3º dia: POLADURA DE LA TERCIA à COMPOMANES

3º dia – POLADURA DE LA TERCIA à CAMPOMANES – 32 quilômetros

 

Às 5 h, quando acordei e comecei a me preparar para a jornada do dia, ainda caía bastante água, porém quando deixei o local de pernoite, às 6 h, o temporal reduziu-se a uma insignificante garoa.

Dessa forma, como iria precisar ser ágil no percurso, resolvi vestir apenas uma leve capa de chuva ou invés de colocar meu poncho impermeável, melhor indicado em termos de proteção, contudo mais pesado.

A povoação estava silenciosa e deserta quando acessei uma rodovia vicinal que seguia na direção das montanhas.

Logo, por uma graciosa ponte eu atravessei o rio Viadangos, e prossegui adiante por uns 2 quilômetros, sem encontrar nenhuma flecha amarela, porém como não encontrei “tramos” laterais, inferi que o roteiro seguiria por ali.

Ainda estava escuro quando encontrei uma bifurcação na estrada e ali estaquei em dúvida, para que lado eu deveria seguir?

Procurei, então, com todo esmero localizar alguma marcação ou flecha, que me indicasse o lado correto, mas nada encontrei.

Desanimado, permaneci uns 15 minutos aguardando a passagem de algum veículo, para que eu pudesse me informar sobre o rumo a seguir, porém debalde minha expectativa, ninguém apareceu.

Desiludido, constatei efetivamente que eu estava perdido e que não havia outra providência a tomar, senão regressar.

Quando já estava chegando novamente à ponte que havia atravessado anteriormente saída, localizei uma flecha no meio do pasto, informando que meu rumo se iniciava naquele local.

Ali era exatamente o local que não pudera visitar no dia anterior, por conta da manada de bovinos que voltava do campo e me obrigara a retornar antes daquele ponto.

Embora estivesse um tanto frustrado pelo tempo dispendido, algo em torno de 40 minutos, bem como pelos quilômetros caminhados em vão, resolvi reiniciar meu caminho naquele mesmo instante.

Agora mais animado, deixei o asfalto, acessei uma trilha com muito barro, pois é utilizada diariamente pelo gado bovino para ir ao campo pastar, e segui atentamente os marcos, porque eles estavam fincados numa distância razoável, um do outro.

É vital prestar muita atenção na sinalização, porque o roteiro nesse trecho é bastante confuso, vez que em alguns locais o mato estava bastante crescido, deixando os “monjóns” rasteiros parcialmente encobertos.

Acresça-se que não havia sol e eu estava com bastante dificuldade para enxergar, por conta da infecção nos olhos, de maneira que houve momentos em que me senti um pouco perdido.

Porém, uma referência que levei em consideração nesse trecho, foram pequenos postes amarelos que estão fincados às margens do caminho, embora a alguma distância, e são indicadores de um gasoduto da Enagás, que nesse trecho corre paralelo ao roteiro.

Os primeiros quilômetros foram sempre em contínua ascendência e nesse pique eu ultrapassei dois morros, seguindo, depois, por uma senda em sentido transversal.

Daquele lado, eu podia visualizar, mesmo a grande distância, a trilha bem demarcada por onde eu seguiria na encosta adjacente, e observei que ele terminava junto a alguns penhascos pontiagudos, uma boa referência que utilizei para não me perder.

Na verdade, trata-se de uma trilha utilizada por pastores e no seu ponto culminante ela mergulha em um entalhe natural, pelo qual eu transitei para o vale seguinte.

Vencido esse desafio, eu segui bordeando uma ladeira por uma trilha, praticamente plana e, nesse local específico e integralmente deserto, eu encontrei uma excelente sinalização.

Porém ultrapassado mais um pico, iniciou-se outra ascensão, por um caminho pedregoso e bastante liso, em face da chuva recente.

Segui depois bordejando a meia altura até uma pequena protuberância rochosa, onde, então, o roteiro se voltou diretamente para o topo da montanha.

Mais uns 500 metros em brusca ascendência, e finalmente atingi o cume da serra “Canto La Tusa”, local onde encontrei algumas placas de gelo no chão, por sinal, as únicas que vi nessa caminhada.

Para chegar até aquele local, eu precisei seguir o contorno de uma grande falésia, que me forçou a caminhar através de formações rochosas, em direção ao norte.

E ao atingir aquele ponto alto, eu estava a 1568 m de altitude.

Fazia bastante frio e ventava forte lá em cima, mesmo assim, fiz pequena pausa para me hidratar e ingerir uma barra de chocolate.

Depois eu ultrapassei uma cerca de arame e passei a descer pelo lado oposto.

Lá de cima eu podia avistar, bem ao fundo do barranco, que havia à minha direita, a cidade de Busdongo e, ao lado dela, a Autovia Nacional, por onde circulavam veículos que me pareciam formiguinhas, face à distancia em que me encontrava.

Próximo de mim, uma manada de bois pastava tranquilamente, sem se importar com minha presença.

Numa outra ladeira, já a minha esquerda, um grupo de cavalos e éguas fazia o mesmo, inclusive, com alguns filhotes a ladeá-los.

Na verdade, daquele ponto eu tinha uma visão de 360 graus, podendo avistar, inclusive, bem abaixo e à esquerda, as antenas situadas na estação de esqui do Puerto de Pajares.

Tudo muito interessante e diferente, contudo eu precisava seguir adiante, e o fiz com extremo cuidado, pois a descida que se iniciou era, além de escorregadia, quase a pino, e um tombo ali seria fatal.

Já no plano, encontrei uma bifurcação, onde um caminho descia à direita em acentuada ladeira, porém as flechas me indicavam que deveria seguir em frente, por uma larga e pedregosa estrada de terra.

Depois de uns 700 metros, sempre em forte ascenso, finalmente atingi o cume da “Sierra del Cuchillo”, cuja tradução literal do nome em espanhol seria “Serra da Faca”.

Naquele lugar eu estava a 1574 m de altura, o ponto de maior altimetria de todo o “Caminho del Salvador”.

Próximo dali, num pequeno outeiro, visualizei a existência de várias antenas de rádio e telefonia, todas fincadas na direção sul.

Então, observando as flechas, girei à esquerda, adentrei em outra larga estrada de terra lisa e embarreada, e principiei a baixar, agora em definitivo.

No final de um terrível descenso, eu acessei outra estrada à esquerda, passei defronte uma pequena cachoeira e depois de ultrapassar uma velha casa abandonada, adentrei em uma trilha plana à direita, com mato alto em suas laterais, porém muito bem sinalizada.

Depois de algum tempo caminhando no plano, logo comecei a descer novamente, desta vez por dentro de um pasto, onde havia inúmeros excrementos bovinos, do qual prudentemente fui desviando  

E depois de encarar outro terrível descenso, o qual venci passo a passo e com extrema prudência, atravessei um portão e saí na rodovia N-630, já dentro da cidadezinha de Santa Maria de Arbás.

Meu relógio marcava 9 h 30 min, então me dei conta que levara quase 3 horas para vencer apenas 9 quilômetros, um retrato da rudeza desse “tramo”  ascendente do caminho.

A história desse “pueblo” é deveras interessante, pois a partir do ano 1037 começam as menções sobre um hospital de peregrinos, chamado de “Hospital de Arvum” ali existente, construído com doações do rei Fernando I.

Pouco a pouco, foram transformando a edificação em uma capela que, posteriormente, se transformou em uma “Collegiata”.

E nos dias em que nevava no local, algo que ocorre abundantemente no inverno, havia um clérico ali postado, especificamente, para orientar os peregrinos medievais.

Naquele dia e horário, o local estava sob intensa névoa e não avistei qualquer alma viva nas imediações.

Eu me sentia novamente desorientado, pois havia feito inúmeras curvas e revolteios no trajeto, de forma que perdi o rumo, assim, não sabia para que lado deveria prosseguir, ou seja, necessitava urgentemente de informações.

Então, após voltear pelo povoado, verifiquei a existência de um bar/restaurante localizado à beira da rodovia, que, por sorte, estava em funcionamento.

Aproveitei a ocasião para ingerir um café, obter mais um carimbo em minha credencial e conseguir detalhes consistentes do rumo a ser tomado.

Descansado e novamente bem disposto, eu retornei sobre meus passos e prossegui à beira da “carretera”, à esquerda, por aproximadamente 1.000 metros.

Então, após ultrapassar sob várias torres elétricas, observei as flechas me direcionando para a direita, em direção ao campo.

Daquele local, olhando para baixo, à esquerda, podia ver junto à “Autovia Nacional o famoso “Puerto de Pajáres”, localizado a 1378 m de altitude que sinaliza a divisa entre as Províncias de Castilla e Astúrias.

Ali também existem algumas casas, um bar e, numa pequena elevação, um magnífico edifício construído no início do século XV, que já foi um “Parador Nacional” (hotel 5 estrelas), porém hoje se encontra abandonado.

Eu prossegui em brusca descida e logo adentrei à esquerda, em um pasto sujo, onde logo me vi rodeado por uma manada de gado, que ficou a me olhar de forma estranha.

Fui me desviando dos animais, porém sem perder meu rumo, de forma que mais adiante principiei a descer novamente, agora de forma brusca, por uma trilha sinalizada por bastões de madeira, que continham flechas amarelas inseridas em sua parte superior.

Depois de superar outra perigosa baixada, onde o índice de desnível ultrapassava 40%, eu saí novamente na perigosa “carretera” nacional, num trecho onde o tráfego de caminhões é intenso e perigoso.

Porém, as flechas me direcionaram para o outro lado da rodovia, onde, depois de atravessar uma pequena porteira, adentrei em outro pasto, novamente em vertiginosa baixada.

No final desta, depois de superar um dos trechos mais difíceis e belos de toda a jornada, caminhei por pastagens e florestas, e acabei saindo numa estrada larga de terra, que me levou novamente em direção à rodovia.

Após uns 2 quilômetros, se tanto, fui direcionado para a esquerda e adentrei numa estrada plana e extremamente arborizada, que segui sempre à meia ladeira de um grande morro.

Finalmente, após vencer pequena elevação, adentrei no povoado Pajáres, quando meu relógio marcava 11 horas.

O local pairava sob densa neblina, mas orientando-me pelas flechas amarelas, logo passei defronte ao bonito albergue que ali existe.

No local, eu estava a 970 metros de altitude, sendo que na pequena e fria vila residem 147 pessoas.

Do lado direito observei uma fonte jorrando água e não tive dúvidas, aproveitei para lavar meus olhos, que se encontravam extremamente congestionados, bem como para matar a sede.

Eu ainda estava a 12 quilômetros de minha meta para aquele dia, de forma que após obter informações com uma senhora que passava na outra calçada, eu prossegui adiante e logo me vi novamente à beira da rodovia N-630.

As flechas ali estão bastante destacadas, de maneira que após caminhar uns 200 m pelo acostamento, logo adentrei num caminho descendente, à esquerda, e depois de uns 2 quilômetros caminhados em terrível e liso descenso, adentrei em San Miguel del Rio.

Já fazia algum tempo que não avistava flechas amarelas, de forma ao passar por uma senhora que varria a calçada defronte uma bela casa azul, eu tomei informações e, gratificado, constatei que estava no rumo certo.

Confirmando o que ela me adiantou, assim que deixei a cidade por uma estrada vicinal asfaltada, as setas reapareceram.

Segui, então, tendo um rumorejante riacho pela minha esquerda e uma montanha pelo lado direito.

Depois de 1.000 metros, numa bifurcação, as flechas me direcionaram para o lado esquerdo, pois se prosseguisse adiante, mais acima, eu retornaria à rodovia nacional N-630.

Então enfrentei outra íngreme, todavia curta ascensão e, já no topo, passei pela pequena vila de Santa Marina, onde só avistei algumas casas e uma velha igrejinha, porém nenhum tipo de comércio.

Fiz ali outra pausa para hidratação e descanso, pois a jornada estava se mostrando duríssima e sentia meu estado físico se estiolando rapidamente.

O clima permanecia frio, e o tempo nublado e escuro, prometia chuva para mais tarde, de maneira que resolvi me apressar.

Então, surpreendentemente, ultrapassei um portão de ferro e, mais adiante, outros dois feitos de madeira, para sair numa trilha suja e úmida, que segui à meia ladeira.

Nesse trecho eu tinha um barranco escarpado a me ladear pela esquerda e podia visualizar um riacho correndo no fundo de um precipício de uns 50 metros, à minha direita.

A senda bastante embarrada em diversos “tramos” e o mato alto em outros locais me deixavam confuso e preocupado, pois árvores frondosas ornavam o local, deixando tudo escuro e algo tétrico, vez que não permitiam a passagem da luz.

Nesse pique, atravessei diversos córregos e ao final de aproximadamente dois quilômetros, sob as bênçãos divinas, eu emergi num pasto, e por outra trilha também bastante suja, eu aportei ao povoado de Lhanos de Somerón, depois de passar ao lado de um belo hórreo.

A partir desse “pueblo”, eu principiei a descer, sempre por uma “carretera” vicinal, de escasso tráfego de veículos.

Quatro quilômetros depois, já na pequena vila de Puente Fierros, eu acessei definitivamente a rodovia nacional N-630.

Na verdade, o caminho sinalizado segue pela mata adjacente, porém um senhor que encontrei sentado num banco e a quem indaguei sobre o roteiro, me aconselhou a seguir dali em diante sempre pela “carretera”, pois segundo ele há tempos não era feita manutenção naquela trilha.

Assim, utilizei o acostamento da rodovia e segui em sentido contrário ao trânsito de veículos por mais uma hora até aportar em Campomanes, minha meta para aquela data.

De se ressaltar que esse roteiro alternativo, isto é, pelo asfalto, também está sinalizado, pois observei inúmeras flechas amarelas pintadas ao longo desse percurso.

A simpática cidadezinha, atualmente com 800 habitantes, foi edificada exatamente no ponto de confluência dos rios Huerna e Pajares, que formam o rio Lena, um importante curso d’água, que abastece toda a região daquele quadrante.

Cabe destacar que entre os edifícios nela existentes, os mais importantes são o Palácio de Revillagigedo, la Casona de los Llanes-Posada e a igreja matriz, cuja edificação remonta aos princípios do século XVII.

Ali fiquei hospedado na pensão El Abade e para almoçar eu ultrapassei a rodovia nacional e, já do outro lado, utilizei os serviços do Mesón Pola.

Depois de uma necessária e revigorante soneca, ao lavar meus olhos, observei que houvera uma piora em seu estado geral, estando eles por demais congestionados e vermelhos.

Preocupado, tentei encontrar uma farmácia aberta onde pudesse adquirir medicamentos para sanar tal inflamação, porém todas se encontravam cerradas, pois era um sábado à tarde.

Um comerciante me informou que encontraria estabelecimento do gênero aberto apenas em Pola de Lena, cidade por onde eu passaria caminhando no dia seguinte, distante 9 quilômetros de onde eu me encontrava.

Telefonei então para um taxista que ele me indicou e logo estávamos defronte a uma farmácia que estava de plantão naquele dia.

Porém, quando instada, a farmacêutica me informou que eu necessitaria de receita assinada por um profissional, pois ela não tinha permissão para vender remédios sem autorização.

Mas onde eu iria encontrar um médico naquele horário, indaguei-lhe?

Ela me informou, então, que havia um doutor de plantão no Centro de Saúde Municipal, de forma que após retornar ao táxi, para lá nos dirigimos.

Por sorte, não havia ninguém aguardando, assim, fui prontamente atendido pelo Dr. Alfredo, que ao saber de meu drama, prontamente me examinou e receitou um colírio anti-inflamatório.

Munido da competente receita eu retornei à farmácia, adquiri os medicamentos e logo retornava ao meu local de pernoite.

Mais tranquilo quanto à minha saúde, preferi ingerir apenas um singelo lanche à noite, pois a chuva retornara em forma de garoa e fazia muito frio na cidade.

E logo em seguida fui dormir, pois estava deveras cansado, na certeza de que vencera naquele dia talvez a etapa mais difícil, dentre todas que já havia enfrentado no Caminho de Santiago. 

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada longa e extremamente cansativa, em vista dos obstáculos naturais que necessitam ser sobrelevados. Ademais, o traçado do roteiro discorre em quase toda sua extensão, por locais ermos e desprovidos de comércio. Além desses fatores, ainda enfrentei chuva, lama e trilhos matosos, que contribuíram para intricar mais ainda minha aventura. No geral, uma etapa duríssima e com grandes alterações altimétricas, porém com muito verde e plena de paisagens maravilhosas.