2º dia: LA ROBLA à POLADURA DE LA TERCIA

2º dia – LA ROBLA à POLADURA DE LA TERCIA – 25 quilômetros

Como pude verificar no guia que eu portava, a jornada seria duríssima no quesito altimetria, e, ainda, com previsão metereológica de sol forte após as 10 h.

         

O percurso inicial foi feito integralmente pela calle Mayor, a avenida principal da cidade, sob potente iluminação urbana.

No final desta, eu acessei uma velha rodovia, hoje praticamente em desuso, apelidada pelo moradores de “rota do colesterol”, porque é utilizada diariamente pelos habitantes locais para sua caminhada matinal.

Logo passei sob o aqueduto de “Jovellanos”, que antigamente abastecia essa urbe, onde pude fotografar uma placa na qual se lê:

“Este aqueduto, único em seu gênero na província de León, estava em construção em 16 de abril de 1795, quando Gaspar Melchior de Jovellanos, ao passar por essas terras, ficou impressionado com a magnitude da obra, deixando tal fato registrado em seu diário.”

Quinhentos metros depois, eu atravessei Puente Alba, uma minúscula vila localizada às margens da rodovia nacional, onde tudo se encontrava fechado e silencioso.

Prossegui por uma antiga rodovia vicinal, localizada às margens do rio Bernesga e, na sequência, ultrapassei as linhas férreas através de um túnel, e logo passava por Peredilla, outra pequena povoação, onde também não avistei nenhuma alma viva.

Em seguida, após transpor toda essa urbe pela sua rua principal, eu fleti à esquerda, ultrapassei a rodovia nacional por outro túnel e logo encontrei novamente a linha do trem.

Assim, como de praxe, levantei-me às 5 h e depois dos preparativos matinais, deixei o local de pernoite às 6 h 15 min, quando ainda estava tudo escuro.

Então, obedecendo à sinalização, dobrei à direita, e segui por uma estrada pedregosa, alocada junto à via férrea.

Dois quilômetros caminhados, numa curva, eu encontrei a igreja de Bom Sucesso, cuja origem remonta data anterior ao século X, e seu nome possivelmente está relacionado com um ato de agradecimento do povo local, após uma vitória sobre os muçulmanos.

Porém, o edifício atual, aquele que fotografei, foi construído no século XVII, qual seja, é bem posterior à edificação original.

Por sinal, em vista de sua importância histórica, ele foi declarado Monumento Nacional em abril de 1983, pelo governo espanhol.

Mais adiante eu atravessei a ferrovia e, já do outro lado, bordejei o povoado de Noceda de Gordon, outra pequena povoação onde, como nas anteriores, observei tudo silencioso e deserto.

A partir dali eu acessei uma estrada larga e plana, com piso em pedra britada, que prosseguiu entre um frondoso e agradável bosque.

E após caminhar 9 quilômetros, às 7 h 45 min, eu adentrei na cidade de La Pola de Gordón, passando primeiramente defronte à sua estação ferroviária.

Essa localidade existe há muitos anos, pois aparece documentada em 1248 numa Cédula Real, ofertada em garantia pelo rei Fernando II aos componentes de outros reinados, que participavam do cerco de Sevilha.

Posteriormente, ela foi novamente citada em documento similar, de propriedade do rei Alfonso XI, onde ele menciona seu nome que, etimologicamente, é um topônimo de ascendência latina.

Atualmente com 1.700 habitantes, está situada a 1.020 m de altitude.

O trajeto em seu solo urbano é complicado, pois é preciso atravessar a via férrea por um túnel, depois transpor o rio por uma moderna ponte e, na sequência, a Autovia Nacional por outro túnel, e seguir caminhando, à esquerda, na rua principal dessa simpática cidade.

Vale ressaltar, contudo, que esse trecho citadino está muito bem sinalizado, de forma que encontrei o rumo com facilidade, inclusive, sem necessidade de solicitar informações.

É bem verdade que às 8 h da manhã havia pouquíssimas pessoas em trânsito pelas bem cuidadas ruas da urbe,

Pude notar também, que há uma febre de novas construções na povoação, com inúmeros guindastes e obras em andamento, em diversos pontos por onde passei.

Segundo um morador com quem conversei rapidamente, a principal causa dessa “explosão” edificante foi a instalação de uma mineradora, que motivou um incremento na população e, consequentemente, nas residências.

Já deixando a cidade, eu caminhei por algum tempo pelo acostamento da rodovia nacional N-630, talvez uns 800 metros.

Depois, obedecendo a sinalização, adentrei à esquerda e ultrapassei novamente a linha férrea, desta vez pela superfície, embora exista a possibilidade de fazê-lo através de um túnel.

Então, passei pelo polígono industrial de Valdespín e logo adiante, ultrapassei, por uma ponte, pela última vez, o rio Bernesga, pois ele segue à direita, pelo vale principal da região, sempre margeando a ferrovia e a “carretera” nacional.

Mais adiante, por uma rodovia secundária, eu atravessei a cidade de Beberino e adentrei num vale transversal, em perene ascensão, tendo o rio Casares, um rumorejante curso d’água, pela minha esquerda.

Um mil e quinhentos metros, depois de ultrapassar um desfiladeiro, encontrei nova bifurcação e, então, obedecendo à sinalização, adentrei à direita, em direção à Buíza.

Ali também me despedi do rio Casares, que segue à esquerda, em direção à cidade de Cabornera.

A nova rodovia que acessei, recentemente recapeada, discorre por um estreito vale, sempre à beira do arroio de Folledo, e sem acostamento, embora o trânsito de veículos nesse trecho seja ínfimo.

Mais um quilômetro caminhado, passei defronte a igreja de Nossa Senhora Del Valle, onde parei para tomar um fôlego.

Porquanto, desde o início da jornada, eu seguia sempre em perene ascensão, embora fosse de maneira suave, suportável e, em alguns trechos, quase imperceptível.

Chegando à Buíza. Ao fundo, as "Forcadas", que teria de escalar

Já recuperado, eu prossegui adiante e depois de mais dois quilômetros vencidos, às 9 h, adentrei um Buíza, um povoado onde habitam 150 almas.

Ali observei um fato curioso, a maioria das casas existentes, estão ornamentadas com pedras lavradas em sua fachada exterior.

No local existe um moderno albergue, instalado à entrada da povoação, e onde são disponibilizadas excelentes acomodações, além de 12 camas para os peregrinos.

Colada ao refúgio, existe uma sedutora fonte de água potável, local onde eu aproveitei para matar a sede.

Já quase deixando a simpática povoação, na porta da igreja paroquial de San Justo e San Pastor, eu localizei as flechas que, a partir desse ponto, delimitam a bifurcação dos caminhos.

Para a direita, seguem os ciclistas, pois o roteiro é asfaltado, não sofre grande alterações altimétricas em seu curso, e vai em direção à cidade de Villasimpliz.

No entanto, ele faz uma grande curva, o que aumenta em muito o percurso, já que ele discorre quase sempre por desfiladeiros, evitando, assim, a passagem pelas montanhas.

Contudo, eu como caminhante contumaz, segui à esquerda, em direção às “Forcadas de San Antón”, e logo enfrentei um grande aclive, prosseguindo, depois, por uma trilha que ascende pela lateral do morro.

A uns 300 metros de altura, a senda foi cortada, abruptamente, em transversal, por um caminho largo, em terra, que segui à esquerda, em consonância com as setas amarelas.

Uns 200 m depois, obedecendo à sinalização, dobrei à direita, e iniciei um terrível ascenso, pois na verdade, ali começava para valer a parte mais dura da jornada.

Trata-se de uma empinada encosta que segue bordeando a ladeira de “Peña Preita”.

Fui ascendendo lentamente, enquanto fazia necessárias pausas para respirar, sempre na mais absoluta solidão, pois não avistei ninguém na trilha nesse dia.

Praticamente, não existem árvores naquela altitude, vez que o terreno ali se apresta mesmo para pastagens formado de arbustos raquíticos, posto que o solo é pedregoso.

Observando a profundidade da paisagem que lentamente ia surgindo à minha direita, pude verificar o panorama deslumbrante que se evidenciava, quanto mais eu subia.

Penso que não poderia ser mais impressionante.

Depois de uns 500 m de escalada, o caminho suavizou, e seu piso era coberto por pedras largas, como se fosse uma calçada.

Nesse trecho há sinal evidente, segundo os historiadores, de que em épocas passados ele foi utilizado pelas legiões romanas, depois, por mascates e pastores.

Pouco a pouco fui me acercando de um grupo rochoso, formado por uma infinidade de penhascos em forma de pináculos, que emergem da terra como se fossem os picos de um “iceberg”.

Finalmente, depois de um esforço final, cheguei ao ponto máximo do trajeto, num lugar conhecido por “Las Forcadas (grandes penhascos) de San Antón”, na verdade, coroado por um gigantesco rochedo que avança sobre a borda do morro, situado a 1.465 metros de altitude.

No inverno, as nevascas são abundantes nesse lugar, e o silêncio que imperava quando por ali passei, era algo verdadeiramente sobrenatural, de arrepiar os cabelos.

Segundo a história, nesse local existiu antigamente um monastério beneditino, que dava comida e atenção aos caminhantes.

Também havia um cruzeiro de pedra, substituído posteriormente por um de ferro, conhecido como “Cruz de la Salve”, pois nesse local os peregrinos rezavam essa oração.

Depois de atravessar esse “passo montanhoso”, já do outro lado das rochas, eu prossegui por uma senda úmida e gramada, onde um regato corria desordenadamente, deixando tudo embarrado, não me restando outra opção, senão molhar os pés para atravessar esse trecho.

Uns 600 metros depois, finalmente deixei esse “tramo” lamacento, e encontrei uma larga estrada de terra em sentido transversal, que serve como aceiro, pois tem a finalidade de evitar a propagação de incêndios nessa área.

Seguia à esquerda, na direção do “Collado del Pedrosillo”, e à direita remontava a ladeira de outro imenso pico.

À minha frente nascia outro caminho em terra, em brusca descendência e era por ele que eu devia seguir, conforme as flechas me remetiam.

Porém, antes, fiz uma pausa nesse emblemático local para me hidratar e ingerir uma barra de chocolate, pois eu me encontrava bastante fatigado.

Dali eu podia divisar o verde vale de “La Tercia”, incrustado entre enormes montanhas, e observava, ao longe, alguns picos que se apresentavam nevados em seu cume.

Uma brisa fresca, vinda do norte soprava com força, fazendo despencar a temperatura ambiente, apesar de o sol estar brilhando a pleno vapor, num céu azul e com poucas nuvens.

Refeito de todo o desgaste da escalada, e mais animado, segui adiante.

O caminho largo, de terra batida, em forte descenso, me levou a caminhar por dentro de um grande e agradável bosque de pinheiros, pois me encontrava em uma zona de reflorestamento ambiental.

Depois de uma curva fechada, uns 3 quilômetros abaixo, encontrei uma flecha me remetendo à esquerda, para o flanco da montanha.

Na verdade, neste local ocorre uma bifurcação de caminhos, pois eu poderia continuar descendendo e chegaria à cidade de Rodiezmo, para em seguida prosseguir em direção ao povoado de Villanueva de la Tercia.

Então, pela rodovia nacional N-630 eu prosseguiria até Busdongo e, três quilômetros depois eu atingiria o povoado de Santa Maria de Arbás.

Porém, esse trecho é todo em asfalto, então, conforme havia estudado adredemente, resolvi prosseguir pelo caminho montanhoso que, embora seja desgastante, é mais curto e excepcionalmente belo, pela variação da paisagem que apresenta ao viajante.

 Então, imediatamente, deixei a estrada e acessei uma trilha que segue beirando a encosta dos morros circundantes, em sentido longitudinal, uns 200 metros de altura das faldas da montanha.

 Apesar da precariedade do percurso, pois nem sempre existe um trilho definido no chão, por falta de uso constante desse roteiro pelos peregrinos, a sinalização nesse trecho está muito boa e é feita, em alguns locais, com balizas de metal, tendo a concha peregrina em seu ápice.

Daquele patamar eu tinha uma visão privilegiada do vale que se descortinava à minha frente, pleno de verde em todas as suas nuances, tendo a Cordilheira Cantábrica como pano de fundo.

Lentamente o caminho foi descendendo e quando cheguei ao rés do chão, prossegui ainda em meio ao campo de pastagem, seguindo os marcos sinalizadores, embora não tenha avistado nesse trecho nenhum tipo de gado.

Contudo, em vários locais localizei excrementos desses animais, que possivelmente estariam alocados em outros sítios nas imediações.

Prossegui por mais de hora, sempre na direção oeste, bordejando o sopé de uma grande elevação, até que no final de um trilho estreito e matoso, eu acabei saindo numa larga via de terra, e nesse local as flechas misteriosamente desapareceram.

Fiz uma busca completa pelas imediações, contudo, não obtive sucesso.

Porém, verifiquei em meu guia, que a estrada onde me encontrava se dirigia à pequena vila de San Martin de La Tercia, qual seja, muito próximo de meu destino para aquele dia.

E mais, eu havia visto nas instruções atinentes a essa etapa, que seguindo essa pista descendente, em algum lugar eu encontraria um desvio que me conduziria até Poladura.

Assim, virei à direita e após andar uns 200 metros, se tanto, eu reencontrei as benfazejas setas amarelas, que estavam pintadas no muro de uma construção abandonada, existente ao lado da estrada.

 Animado, imediatamente dobrei à esquerda e logo acessei uma trilha úmida e matosa, que me conduziu até um riacho, que transpus por uma singela ponte de madeira.

Então segui por uma estrada plana, localizada entre frondosas árvores e logo adentrei em Poladura de La Tercia, um pequeno “pueblo” de montanha, onde habitam 30 almas e a vida campestre faz parte de seu dia a dia.

Por isso mesmo, numa mesma rua é possível encontrar galinhas, ovelhas, vacas, gatos, cães e outros animais, todos convivendo harmoniosamente e sem medo dos seres humanos.

Nessa pequena vila eu fiquei hospedado na Pousada El Embrujo, e o carinho que recebi da proprietária, a Lúcia, fez toda a diferença.

Com Lúcia, proprietária da Pousada "El Embrujo"

Infelizmente, naquela simpática aldeia não existe “tendas” ou bares, mas a Pousada oferece refeições, de forma que pude ingerir um estupendo “menu del dia”, por um preço bastante razoável.

Bem, eu havia partido do Brasil com uma incipiente infecção no olho esquerdo, possivelmente, conjuntivite.

Porém, como não tivera tempo de consultar um oftalmologista antes da viagem, por precaução, levara um colírio apropriado para tratamento, que passei a utilizar diariamente, conforme o prescrito em sua bula.

Ocorre que depois de dois dias caminhando, meu olho direito também fora contaminado, e eu me encontrava com dificuldade para enxergar, por estar refratário à exposição da luz e pelo excessivo lagrimejar que tal inflamação ocasionara.         

Assim, antes de repousar, fiz uma assepsia geral no local infectado, mas, como nos dias anteriores, mesmo após uma hidratação no local afetado, não obtive uma expressiva melhora na visão.

De qualquer forma, depois de um merecido descanso, saí passear pelo acolhedor povoado.

"Albergue de Poladura de la Tercia"

Pude visualizar, então, o albergue de peregrinos, recentemente inaugurado, que se localiza na antiga escola desse “pueblo”, e que, antigamente, foi residência de sua Diretora.

Internamente, ele contém 8 camas, 2 banheiros e uma pequena cozinha, porém não dispõe de  calefação, um empecilho para aqueles que ali pernoitam no inverno e na primavera, pois nesse período as nevascas nesse local são  frequentes.

O prédio se encontrava fechado e o responsável, o Sr. Esteban Alvárez Rodriguez, estava numa fazenda, vistoriando um manancial de água que serve o município, posto que ele é o prefeito daquela simpática povoação.

Mais tarde, após um telefonema feito pela Lúcia, ele apareceu na Pousada e, então, entre brindes de cerveja e vinho, pude conhecê-lo melhor, desfrutar da amizade fraterna e saber um pouco de sua história.               

Natural de Folledo, comarca de Pola de Gordón, que se situa próximo dali, noivou e depois contraiu matrimônio com uma senhora natural dessa localidade.

Com Esteban e um amigo em Poladura de la Tercia  

Profissionalmente, correu meio mundo trabalhando pela Empresa de Telefonia Espanhola, sediada em León, até se aposentar, recentemente.

Como acontece com quase todos os mortais que tem amor ao campo, voltou a morar no mesmo local em que iniciou sua vida de casado, porque segundo ele, a montanha dá vida.

Enfatizou-me que atualmente seu trabalho é divulgar aos peregrinos o “refúgio” daquela localidade, bem como conseguir subvenções das autoridades competentes, para que possa oferecer um ótimo local de pernoite aos caminhantes, que quase sempre ali aportam estafados e ansiosos por um merecido descanso.

Ele ainda tinha algumas providências a envidar antes de seu jantar, de forma que após algumas fotos, nos despedimos.

Aproveitando a ocasião, segui as flechas amarelas para observar o local por onde eu partiria na manhã seguinte, porém, como uma manada de gado retornava ao seu curral pela estrada em que eu caminhava, meus passos foram obstados e não pude seguir adiante.

E isto acabou sendo fatal, pois tive problemas no dia seguinte, quanto à localização do roteiro, como adiante relatarei.

Parado defronte ao local de pernoite, fiquei a contemplar, maravilhado, a cordilheira que avistava ao longe, salpicada de formações rochosas, de formatos caprichosos, circundando aquele imenso vale de um verde intenso.

À noite, optei por ingerir um singelo lanche, utilizando o restante de víveres que ainda possuía, e logo depois fui dormir, pois a jornada seguinte, eu já sabia, seria deveras complicada.

Para piorar, assim que me deitei, começou a chover, sinal de que tudo ficaria mais dificultoso, aumentando a probabilidade de eu me perder no roteiro.

           

Ao fundo, parte das montanhas por onde eu seguiria no dia seguinte

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada de expressiva variação altimétrica, pois os primeiros 18 quilômetros são sempre em perene ascendência. E após a passagem pela cidade de Buíza, a aclividade é brutal, já que em 3 quilômetros, se faz necessário sobrelevar mais de 400 metros de altura. No geral, uma etapa com muito verde e de grande beleza panorâmica, mormente depois de transpor as “Forcadas”. Numa avaliação de quantificação de obstáculos, diria que o percurso é bastante rude e exige muita atenção do peregrino em vista de sua incipiente sinalização, sobretudo no final da jornada, onde a trilha suja e matosa pode confundir o caminhante.