alma do peregrino. No geral, uma etapa fácil, mas onde fui prejudicado, em alguns trechos, pela chuva intensa, mormente no tramo final.

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