24ª Jornada - RIBADEO a LOURENZÁ

24ª Jornada – Ribadeo a Lourenzá - 29 quilômetros: “Adeus ao mar!”                

Aparentemente, por já estar em terras galegas, o percurso se faria em quase sua totalidade por caminhos de terra. Contudo, para não fugir à rotina, os primeiros quilômetros seriam por asfalto.

Segundo o guia que eu portava, a cidade fora um ponto de partida de novas rotas jacobeas, porquanto a essa localidade chegavam inúmeros peregrinos em barca, desde Figueiras, Castropol e outros portos fluviais, e dela partiam diversos caminhos em direção à cidade de Montoñedo.

Assim, como forma de evitar confusão a “Xunta de Galícia” traçou um roteiro único que, por desgraça, contempla muitos “tramos” novos, já que desprezou boa parte dos traçados históricos em vários trechos, mormente porque a maioria deles hoje se encontra asfaltado.

Como de praxe, no dia anterior havia verificado o itinerário urbano que deveria cumprir na saída.

Assim, resolvi partir, bastante “temprano”, como forma de minorar o efeito do sol que, de acordo com a previsão metereológica, prometia ser abrasador após as 10 h.

Nesse pique, levantei às 5 h e, quando os sinos da igreja matriz soavam seis baladas, deixei o local de pernoite e segui à esquerda, pela rua San Lázaro até o edifício que abriga o Complexo Polidesportivo Municipal, onde localizei o primeiro “monjón” dessa etapa.

A partir dali, prossegui por uma rodovia vicinal e logo cruzei a via férrea, depois passei próximo ao cemitério, e, mais adiante, cruzei o bairro de Pastoriza de Obe, sempre em bom ritmo porque o clima se mostrava frio e úmido, excelente para caminhar.

Às 7 h 10 min, depois de já ter percorrido sete quilômetros, eu cheguei à Vilela, pequeníssimo povoado, que deixei à minha esquerda, posto que ali tudo se encontrava fechado, deserto, e no mais completo silêncio.

Numa bifurcação, um “mojón”, estrategicamente fincado, me avisava que eu estava a distância de minha meta, Santiago de Compostela, exatos 188.247 metros, o que me infundiu novo ânimo, porque, a partir desse ponto, comecei a encontrar esse tipo de informação a cada 500 m, aproximadamente.

Aliás, um detalhe importante logo me chamou a atenção: as placas de sinalização que encontrei ao adentrar à Galícia, estampavam de forma contrária às que vi nas Astúrias, vez que, até essa Província, a parte em que convergem as linhas da concha, nos indica a direção a seguir.

Porém, agora a mesma concha se comporta de modo inverso, como se fosse uma flecha.

Qual o motivo dessa singular discrepância?

Simplesmente, porque cada administração territorial fez o que considerou oportuno em seu domínio, sem entrar em consenso com os demais.

Assim, na Galícia a convergência dos pontos da concha indica para um lado, e nas Astúrias esses pontos convergentes indicam direção contrária.

O dia principiava a clarear quando, depois de um breve ascenso por uma estrada de terra, passei por Celeiros, Vilar e San Vicente, minúsculas povoações, em que não encontrei qualquer tipo de serviços, muito menos um bar aberto, onde eu pudesse acalmar meu estômago ansioso por algo quente.Às 8 h, depois de longo descenso por asfalto, adentrei em A Ponte de Arante, outra pequena aldeia sem serviços.

Passei junto a chamada “iglesia blanca”, uma ermida que apresenta dois campanários ornamentando um frontão em forma de espada.

Na sequência, depois de transpor uma ponte, as flechas me direcionaram à direita, por uma estrada rural em íngreme ascenso, que me levou, sempre subindo, a caminhar por um grande bosque de eucaliptos, que se alternava com imensos campos agriculturáveis.

O dia continuava frio e, mais acima, encontrei extensa cerração, mais um sinal de que o sol viria com força.

Sempre em perene e contínua escalada, depois de mais cinco quilômetros caminhados, cheguei ao topo de uma grande elevação, cercado de muito verde e profundo silêncio, porquanto, devido ao frio reinante, nem os pássaros, com seus cantos maviosos davam vida ao fúnebre ambiente.

A partir desse marco, iniciei um grande descenso e, mais abaixo, ainda por asfalto, passei em Villamartin Pequeno, outra povoação sem serviços, composta de casas esparsas, rodeados por verdes campos de pastagens, onde avistei grandes rebanhos de gado leiteiro.

Mais abaixo, passei defronte à igreja dedicada a “San Xoan Degolado” e, mais à frente, passei próximo ao cemitério local, localizado num pequeno outeiro, já distante do centro da vila.

Essa etapa me surpreendeu em termos de paisagem, pois alternava abundante vegetação com verdes prados, onde pastavam rebanhos bovinos, além de avistar ao longe, imensos bosques de eucaliptos, plantados em grandes ladeiras e nas zonas altas dos vales.

Logo à frente, num cruzamento, adentrei à direita, por uma ponte transpus um pequeno riacho, e enfrentei outra dura e íngreme ladeira, ao final da qual, adentrei em Villamartin Grande onde defronte à Capela do Carmen, finalmente, encontrei um bar em funcionamento.

Depois de quase 4 h caminhando, fiz ali uma providencial pausa, aproveitando para ingerir um saboroso café, acompanhado de uma “magdalena”, na verdade, um “minibolo” com recheio de amêndoas, de fabricação local.

Na sequência, sempre por asfalto, iniciou-se um descenso leve, porém contínuo, em meio a muito verde e depois de mais quatro quilômetros, adentrei em Gondán, um povoado de razoável tamanho, onde existe um modesto, contudo muito acolhedor albergue, que fica aberto o ano todo.

Trata-se de uma casa branca, com um grande bosque ao fundo e, em sua frente, existem alguns bancos e mesas de madeira, para uso dos caminhantes que ali ficam hospedados, porém na vila não há bar ou “tiendas”.

Continuei descendo, seguindo a “carretera” local, ainda em descenso e, no fundo do vale, passei por San Xusto, onde avistei algumas casas esparsas e o bar “La Curva”.

Ali são disponibilizados serviços e refeições aos peregrinos, porém encontra-se distante 2 quilômetros do albergue de Gondán.

Logo teve inicio brusca ladeira, em cujo cume está a igreja de San Xurxo de Cabarcos, uma antiquíssima ermida mencionada no diário do peregrino francês Manier, quando de sua viagem, em 1.726.

Antes de chegar ao topo do morro, as flechas me direcionaram para a esquerda, por um agradável e largo caminho de terra batida, integralmente ladeada por frondosos eucaliptos.

Como se vê, nessa região o forte é a plantação desse gênero vegetal para uso em fábricas de papel.

Foram três quilômetros de agradável caminhada, em meio a muito verde e sob o forte e gostoso olor emanado das folhas dessa mirtácea.

No final de uma grande reta e assim que o bosque terminou, acessei uma estrada de terra e depois de passar junto a um moderno campo de futebol, adentrei em uma curta trilha, em forte descenso, e logo estava em zona urbana, aportando à praça central de Lourenzá, minha meta para aquele dia.

A cidade ostenta grande tradição peregrina.

Assim, é parada obrigatória de turistas, ávidos por visitar o Monastério Beneditino de San Salvador, uma grande construção barroca, cujas origens remontam ao ano de 969, segundo um documento preservado, em que o conde Osorio Gutierrez faz a doação de 33 camas ao convento, sob a condição de reservar 12 para atender aos pobres.

Vê-se, pois, que sua presença é anterior à chegada dos primeiros peregrinos, e nota-se que sua fachada, concluída em 1.732, recorda muito a da Catedral Compostelana, que fica defronte à Praça do Obradoiro, também obra de Fernando Casas y Novoa, o mesmo arquiteto que terminou a de Santiago.

Atualmente, parte da igreja do monastério abriga um interessante museu sacro, destacando-se ali um singular relicário barroco, com 28 bustos, obra do século XVII, bem como um sarcófago paleocristão do século VI.

Ali fiquei hospedado no Hostal La Unión, e para almoçar utilizei o restaurante do mesmo estabelecimento.

À tarde, o tempo mudou e uma perene garoa se instalou, junto com uma brusca queda na temperatura, de forma que saí dar uma volta pela urbe bastante agasalhado, e envolto em minha capa de chuva.

Depois de demorada visita à igreja matriz, fui até o albergue de peregrinos para “sellar” minha credencial, e ali já encontrei hospedados cerca de 15 pessoas, num espaço bastante acolhedor.

De se ressaltar que o edifício é muito bonito, pois tem uma parte de sua fachada construída em pedra de “pizarra”, além de ser extremamente confortável, porquanto dispõe de cozinha, banhos e camas em seu piso inferior, além de beliches e banheiros no segundo andar.

Não se esquecendo de que toda a habitação é servida por calefação, o que resulta num local muito agradável para se descansar depois de uma longa e dura etapa.

Ali conheci o Sr. Augustin, um uruguaio que possuía nacionalidade espanhola, e que, por sinal, residia em Alicante, Província de Valência, o qual me acolheu com minha alegria, além de me passar importantes “dicas” da jornada seguinte, eis que estava trilhando o Caminho do Norte pela terceira vez.

Para minha surpresa, ali encontrei também a amiga Neusa, uma peregrina brasileira de Goiânia, que colocou o “hermano” em apuros, ao confessar que ele estava percorrendo o Caminho, porém, de ônibus, pois há 3 dias não caminhava.

Entretanto, explicou-me diligentemente o conterrâneo sul-americano, que havia torcido o tornozelo em sua primeira jornada, ainda em Ribadesella, de forma que fora proibido de caminhar longas distâncias.

Assim, como forma de não desistir de seu intento, estava se socorrendo dos “autobuses” para completar os trechos de maior aclividade.

 Fiquei um bom tempo ali papeando, e após efusivas despedidas, retornei à Praça Central da urbe, passei num supermercado aviar mantimentos e logo me recolhi, pois a chuva recrudesceu e persistiu a noite toda, em meio a um ribombar contínuo de relâmpagos e trovões.

           

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma etapa de razoável amplitude e com bastante piso asfáltico em seu trajeto. Porém, com alguns entremeios interessantes, como o trecho entre a Ponte de Arante e Villamartin Pequeno, bem como de San Xusto até a entrada de Lourenzá. No geral, uma etapa plena de bosques e muito verde, cumprida debaixo de intenso frio e espessa neblina.

 25ª Jornada - LOURENZÁ a ABADIN