1ª etapa – MONASTÉRIO DE MONTSERRAT a IGUALADA – 29 quilômetros

Que minha coragem seja maior que meu medo e que minha força seja tão grande quanto minha fé.

Eu consultara 2 guias acerca desse percurso inicial e, de pronto, encontrei informações destoantes: um dizia que esse trecho teria 31 quilômetros e o outro 25.

Uma diferença considerável, sem dúvida.

Como me é peculiar, resolvi levantar bem cedo e às 6 h e 45 min, com o dia já clareando, eu deixei o local de pernoite e segui em direção à porta do Monastério de Montserrat.

No quarto, momentos antes da partida, recitando minhas orações matinais e pedindo proteção a Deus.

Ali fiz orações e, salmodiei e pedi proteção no caminho.

Em seguida, animado, acessei a rodovia BP-1121 e segui em rápido descenso.

No dia anterior eu havia conferido o local por onde eu iniciaria meu périplo, por isso não tive dúvidas quanto ao rumo a tomar.

Trezentos metros abaixo, visualizei a primeira flecha amarela desse roteiro, me remetendo, à esquerda, em direção a uma estrada de terra, denominada “Cami dels Degotalls”.

Nela, em meio a espessa mata, prossegui descendendo ao lado de numerosas imagens marianas.

Adentrando ao “Cami dels Degotalls”.

O trajeto arborizado e fresco, me proporcionou momentos de paz e alegria, posto que feito à luz baça da manhã e sob um estridente alarido, proporcionado pelo gorjeio de pássaros silvestres.

Dois quilômetros adiante, depois de vigoroso descenso por um piso empedrado e perigoso, voltei a acessar a rodovia e por ela prossegui indefinidamente.

O caminho segue em terra, à beira da rodovia.

Do meu lado direito podia avistar um profundo vale, pleno de culturas, rios e cidades, local por onde eu chegara no dia anterior, quando partira de Barcelona.

O clima se mostrava frio e úmido, porém, às minhas costas, logo o sol apareceu e tudo ficou mais claro e aquecido.

Cinco quilômetros percorridos, passei diante da igreja românica de Santa Cecília, uma edificação do século II.

Foi ela a única construção que restou de um antigo monastério beneditino que exista no local, edificado no ano 945.

Ali existe também o Refúgio Bartolomeu Puiggrós, pertencente a Federação dos Excursionistas da Catalunha, que dispõe de 36 camas e também abriga peregrinos.

A estrada serpeante ascendeu em determinados trechos e, em sequência, passei sob dois túneis.

À minha frente, rochas impressionantes, localizadas à beira da estrada, davam um tom surreal ao ambiente.

Depois de 9 quilômetros percorridos em bom ritmo, eu passei diante da Can Maçana, uma emblemática construção, que se encontra abandonada.

Duzentos metros adiante, finalmente, abandonei o asfalto e acessei uma estrada de terra, localizada entre árvores frondentes.

Logo, porém, o roteiro se empinou rispidamente e precisei usar toda a minha energia para escalar um vigoroso outeiro.

E o fiz com intenso cuidado, pois um simples escorregão ou uma simples queda poderia implicar no encerramento, ainda que prematuro, de minha peregrinação.

O caminho ascende em direção ao topo do morro, por uma senda empedrada.

A trilha seguiu sempre em piso empedrado, liso e desconfortável, um perigo para o caminhante despreparado.

Já no cume da elevação, eu podia avistar à distância as povoações por onde eu transitaria a seguir.

Descendendo pelo lado oposto do morro.

O descenso foi por uma estrada larga e bem delineada que me levou, depois de 11 quilômetros, a passar pela pequena vila de Sant Pau de la Guardia.

Uma minúscula aldeia que, no entanto, surpreendentemente, também oferece acolhida aos peregrinos, num refúgio.

Quase chegando em Sant Pau de la Guardia.

Tal albergue está instalado junto à Casa Rural de la Guardia, pelo preço de 10 Euros/dia.

Eu atravessei rapidamente a pequeníssima povoação, porém, mais abaixo, caminhei um bom tempo em piso duro, quando atravessei um grande condomínio denominado Montserrat Park.

De volta a terra e ao mato; meus pés e pulmões agradeceram.

Mais à frente, voltei a caminhar sobre piso de terra, dentro de um agradável bosque de pinheiros.

Dois quilômetros completados, em conspícua sintonia com o fresco ambiente, eu atravessei a Autovia Nacional por uma ponte, depois, prossegui caminhando em asfalto.

O dia seguia ensolarado, mas um vento gelado, proveniente do norte, deixava o ambiente ideal para caminhar.

Nesse pique, vencidos 17 quilômetros, acessei a zona urbana da cidade de Castelloli.

Nela encontrei bares, restaurantes, supermercados e, inclusive, um albergue de peregrinos, ainda que um tanto precário.

Ali residem 421 pessoas e nela visualizei ruas limpas, fachadas dignas, casas recém-pintadas, calçadas impecáveis e povo hospitaleiro.

Seu destaque fica para a Capela românica de São Vicente e as ruínas do antigo Castelo de Aulí, cuja edificação data o século X.

Prefeitura de Castelloli.

Atravessei tranquilamente a povoação e, depois prossegui caminhando por um calçadão para pedestres, instalado junto à rodovia.

Seguindo em frente por um calçadão lateral.

Mais abaixo, prossegui por pistas de cimento, localizadas junto à Autovia Nacional, que margeou uma imensa plantação de canola.

Caminhei, depois, pelo interior de um extenso Distrito Industrial que, face ao barulho ali presente, me deixou bastante desnorteado, por conta da brusca mudança de ambiente.

Dois quilômetros adiante, adentrei em zona urbana e logo estava transitando pela área central de Igualada.

Na cidade, fiquei hospedado na Pensão Canaletas, onde paguei 30 Euros por um excelente quarto individual.

Contudo, o estabelecimento, como um todo, deixou muito a desejar, pela falta de manutenção em diversos segmentos como, por exemplo, os banheiros e as escadas.

Para almoçar, utilizei o restaurante localizado no andar térreo da Pensão, onde degustei uma espetacular variedade de alimentos, oferecidas no sistema “self-service”, algo raríssimo na Espanha, onde o usual é o “menú del dia”.

Para comer à vontade paguei o justo preço de 10 Euros.

Depois, deitei para descansar.

Calçadão para pedestres em Igualada.

Igualada é a capital da Comarca da Anoia, situada na margem esquerda do rio homônimo, e sua fundação se deu no cruzamento de dois importantes caminhos históricos: o Caminho Real de Barcelona e Lérida e a rota de repovoação que, desde os Pireneus, baixava aos férteis campos da cidade de Tarragona.

Distante 67 quilômetros de Barcelona, no interior da Catalunha, sua principal atividade é a indústria têxtil e a de papel.

Inicialmente, foi um pequeno núcleo de povoação, desenhado em 1003, quando se faz referência a uma igreja dedicada à Santa Maria, relacionada com o Monastério de Sant Cugat.

As primeiras muralhas que se conhecem datam, provavelmente, do século XII, que se ampliaram no século XIV, com a intenção de se incluir a construção do Raval de Capdevila.

Uma terceira expansão das muralhas se levou a cabo no século XV, com 36 torres e 10 portas, que permaneceram até o século XVIII.

A igreja de Santa Maria, conhecida também como Igreja Grande, é o conjunto histórico artístico mais importante da cidade.

Porta principal da igreja de Santa Maria.

O edifício atual data, basicamente, do século XVII.

Nela há um órgão de 1759, construído por Antoni Bosca e restaurado em 1914 por Miguel Bertran, que sobreviveu a guerra civil, sendo o único elemento da igreja que não foi destruído.

O asilo do Santo Cristo se destaca por sua monumentalidade e arquitetura, já que foi edificado no estilo modernista catalão.

População atual: 33 mil pessoas.

Placa explicativa sobre a vitória dos espanhóis contra os invasores franceses.

Mais tarde, já refeito da dura liça do dia, caminhei 8 quarteirões para acessar o centro da urbe.

No trajeto, para minha surpresa, num descenso, encontrei uma escada rolante, com dois lances, localizada num local desabrigado, com a função de auxiliar as pessoas a vencer uma ríspida elevação.

Veterano de caminhos na Espanha e no Brasil, foi a primeira vez que visualizei tal equipamento instalado ao ar livre.

Sinceramente, uma agradável surpresa.

Uma escada rolante ao ar livre.

Igualada também me surpreendeu pela sua absoluta limpeza, calçadões impecáveis, povo educado, trânsito calmo e paciente.

Aproveitei a ocasião para visitar a Catedral de Santa Maria, edificada no século XI, ainda que sua conjuntura atual date do século XVII, face às várias reformas executadas em sua fachada.

Na verdade, ela é uma amálgama de diversas influências estilísticas.

À noite, me conformei com um singelo lanche que degustei em meu apartamento, com os víveres que havia adquirido num supermercado próximo.

E cedo me recolhi, porquanto a jornada fora cansativa, por conta da dura etapa vivenciada naquele dia.

CONCLUSÃO PESSOAL: A jornada, como um todo, foi bela e intensa. Magoou, contudo, meus membros inferiores porquanto, mais de 2/3 da jornada ocorreu sobre piso duro. De se ressaltar, porém, que durante todo o trajeto, a Província da Catalunha se sobressaiu belíssima, com povoados muito bem administrados. Por derradeiro, um destaque especial à cidade de Igualada, onde vivenciei duas agradáveis surpresas. A primeira, no almoço, servido no sistema self-service, algo inusitado para mim em Caminhos espanhóis. Depois, o encontro com a escada rolante, instalada em local aberto e acessível a todos os transeuntes. Algo que nunca visualizara em nenhuma povoação anteriormente. No global, um caminho maravilhoso, cujo conteúdo somente foi empanado pelo excesso de asfalto que perpassou sobre meus pés.

02ª etapa – IGUALADA a LA PANADELLA – 24 quilômetros