11ª etapa: CASTROJERIZ à FRÓMISTA – 29 quilômetros

11ª etapa: CASTROJERIZ à FRÓMISTA – 29 quilômetros

Se comparado ao anterior, o percurso do dia não teria demasiada extensão.

Assim, depois dos procedimentos matinais de praxe, deixei o local de pernoite exatamente às 7 horas, quando o dia já estava razoavelmente claro.

Caminho retilíneo e plano em direção ao Alto de Mostelares.

Um caminho plano e quase retilíneo me levou a caminhar por uns dois quilômetros, até alcançar uma ponte pela qual eu atravessei o rio Odrilla.

Ponte de pedestres sobre o rio Odrilla.

Notei que uma peregrina caminhava à minha frente, e logo a alcancei.

Conversamos um pouco, ela me falou que era dinamarquesa e quando fez uma pausa para fotografar o local, eu segui novamente escoteiro.

Alto de Mostelares, onde existe um abrigo com bancos para os peregrinos.

E logo teve início um íngreme ascenso, que fui vencendo sem pressa, parcimoniosamente, e logo alcançava o cume do Alto de Mostelares, situado a 950 metros de altitude.

Olhando para trás, o caminho recém percorrido, com Castrojeriz ao fundo e uma peregrina subindo o morro.

Um pouco antes de ali aportar, pude ver do lado direito do Caminho uma lápide que lembra o local onde faleceu um peregrino espanhol, no ano de 2006.

Marco geodésico, no Alto de Mostelares.

No pico há um marco que representa um vértice geodésico, além de um rancho com bancos sob a cobertura, que pode abrigar e servir de local para descanso de peregrinos.

No topo, vi meu esforço recompensado com uma soberba vista: um mar infindo de verdejantes campos, recortado por um longo caminho que eu haveria de trilhar.

Caminho descendente, atualmente cimentado, visando a segurança dos peregrinos.

Sem dúvida, foi um dos momentos mais intensos e memoráveis de todo o Caminho, daqueles que nem um milhão de palavras consegue descrever.

Caminho em direção à Palência, plano e em meio a extensos trigais.

Eu estava me sentindo muito bem, de forma que prossegui adiante e logo principiei a descender, por um caminho cimentado que, mais abaixo, voltou a ser em terra batida, e prossegui me embrenhando na “Tierra de Campos” (também chamada de celeiro da Espanha).

Monumento dedicado a um peregrino espanhol, falecido em 2008.

Na descida passei diante de outro monumento dedicado a um peregrino espanhol, ali falecido em 2008, aos 54 anos de idade.

Prossegui caminhando por uma estrada plana, sempre em meio a extensas plantações de trigo e, em alguns locais, de canola.

Caminho incrível em direção à Puente Fitero.

Em determinado trecho, uma flecha me convidava a seguir à direita, em direção à povoação de Ítero del Castilho, porém eu precisaria fazer uma volta, e ela não faz parte do traçado original do Caminho.

No entanto, essa cidade tem sua importância histórica, já que é o último povoado da Província de Burgos.

Uma extensa e maravilhosa plantação de canola.

No passado, foi uma população ribeirinha e fortificada, que defendia a fronteira do reino de Castilla e Leon.

Porém, das ruínas da antiga fortaleza restou somente a torre do castelo que deu o nome à cidade.

Albergue de San Nicolás.

Eu decidi seguir à esquerda, pelo roteiro principal e, mas abaixo, depois de pequeno descenso, passei diante do antigo hospital de San Nicolás, que pertenceu a Ordem de San Juan, hoje restaurado e convertido na ermita de San Nicolás e no albergue de peregrinos, em função do empenho da Confraternitá de San Jacobo de Perugia.

Não percebi movimento algum no local, sinal de que os peregrinos que ali haviam pernoitado, já tinham partido.

A famosa Puente Fitero sobre o rio Pisuerga.

Assim, depois de fotografar o entorno, prossegui em frente, ultrapassei o rio Pisuerga através da Puente Fitero, e adentrei na Província da Palência.

Puente Fitero, a entrada para a Palência.

Na verdade, foi o rei Alfonso VI quem ordenou a construção dessa ponte, também conhecida como ponte Fitero (a Pons Fiterei do Codigo Calixtino), que era o limite entre os reinos de Castilla e Leon.

Adentrando à Província da Palência.

Ultrapassado o rio, fiz uma pausa num local arejado e limpo, onde existiam bancos e mesas, dentro de uma área reservada para descanso dos peregrinos.

Bem hidratado, prossegui minha “viagem”, e logo passava pelo povoado de Ítero de La Vega, onde encontrei tudo deserto e silencioso, mais parecendo um “pueblo” fantasma.

Chegando à Ítero de La Vega.

Na verdade, ele é o primeiro povoado da província de Palência.

Na entrada da cidade está a ermita de La Piedad, do século XIII, que mantém em seu interior uma talha de Santiago Peregrino, e segundo os habitantes da vila, também havia no local um hospital de peregrinos.

Cidade vazia, ninguém nas ruas.

Além disso, cabe registrar a igreja de San Pedro, do século XVII, e sua portada gótica, do século XIII.

No centro do povoado há ainda um “rollo” (coluna) de justiça, que não vi, ou melhor, não o localizei.

Dois albergues, um hostal, dois restaurantes e um supermercado, fazem parte da infraestrutura que essa cidade oferece ao peregrino.

Caminho depois de Ítero de La Vega, sempre em meio a extensas plantações de trigo.

Prosseguindo, eu atravessei uma estrada vicinal asfaltada e adentrei numa ampla estrada de terra que seguiu plana e sempre entre extensas plantações de trigo.

Ao fundo e abaixo, a cidade de Boadilla del Camiño, para onde eu me dirigia.

Mais alguns quilômetros percorridos e, após vencer pequena elevação, pude observar do outro lado, ao longe e abaixo, a cidade de Boadilla del Camiño, por onde em breve eu passaria.

Trecho com muitas pedras no caminho, um tormento para meus pés.

Encontrei o trecho seguinte com bastante pedra no piso, e isso se tornou um tormento para meus abalados pés, de forma que caminhei nesse tramo, cuidadosamente, observando o chão para evitar torções ou quedas, como forma de minorizar minhas dores.

O caminho prossegue retilíneo e pedregoso.

Mais abaixo, encontrei dois peregrinos nipônicos que faziam o Caminho em sentido inverso, e fiquei sem saber se estavam retornando de Santiago ou se perseguiam outro objetivo, mas, utilizavam a estrutura do roteiro para conseguir o que desejavam.

Finalmente, vinte quilômetros percorridos, aportei em Boadilla del Camiño, e encontrei outra cidade quase vazia, pude ver apenas duas senhoras conversando diante de uma padaria, e nada mais.

 

Chegando à Boadilla del Camiño.

Na entrada de Boadilla existe uma fonte d’água única em todo o Caminho.

Para beber da sua água refrescante, o peregrino terá que girar uma engenhoca parecida com um timão de navio.

Não há peregrino que não se refresque nas águas do lago que guarnece a fonte.

Nesse local, o que chama a atenção do peregrino é o emblemático “rollo” jurisdicional (de justiça) adornado com motivos góticos e platerescos do século XV.

Rollo jurisdicional, em Boadilla del Camiño;

Junto a esta coluna, os réus eram amarrados e julgados e, se fosse o caso, devidamente justiçados.

A coluna era o símbolo da autonomia concedida por privilégio de Henrique IV ao povoado, e confirmada pelos reis católicos em 1482, deixando Boadilla de estar submetida aos direitos de jurisdição dos Senhores de Melgar e Castrojeriz.

Menção especial há que se fazer a igreja de Santa Maria, considerada como monumento nacional, com suas 3 naves, tão largas como longas.

Muita arte sacra está em seu interior, havendo inclusive um pia batismal do século XIII.

Igreja matriz de Boadilla.

O povoado, embora pequeno, tem todas as comodidades ao peregrino, como um bom albergue, restaurante, bar e tienda.

O destaque fica para o albergue “En El Camino”, onde o peregrino poderá conhecer um grande amigo dos brasileiros – O Dudu – simpático, e atencioso hospitaleiro.

Detalhe: o albergue tem até piscina, ideal para um bom descanso! 

Num bar localizado na saída da cidade, eu comprei uma garrafa de água e uma barra de chocolate, que ingeri ali mesmo.

Início do trecho ao lado do Canal de Castilla.

O tempo começou a nublar e escureceu repentinamente, ameaçando chuva para qualquer momento, de forma que rapidamente me paramentei e prossegui meu caminho.

Esse derradeiro trecho é bastante agradável, o caminho segue largo e plano, e em determinado local, eu fleti à direita.

E, na sequência, passei a caminhar ao lado do Canal de Castilla, uma das mais importantes obras de engenharia hidráulica realizadas na Espanha, entre meados do século XVIII e o primeiro terço do século XIX.

Caminho retilíneo e plano ao lado do Canal de Castilla.

O canal situa-se na bacia hidrográfica do rio Douro e atravessa parte das províncias de Burgos, Palência e Valladolid na Comunidade de Castilla y León (Espanha), e foi construído para facilitar o transporte do trigo de Castela para os portos do norte da Península Ibérica.

Porém, com a chegada da estrada de ferro a Valladolid, ele entrou rapidamente em declínio.

O Canal tem a forma de um Y invertido, e num percurso de 207 quilômetros, une as localidades de Alar del Rey (Palência), na origem do ramal Norte, com Valladolid, no final do ramal Sul, e com Medina de Rioseco, no final do ramal de Campos.

Local sombreado, já próximo de Frómista.

O caminho retilíneo, com muitas árvores em sua margem esquerda, me levou depois de cinco quilômetros a transpor o Canal por uma ponte metálica, para logo depois adentrar na zona urbana de Frómista, meu destino para aquele dia.

Ponte metálica, que utilizei para transpor o Canal de Castilla.

Caía uma leve garoa quando rapidamente me hospedei na pensão onde havia feito reserva.

Depois do banho, lavagem de roupas e cuidados nos pés, saí para almoçar.

 

Chegando à zona urbana de Frómista.

Chegando à Frómista, a primeira construção que o peregrino encontra é a ermita de Santiago, também chamada de “Del Otero”.

A cidade tem um núcleo populacional denso – mais de 1.100 habitantes, número que foge um pouco dos padrões dos povoados do Caminho, e oferece todos os serviços ao peregrino, mercados, excelentes albergues, restaurantes e boa diversidade de hostais e pensões.

Chama a atenção o conjunto de arquitetura do povoado, que começa com a estátua em homenagem a San Telmo, padroeiro dos navegantes, que nasceu nessa cidade.

Há ainda a Fortaleza de Santa Maria Del Castillo, localizada na parte mais alta da vila, que seguiu o estilo gótico, mas com portadas renascentistas.

Em 1980 roubaram o retábulo da igreja (!!!), que foi recuperado no ano seguinte em Bruxelas.

Igreja de San Martín, Frómista.

A igreja de San Martin, que pertence ao monastério do mesmo nome, foi construída em 1066, tendo sido fundada por Dona Mayor de Castilla, viúva de Sancho III da Navarra.

O templo, que sucumbiu em um incêndio no século XV, acabou sendo totalmente recuperado e é, sem dúvida, um dos mais belos exemplos do românico europeu.

Igreja de San Pedro, em Frómista.

A igreja de San Pedro teve sua construção iniciada no século XV, já em estilo gótico, e o destaque é sua portada renascentista, bem como as imagens dos apóstolos Pedro e Paulo, também do século XV.

A cidade teve vários hospitais de peregrinos, além do de San Martín.

Prédio do "Ayntamiento", em Frómista.

O Hospital de Santiago, que ocupava o solar onde hoje se encontra o Ayuntamento (prefeitura), o dos romeiros, e o Hospital dos Palmeiros, que é o único que ainda se conserva, embora seu prédio tenha se transformado em hostal, desde 1971.

 

Igreja fortaleza de San Pedro.

Depois de merecido descanso, fui até o albergue carimbar minha credencial e ali acabei por adquirir um unguento fabricado pelo Mundicamino, o que auxiliou bastante para que minhas bolhas melhorassem de aspecto.

Unguento para secagem de bolhas.

Na sequência, depois de fotografar a igreja de San Martin e fazer demorada visita em seu interior, fui até uma farmácia para adquirir micropore.

Diante da igreja de San Martín.

Ali, em cordial conversa com o farmacêutico, acabei por comprar também uma excelente pomada para dores, com a qual fiz vigorosa massagem em minas pernas, bem como uma palmilha de fabricação suíça, para me ajudar nas jornadas posteriores.

Palmilhas anti-impacto, de fabricação suíça: aprovadas!

Quando retornava ao local de pernoite, tive o prazer de reencontrar o peregrino Juán, colombiano de Medellin, e confirmamos nosso roteiro para o dia seguinte.

E como estávamos hospedados no mesmo estabelecimento, porque o Juan também não conseguia pernoitar em albergues, combinamos nos encontrar mais tarde, em meu quarto, para colocar o papo em dia.

Assim, no início da noite, recebi a visita de meu amigo e passamos quase duas horas falando sobre o Caminho, porque ele, peregrino de primeira viagem, queria saber informações detalhadas das etapas sequentes.

No final, checamos as jornadas vindouras, e a maneira de como cada um pensava em vencê-las.

Assim, no dia seguinte eu iria tentar chegar até Calzadilla de la Cueza, mas ele ficaria em Carrión de Los Condes, de forma que nos despedimos em definitivo, porém, quis o destino que ainda nos encontrássemos mais uma vez.

12ª etapa: FRÓMISTA à CALZADILLA DE LA CUEZA – 37 quilômetros