2ª Jornada - SAN SEBASTIÁN a ZARAUTZ

2ª Jornada - San Sebastián a Zarautz - 22 quilômetros: “Uma bela etapa!”  

O dia amanhecia por volta das 7 h 20 min.

No entanto, eu teria um bom tramo por dentro da cidade, sem contar que a previsão meteorológica indicava sol forte para aquela data, então, resolvi sair o mais cedo possível, para aportar ao meu destino ao redor das 12 h.

Assim, levantei às 5 h e 30 min, me preparei mental e fisicamente para a aventura, e deixei o local de pernoite exatamente às 6 h 30min.

Segui pelas ruas tortuosas do “casco viejo” até acessar a Avenida de Zurriola e dali tinha uma bela vista da baía que ficara para trás, flanqueada pelos montes Urgull e Igeldo, bem defronte à ilha de Santa Clara.

Ainda na avenida girei à direita e logo estava num grande calçadão, que segue beirando a famosa Praia da Concha, passando em frente a alguns belíssimos prédios, como o que abriga o “Ayuntamiento”, o antigo cassino, os jardins de Alderdi Edel e o Hotel Maria Cristina.

Depois de 30 min caminhando, ao ultrapassar o túnel de Miramar, adentrei à Praia de Ondarreta e prossegui ainda à beira-mar.

Na realidade, eu deveria seguir em direção ao Albergue Juvenil la Sirena, porém não encontrei flechas ou indicações de qual alameda eu deveria acessar.

Além disto, o lusco-fusco da madrugada pardacenta não me permitia enxergar com nitidez as placas existentes nas imediações, de modo que solicitei ajuda a um simpático senhor que passeava com seu cão.

Prontamente e com excelente humor para aquele horário extemporâneo, fez questão de primeiro mostrar adiante o belíssimo Palácio de Miramar, projetado em 1.888, antiga residência de verão dos Reis espanhóis.

Na atualidade, ele foi convertido em um concorrido espaço cultural, onde se celebram conferências e cursos de verão da Universidade do País Vasco.

Depois, me indicou a direção correta, uma rua estreita e em curva por onde eu deveria adentrar.

Segui, então, adiante, até avistar umas escadarias. Nelas dobrei à direita em direção a um edifício de apartamentos nominado Marbil Bidea.

Ultrapassado este, sempre por “escaleras”, segui numa pronunciada ascensão pelo caminho de Marbil, onde bordeja Gudamendi em direção ao monte Igueldo.

Logo acima adentrei em terra e prossegui em aclive, agora em meio a muito verde.

No topo do morro, sob um gélido vento, pude avistar o Mar Catábrico com toda sua infindável extensão, uma visão inesquecível.

Mais à frente, eu prossegui pela rodovia N-634, já minha conhecida, e por ela caminhei alguns metros, até a altura do Restaurante Leku-Eder.

Ali, obedecendo às flechas amarelas, dobrei à direita e acessei uma agradável e arborizada rodovia vicinal, e por ela segui em meio a inúmeras chácaras, muito bem cuidadas, tendo o mar à minha direita, a uns 200 m de distância.

Logo adiante ultrapassei o bairro Igueldo, zona de chalés e casas de campo, e numa de suas primeiras ruas encontrei uma "fonte particular", construída por um abnegado amante dos “Caminhos”, o Sr. José Maria Soroa, que já foi a Compostela dez vezes caminhando, sempre por diferentes roteiros.

Como forma de auxiliar aos caminhantes, ele colocou uma mesa na porta de sua habitação, contendo garrafas de água fresca e algumas frutas, para os peregrinos se servirem, quando necessário.

Ele não se encontrava no local, porém puder “sellar” minha credencial numa mesinha ali existente para tal fim, bem como deixar uma mensagem de agradecimento em seu “Livro de Visitantes”, por tão belo exemplo de fraternidade.

Na sequência, prossegui por dois quilômetros, ainda em meio a inúmeras chácaras, quase todas vazias, porém, quase sempre com aviso de alarme ligado em seus portões, o que me fez inferir que não é só no Brasil que existem os “amigos do alheio”.

Mais à frente, adentrei numa senda situada em meio ao campo e depois de uma grande baixada principiei a subir pelo outro lado, agora em direção ao topo do morro Mendizorrotz.

Ao final de pronunciada ascensão, ultrapassei uma porteira e nela encontrei um senhor idoso ali parado, observando o mar, com o pensamento perdido naquelas revoltas águas azuis.

Ele ficou surpreso com minha aparição e, mais ainda, ao saber de minha procedência.

Bom de conversar, o Sr. Rodolfo seguiu comigo papeando, enquanto retornava à sua habitação, uma casa que me mostrou à distância, com grandes pastagens ao redor, onde havia um rebanho de vacas e carneiros a conviver pacificamente.

Disse-me que ali residia há mais de 60 anos e que em sua vida, durante todo o outono, avistava milhares de pássaros em voo para o sul, na época da migração, em busca de calor.

Na primavera elas retornavam, sempre em infindáveis bandos, um colírio para os olhos e ouvidos, pois enchiam o ar, diuturnamente, com seus pios e grasnados.

Agora, infelizmente, confessou-me ele, as aves estavam reduzidas a dez por cento daquilo que ele vira em sua juventude, certamente, por culpa dos pesticidas utilizados na agricultura e da sanha do homem moderno.

 Disse-me, amargamente, que tinha dó de seus netos, posto que eles não teriam a oportunidade de ver aquela infindável revoada de pássaros, pois a natureza não se refaz de um dia para o outro.

Nesse agradável interlúdio, ele falando, eu escutando, chegamos defronte sua residência e ali nos despedimos com um cordial aperto de mão e parti ao som de um sonoro “bon camiño!”

Logo adiante contornei o Asador Nicolás e prossegui em asfalto por uns 500 metros, em franca descida.

Depois, numa bifurcação, segui à direita por terra, agora em pronunciado descenso, um caminho extremamente perigoso, pois nele existiam milhares de pedras soltas.

Na verdade essa preciosa, conquanto criminosa calçada medieval empedrada, quase me colocou fora de ação, posto que ela deixou meus joelhos e tornozelos em más condições, pelo esforço dispendido em equilibrar-me sobre o acidentado piso.

Assim, fui tomando todo o cuidado do mundo antes de mudar o passo, pois um tombo ali seria fatal.

Na verdade, na metade desse arriscado trajeto, num local bastante erodido, sofri uma pequena torção no meu joelho direito, fruto de uma pisada em falso.

 E uma pungente dor, nesse local nevrálgico, me acompanhou até o final dessa jornada.

Já em local plano, no final desse trecho, ultrapassei a Autovia Nacional por um túnel e depois de vencer íngreme subida, passei defronte à famosa igreja romântica de San Martin de Tours, um precioso templo dedicado ao protetor dos caminhantes e peregrinos, e de muita devoção no País Vasco.

Esse local, num passado distante, serviu também de hospital de peregrinos, tradição que se recuperou recentemente com a construção de um albergue privado situado próximo dali e que pertencente a Sra. Rosa Arruti.

Mais abaixo, com dificuldade para encontrar o rumo a seguir, pedi informações a uma jovem que estava na porta de uma loja de calçados.

Muito amavelmente, ela me indicou o local onde o caminho prosseguia e, ao saber de minha nacionalidade, contou-me que sua irmã mais velha se casara recentemente com um brasileiro, e fora residir em Bragança Paulista, no Estado de São Paulo.

Curiosamente, numa cidade que está situada muito próxima de minha urbe.

Mais uma prova de quão grande e, ao mesmo tempo, pequeno e pleno de estranhas coincidências é esse mundo que habitamos.

 Prossegui, na sequência, em brusco descenso e logo adentrei na cidade de Orio por uma estreita rua que mais abaixo se junta a um grande pórtico-átrio, pertencente à igreja de San Nicolás de Bari, uma construção do século XIII, típico exemplo de templo-baluarte que fazia parte das fortificações dessa vila e ainda conserva um caminho de ronda ao seu redor.

Num bar situado em frente a uma bela praça, comprei água, tomei café e depois prossegui em direção a uma ponte, onde transpus o rio Oria, que nesse local, já muito próximo de sua foz, tem razoável amplitude.

Diz a tradição que, durante séculos, havia uma barca nesse local para fazer o transporte de passageiros e mercadorias de um lado ao outro desse curso líquido, e que se cobrava razoável preço por seus serviços, porém os peregrinos estavam isentos desse pagamento.

Já do outro lado, segui à direita beirando a rodovia N-634 até um entroncamento.

Nele, obedecendo à sinalização, abandonei a “carretera” e prossegui em direção ao Camping Txurruka, por uma pista asfaltada.

No final desta, passei debaixo da Autovia Nacional e logo dobrei à esquerda, prosseguindo por uma rodovia vicinal em pronunciado ascenso, o derradeiro dessa jornada.

No topo da elevação, num local aprazível e privilegiado, encontrei as instalações do “Gran Camping Zarautz”, cuja área de lazer oferece múltiplas atividades e atrações a seus frequentadores.

Na sequência, já em grande descenso, encontrei uma rodovia à beira-mar e segui por umas centenas de metros.

Logo acessei uma estradinha de terra em pronunciado aclive e mais abaixo aportei em zona urbana, quando meu relógio marcava, exatamente, 12 horas.

Zarautz está situada na província de Guipuzcoa, no País Basco, e seu maior atrativo é sua formosa praia de dois quilômetros de extensão, com areias muito finas e também seu centro urbano que conta com muitos monumentos de destaque.

Sua fundação como Villa data de 1.237, sendo seu nome atribuído à família que ali residia antes do surgimento do agrupamento urbano.

A forte tradição marinheira ligada à pesca da baleia manteve-se ao longo dos anos até o século XVI, quando a sua decadência levou à busca do desenvolvimento agrícola e industrial, com destaque às ferrarias, às indústrias têxteis e as ligadas ao mobiliário.

 Na segunda metade do século XIX, ela começou a desenvolver seu potencial turístico, que ainda hoje é sua fonte econômica de maior importância.

 Atualmente com cerca de 20.000 habitantes, é uma cidade bela e moderna, com serviços de alta qualidade e que acolhe de modo muito amável os peregrinos e turistas.

 Na cidade fiquei hospedado no Hotel-Restaurante Karlos Arguiñano, situado próximo da orla marítima, propriedade do famoso apresentador de televisão, ator e empresário espanhol, que dá o nome ao estabelecimento.

E nesse lugar, por pura pressa e ingenuidade, paguei o maior preço de um pernoite em uma habitação individual, de toda a minha aventura.

Na ocasião, aportei na urbe com muitas dores na perna direita, de forma que ao avistar a primeira indicação de hotel, para lá me dirigi, sem pesquisar preço que estivesse dentro de meus padrões financeiros.

Despreocupado, eu não perguntei o montante da diária, apenas deixei meu passaporte com a recepcionista e apressadamente, me dirigi ao quarto para banho e cuidar de meu joelho.

Dessa forma, quando fui acertar minha diária, levei um susto com o valor.

Mas aí já era tarde e tive que pagar, porquanto, na realidade, estava remunerando não só o quarto do hotel, como também, a fama, o respeito e admiração que o estupendo prédio carrega em seu bojo, por conta da popularidade de seu dono e mentor.

Depois de ingerir uma deliciosa refeição e me recolher para uma necessária soneca, saí para dar uma volta pela cidade e pude conhecer dentre os edifícios históricos que adornam essa bela localidade a monumental igreja de Santa Maria Real, um templo gótico do século XV.

À noite, em razão do frio reinante, optei por fazer um singelo lanche no quarto e logo fui dormir, pois a etapa, embora de pequena extensão, fora bastante exaustiva. 

AVALIAÇÃO PESSOAL – Uma jornada fácil e de beleza exuberante, quase sempre margeando o mar Cantábrico. Porém, com dois importantes morros a vencer: o Igueldo, logo no início e depois, o monte Mendizorrotz, na metade do percurso. É de se notar, por ser relevante, que salvo uns 5 quilômetros em terra, todo o restante é feito sobre asfalto, o que desgasta sobremaneira o caminhante.

 3ª Jornada - ZARAUTZ a DEBA