23ª Jornada - NAVIA a RIBADEO

23ª Jornada – Navia a Ribadeo - 32 quilômetros: “Despedida das Astúrias!” 

Aparentemente, o percurso não seria de grande dificuldade em termos de altimetria, contudo, como nas jornadas anteriores, discorreria quase que exclusivamente por “carretera”.

Portanto, me aguardava outro percurso duríssimo, pois que meu pé esquerdo ainda se ressentia da lesão que me acometera, porquanto ela ainda não estava integralmente cicatrizada.

De qualquer forma, os primeiros quilômetros, até o acesso à cidade de La Caridade, para evitar erro, conforme me aconselhou um taxista com quem conversei no dia anterior, deveriam ser vencidos diretamente pela N-634, minha velha conhecida, vez que o roteiro oficial nesse trecho está muito mal sinalizado.

Assim, como havia ameaça de chuva para depois das 12 h, levantei às 4 h 45 min, tomei meu frugal café da manhã e, às 5 h 30 min, deixei o hotel e segui pela calçada à beira da rodovia.

Logo à frente, atravessei o rio Navia, utilizando uma passagem de pedestres construída junto a uma moderna ponte, por onde trafegam os veículos motorizados.

Já do outro lado do rio, visualizei flechas me encaminhando à esquerda, em direção ao povoado de Jarrío, mas como sabia que faria uma razoável curva e não encontraria serviços disponíveis, como bar ou “tienda” abertos, eu segui diretamente pelo acostamento da N-634, onde o tráfego de veículos era praticamente inexistente naquele horário.

O dia estava frio e nublado, de forma que pude caminhar em bom ritmo, posto que o roteiro era praticamente todo plano nesse trecho.

Com o dia principiando amanhecer, passei por Cartavio, um “pueblo” situado à beira da rodovia, onde avistei dois bons hostais, bem como a igreja de Santa Maria, uma construção do século XI, contudo sua origem remonta a um convento que ali existiu no século IX.

Dois quilômetros depois, eu adentrei em La Caridad, um povoado de razoável tamanho, edificado ao longo da rodovia, com o albergue disponibilizado aos peregrinos, situado logo na entrada da cidade.

Avistei também a igreja de San Miguel de Mohices e, ao longe, o palácio modernista de Jardón, uma construção do século XX.

Ali havia dois bares já abertos, porém eu estava bem alimentado e com provisões adquiridas no dia anterior, de forma que, bem aquecido e animado, optei por seguir adiante.

O roteiro prosseguiu, sempre por asfalto, utilizando estradas vicinais, paralelas à N-634, e nesse ritmo, passei por Valdepares e, logo depois, adentrei em El Franco, ambos pequeníssimos povoados, onde nada avistei de interessante.

Depois de cruzar o rio Porcia por uma interessante ponte medieval, situada em meio a um frondoso bosque de pinheiros, iniciou-se pronunciada ladeira, já em asfalto e, após vencê-la, bordejei a cidade de Porcia, passando junto ao seu cemitério.

Ali, encontrei uma divisão de caminhos: se seguisse à direita, iria em direção à Tapia de Casariega, localizada junto ao mar, e onde existe, segundo o guia, um excelente albergue para peregrinos.

Porém, como programara pernoitar em Ribadeo, prossegui à esquerda e, logo adiante, no final do asfalto, acessei uma larga e plana estrada rural secundária, situada num ambiente bucólico e silencioso.

Este foi o ponto alto da jornada, porquanto passei a caminhar entre grandes áreas agriculturáveis, que se alternavam com pequenos bosques de pinheiros, enfim, como o clima estava fresco e ainda sem sol, foi um dos melhores trechos que trilhei em toda essa etapa.

Porém, depois de 6 quilômetros vencidos, me aproximei de Brul, um povoado sem nenhum tipo de comércio onde, inclusive, não se chega entrar, porquanto depois de acessar sua primeira rua, imediatamente as flechas me direcionaram à esquerda, para uma larga estrada de terra.

E através dela, 2 quilômetros depois, cheguei à Tol, um pequeno “pueblo”, onde existe um albergue de peregrinos, por sinal, o último das Astúrias.

Numa movimentada esquina, onde havia um cruzamento de rodovias, encontrei um bar aberto e nele pude tomar um café, ingerir um “bocadillo” de queijo e comprar água, já que o sol brilhava intensamente num céu azul e sem nuvens, e principiava a me incomodar.

Na sequência, obedecendo a sinalização, prossegui pela rodovia AS-31 que, apesar de ser plana e naquele horário contar com mínimo tráfego de veículos, se tornava bastante perigosa, posto que não possui acostamento.

Depois de caminhar uns 500 metros, encontrei outra bifurcação: se seguisse à esquerda, atingiria as cidades de Vegadeo ou Castropol e, nessa localidade necessitaria cruzar o rio Eo por barca, mas esse era o roteiro medieval, utilizado em tempos de outrora.

Atualmente, recomenda-se seguir adiante, como eu fiz, em direção a Barres, localidade onde existe um expressivo parque industrial, com grandes fábricas em funcionamento e, a partir desse marco, o trajeto perdeu todo o encanto, pois se tornou barulhento e perigoso.

Sempre por asfalto e, praticamente em linha reta, passei pelos povoados de Lois e, mais à frente, já bastante desgastado, adentrei em Figueras, a última povoação asturiana por onde transitei.

Na praça central da cidade, solicitei informações a um morador local que, solicitamente, me deu instruções de como eu deveria prosseguir, posto que as flechas sinalizadoras misteriosamente desapareceram.

Assim, prossegui por uma rodovia vicinal e logo adentrei numa passagem para pedestres, construída em anexo à imensa “Puente de los Santos”, que transpõe a foz do rio Eo, tem 800 metros de extensão e 30 metros de altura, de modo a permitir a passagem de barcos.

Do outro lado, já na Galícia, segui pela avenida principal e, depois de interrogar um senhor, cheguei ao “casco viejo” de Ribadeo, minha meta para aquele dia.

A cidade foi fundada pelo rei Fernando II, no ano de 1.176, tornando-se um importante centro pesqueiro e comercial, posto que foi edificada numa das mais extensas desembocaduras do mar Cantábrico.

A travessia em barcos desse imenso estuário era um dos maiores desafios enfrentados pelos peregrinos medievais que necessitavam chegar à Compostela, já que não havia pontes, e vencer esse amplo braço de mar em pequenas embarcações era perigoso, e muitos morriam afogados.

Há inúmeros dados escritos que dão conta da existência do Hospital de San Sebastián, uma fundação existente nesse povoado, onde se acolhiam pobres, caminhantes, transeuntes e enfermos, que funcionou até 1.853 e, segundo a história, em 1.550, ela disponibilizava 20 camas para os hospedes.

A cidade é uma preciosa vila em que se nota a mão dos “indianos”.

Na verdade, imigrantes que foram à América e retornaram ricos ao seu torrão natal, onde se preocuparam em construir palacetes e outras benesses com o dinheiro ganho à custa de muito sangue e suor do outro lado do mundo.

Nessa belíssima urbe, fiquei hospedado no Hotel Ros Mary, localizado na praça principal, bem ao lado da igreja matriz de Santa Maria del Campo, que pertenceu a um convento franciscano e data do século XIII.

Depois do banho e um excelente almoço, fiz uma pausa para merecido repouso.

Mais tarde, saí para dar uma volta pelas imediações e aproveitei para acessar a internet, comprar mantimentos num sortido supermercado, bem como carimbar minha credencial na Oficina de Turismo, onde também pude obter valiosas informações da jornada que encetaria no dia imediato.

 Pude, também, conhecer os dísticos mais famosos da localidade: La Torre de los Moreno, um edifício modernista de 1.915, que é um emblema da cidade, e, vizinho a este, o prédio do “Ayuntamiento”, antigo Pálacio do Marquês de Sargadelos.

 À noite, face ao frio reinante e, como de praxe, preferi fazer um singelo lanche no meu quarto e logo fui dormir. 

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma etapa de razoável amplitude e, praticamente, toda feita em piso asfáltico, exceção feita ao trecho entre Porcia e Brul, de conforto e beleza inesquecíveis. No geral, uma jornada com muito verde, porém, cansativa em seu trecho final, posto que toda ela cumprida por uma rodovia sem acostamento e com sinalização extremamente deficiente.

 24ª Jornada - RIBADEO a LOURENZÁ