HISTÓRIA

O INÍCIO

        "O verdadeiro tesouro para acabar com a nossa miséria e as nossas provações, nunca está muito longe; não deve ser procurado em nenhuma região distante; jaz sepulto nos mais íntimos recessos de nosso próprio lar, isto é, do nosso próprio ser. Mas 

subsiste o fato, estranho e persistente, de que só depois de uma fiel jornada a uma região distante, um país estrangeiro, uma terra estranha, pode ser-nos revelado o sentido da voz interior que deverá guiar-nos a busca". (Heinrich Zimmer)

Eu aportara à Compostela depois de percorrer o Caminho Interior Português de Santiago.

Assim, permaneci um dia na cidade, e aproveitei para descansar, ir à missa dos peregrinos e festejar mais uma conquista.

Também, utilizei essa folga para lavar todas as roupas usadas no Caminho, bem como fiz uma limpeza no conteúdo da mochila, de onde retirei alguns itens desnecessários em minha nova empreitada, os quais deixei guardados no Hostal Mapoula, onde fiquei hospedado, para serem resgatados quando retornasse de minha nova epopeia.

Estação Ferroviária de Santiago de Compostela.

No dia seguinte, fui à Estação de Ferrocarril, onde tomei um trem em direção à cidade de A Coruña.

Depois de breve translado, embarquei em outro que, pontualmente, às 12 horas, me deixou em Ferrol, início do Caminho Inglês.

Estação Ferroviária de A Coruña.

Rapidamente, pois o tempo estava nublado e escuro, com previsão de muita chuva, tomei informações com transeuntes e me dirigi à praia das Coruxeiras, onde está o marco zero do Caminho Inglês de Santiago.

Marco inicial do Caminho Inglês, em Ferrol.

Se nos detivermos um pouco nesse monólito, verificaremos que na placa de granito está o escudo da Galícia, gravado com sete cruzes, tantas quantas eram as províncias do antigo Reino da Galiza.

".....nesse monólito, verificaremos que na placa de granito está o escudo da Galícia, gravado com sete cruzes, tantas quantas eram as províncias do antigo Reino da Galiza."

Em termos de extensão, seriam 126 quilômetros caminhados na direção norte-sul, que separam o golfo Ártabro, de onde saí, até a Catedral de Santiago de Compostela.

Fiz, então, algumas fotos do local, depois me dirigi à Oficina de Turismo, próximo dali, onde pude carimbar minha credencial de peregrino, bem como receber um mapa da cidade e um folheto com informações detalhadas do roteiro que intentaria.

Na verdade, eu imprimira e levara do Brasil os mapas e a altimetria que estão disponíveis no site www.gronze.com, os quais se mostraram úteis e fidedignos.

Findas as providências de praxe, dei início ao Caminho, posto que o local de pernoite se localizava ao longo do percurso.

Rua Carmen Coruxeiras, início do Caminho.

Segui, então, pela rua Carmen Coruxeiras, que espelha fielmente o que está inserto no texto do Guia Eroski: rua decadente, rodeada de ruelas do mesmo estilo e que aguarda o implemento do plano de reabilitação do bairro de Ferrol Vello, para mudar esse ambiente sombrio.

Bairro de Ferrol Vello.

Mais adiante, passei junto ao antigo hospital de peregrinos do Espirito Santo, destinado a pobres e doentes de todas as classes, que funcionou até 1780, depois, na sequência, adentrei à rua de São Francisco.

Ali passei diante da capela da Ordem Terceira Secular Franciscana, localizada na mesma rua onde também está a igreja castrense de São Francisco, construída no lugar do antigo convento franciscano (1377) no século XVIII (1757), desenhada, provavelmente, por engenheiros militares.

Igreja de São Francisco, em Ferrol.

Prosseguindo, transitei diante do Parador de Ferrol, construído como grande palácio senhorial em 1960, e que hoje pertence à afamada e luxuosa rede de Paradores de Espanha, entregue a uma empresa pública que se encarrega de gerir todos os hotéis situados em edifícios de valor patrimonial assinalável.

E, logo adiante, pude observar o Palácio da Capitania, que foi residência do Capitão General do Departamento Militar da Zona Marítima do Cantábrico, que está estrategicamente situado no início do então novo bairro da Madalena, o racionalista e ilustrado, ao contrário do pequeno e tradicional núcleo marinheiro - Ferrol Vello.

Seguindo a entrada principal do Palácio da Capitania, à minha direita, adentrei na rua Real, início do bairro da Madalena, que abriga vivendas modernistas e, como ainda nos diz o texto do Guia Eroski, desenhado em forma de tablete de chocolate, com seis ruas paralelas, cortadas por outras nove transversais.

Palácio Municipal de Ferrol.

Prosseguindo adiante, acabei por desembocar à praça da Constituição, onde tomei informações com um taxista.

Então, eu girei à direita, ultrapassei dois cruzamentos e cheguei ao Hostal Zara, local onde havia feito reserva.

No centro de Ferrol, a sinalização está no solo.

Ali, por 22 euros, pude usufruir de um excelente quarto individual.

Para comer, utilizei o restaurante existente no piso térreo do edifício onde, por 10 euros, pude degustar um supimpa “menu del dia”.

O primeiro "mojón" do Caminho Inglês, localizado próximo da Calle Real, em Ferrol.

A forte tormenta anunciada pelos meteorologistas chegou enquanto eu almoçava e se prolongou tarde afora.

Depois de uma breve soneca, vesti a capa de chuva e corajosamente segui as flechas amarelas por um bom tempo, como forma de me inteirar do percurso que enfrentaria na manhã seguinte.

Na volta, passei num supermercado e me provi de mantimentos para o lanche noturno, bem como para a sequência da jornada.

E logo fui dormir, pois a tempestade seguiu noite adentro, trazendo muito frio e umidade à cidade.

Homenagem da cidade a Casto Mendez Núnez, oficial naval militar.

Ferrol é um município espanhol situado no noroeste da Galiza, localizado a 50 quilômetros da capital provincial, La Corunha.

Segundo dados de 2013, a cidade teria 71.000 habitantes.

Essa localidade viu nascer, entre outras, duas figuras capitais na história da Espanha moderna:

1 - Pablo Iglesias, fundador do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e da União Geral dos Trabalhadores (UGT);

2 - Francisco Franco, militar e ditador, Chefe do Estado ditatorial que nasceu após a vitória dos fascistas na guerra civil espanhola, em 1939.

De importância unanimemente reconhecida na história cultural da Galiza do século XX, deve ser salientada a origem ferrolana de:

Ricardo Carvalho Calero, filólogo, crítico e autor literário nos mais diversos gêneros (poesia, teatro, narrativa e ensaio), primeiro catedrático de Língua e Literatura Galega numa Universidade da Galiza, que nasceu em 1910, foi o grande defensor no âmbito científico e acadêmico da unidade linguística galego-portuguesa. Reconhecido oficialmente como Filho Predileto de Ferrol e como Filho Ilustre da Galiza, faleceu a 25 de Março de 1990 em Compostela.

Em Ferrol morreram também centenas de lutadores anti franquistas desde o mesmo momento do golpe de estado de 1936, incluído o que tinha sido presidente da Câmara pelo PSOE durante a II República, Jaime Quintanilha.

O Castelo de São Filipe e os cemitérios de Serantes e Canido foram os pontos em que mais fuzilamentos se registaram, muitos deles extrajudiciais, protagonizados pelas forças militares e esquadrões da morte fascistas.

Ainda na década de 1970 do século XX, a polícia franquista assassinou dois operários (Amador Rei e Daniel Niebla) do estaleiro numa manifestação na cidade, em 1972, e um militante comunista e nacionalista galego, José Ramom Reboiras Noia (Moncho Reboiras), em 1975.

O esforço para fazer dessa cidade um centro militar e naval dotou a cidade de um grande arsenal, pois nela estão reunidos os melhores exemplos de arquitetura neoclássica, dos quais se destaca a Cortina, uma muralha fortificada com 500 metros de comprimento que emerge da água para defender os Arsenais dos ataques marítimos.

Uma das ruas de Ferrol, por onde passa o Caminho Inglês.

Se para os oficiais e técnicos foi construído consoante os critérios do racionalismo arquitetônico o bairro da Madalena (século XVIII), para os operários dos estaleiros edificou-se no mesmo século, a partir de 1740, o bairro de Esteiro, um dos primeiros edificados na Europa para acolher a importante massa operária que trabalha, neste caso, na construção naval.

Fica na memória popular a resistência popular à tentativa de invasão inglesa em 1800, após o desembarque na praia de Doninhos, com o intuito de destruir os arsenais, o que não conseguiram, apesar da superioridade numérica da esquadra inglesa, sob comando do almirante Warren.

Em sua linha costeira encontram-se excelentes praias, como: Covas, São Jurjo, Ponços ou Doninhos, nome também de uma lagoa com fauna e flora interessantes.

HISTÓRIA DO CAMINHO INGLÊS

A lenda que existe hoje do caminho Inglês, remonta há muitos anos, sendo esta a mais importante rota de peregrinação por via marítima.

Milhões de peregrinos usaram o barco como transporte para os portos de El Ferrol e A Coruña, poupando as estradas intermináveis e seus perigos para chegar a Santiago.

Aos portos de Ferrol e Corunha, assim como a Ribadeo e Viveiro, afluíam peregrinos de barco provenientes das ilhas britânicas.

Dos portos do Báltico e do Atlântico chegaram os escandinavos, holandeses, belgas, franceses e, em maior número, irlandeses e ingleses.

No século XII, mais precisamente, no ano de 1147, a esquadra da Segunda Cruzada, com destino à Terra Santa, de má memória para os cristãos, efetuou, a pé, o caminho entre os portos Ferrol e da Corunha e Santiago de Compostela, com o fim de visitar o túmulo do apóstolo, antes de participar naquela que foi a única vitória cristã, precisamente a reconquista de Lisboa, em 1147, sob a solicitação de Dom Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal.

Porto de Ferrol, próximo da Praia das Coruxeiras.

Do primeiro itinerário marítimo conhecido, sabe-se que foi escrito entre 1154 e 1159, por um monge islandês, que relata a sua viagem desde a Islândia até Bergen na Noruega, passando pelo canal de Kiel, na fronteira entre a Dinamarca e Alemanha.

O monge seguiu a pé até Roma, a caminho da Terra Santa, outros, escandinavos e islandeses, fizeram a rota a pé, por Roncesvalles, enquanto outros aportaram ao norte da Península Ibérica, fazendo depois a rota a pé, pelo Caminho Inglês até Santiago.

Nos séculos XIV e XV a Guerra dos Cem Anos, entre ingleses e franceses, fez crescer os utilizadores deste itinerário, com muitos peregrinos a chegarem de barco aos locais atrás referidos, e provenientes de Londres, Bristol, Southampton e Plymouth, aproveitando também para efetuar trocas comerciais com mercadores galegos.

O Caminho Inglês passou a ser pouco menos utilizado a partir da ruptura assumida por Henrique VII (1509-1549) com a Igreja Católica.

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