3º dia: BETANZOS à HOSPITAL DE BRUMA – 31 quilômetros

3º dia: BETANZOS à HOSPITAL DE BRUMA – 31 quilômetros

 Paz é o andar. Felicidade é o andar. Ande por você mesmo, e andará por todos nós”. (Thich Nhat Hanh)

Fonte: gronze.com

Por sorte, as chuvas dariam uma trégua nesse dia, que prometia muito sol após as 12 horas.

Assim, eu deixei o local de pernoite às 7 h e segui por ruas vazias e neblinosas em direção à saída da cidade.

A primeira flecha do dia, incrustada no calçamento urbano.

Findo o calçamento urbano, onde localizara a primeira vieira do caminho, eu acessei uma estrada asfaltada e, por ela, desci até o rio Mendo, que atravessei pela velha ponte medieval de As Cascas.

Então, seguindo a sinalização, girei à esquerda e principiei a escalar um morro.

Muita neblina no entorno.

O dia se apresentava com muito nevoeiro, e até as 9 horas o tempo esteve sempre úmido e nublado.

Mais adiante, atravessei a linha férrea por um pontilhão e, já do outro lado, voltei a transitar entre imensos bosques de eucaliptos, a tônica nessa etapa.

Ultrapassando a autovia nacional;

Lentamente, passei por minúsculas vilas, todas silenciosas e desertas, onde ainda não havia tráfego de veículos.

Para mim esta é a melhor hora do dia, pois enquanto sigo devagar o caminho, aproveito para externar minhas orações matinais, lembrar da família e amigos, além de, principalmente, agradecer a Deus pela minha saúde, que me permite sempre sonhar em percorrer novos roteiros.

Nessa etapa existem inúmeros bosques de eucaliptos. Esse foi o primeiro deles que ultrapassei.

Nesse pique, passei pelos povoados de Xan Rozo e Liminón, sendo que esta última localidade já pertence ao Concelho de Abegondo.

Os primeiros 3 quilômetros foram percorridos sempre sobre piso asfáltico, porém, mais adiante uma placa me informava que eu estava adentrando ao parque das rias da mariña.

Adentrando ao parque da mariñas.

Na verdade, seguindo esse roteiro campestre, eu estava deixando as rias altas para penetrar na Galícia rural profunda.

E, nessa etapa, em relação ao patrimônio cultural, não há muito de relevo a destacar, porquanto entre bosques, essencialmente de pinheiros e eucaliptos, e pastos, assim foi o meu percurso nesse dia.

De se ressaltar que, até San Paio de Vilacoba (Casa Júlia), fiz um longo e bonito passeio.

Muita lama e cerração no caminho.

Bem, prosseguindo, acessei uma silenciosa estrada de terra e segui por um imenso bosque de eucaliptos, onde o único som presente era o cantar dos pássaros.

Um lençol de neblina delineou-se a minha frente e a umidade da mata aumentava à medida que me aproximava de sua parte de menor altimetria, localizada junto a rumorejante riacho.

Mas o aroma dessas árvores estava presente no ar, e meus pulmões agradeciam essas perfumadas e características emanações.

Bosque silencioso e solitário, com muita neblina.

O caminho se apresentava bastante úmido e o entorno envolvido por denso nevoeiro, dava um aspecto fantasmagórico ao ambiente.

Eu havia visto na televisão alguns dias antes, que numa certa região da Galícia, um bando de lobos selvagens havia atacado e morto inúmeros animais de criação, como ovelhas, cavalos, bezerros, etc.

Durante quase uma hora, enquanto atravessava esse bosque, não vi ninguém e nem ouvi barulhos.

Eu torci para que não fosse ali onde eu estava, embora tivesse a certeza de que eles saberiam que carne de peregrino é intragável, pois é muito dura, por conta dos músculos adquiridos ao subir e descer morros durante a “viagem”.

Quase no final do bosque, agora em piso asfáltico.

Finalmente, depois de uns 2 quilômetros o bosque se findou, eu acessei uma estrada asfaltada, atravessei o rio Mero, e logo passava diante da igreja de San Estevo de Cós.

Cruzeiro e igreja de San Estevo de Cós.

Prosseguindo, eu atravessei uma rodovia, depois fiz um grande giro em torno de algumas casas disseminadas e, já do outro lado, acessei uma estrada vicinal asfaltada, integralmente vazia.

Nesse trecho sequente, transitei por bosques de terra batida, outros com piso asfáltico, com constantes mudanças de direção, o que me obrigou a prestar bastante atenção, embora a sinalização se mostrasse perfeita.

A cerração finalmente se foi.

Quase sem perceber, passei pelas dispersas aldeias de Cimo de Vila e O Vilar.

Adentrando a outro fresco bosque, a tônica desse dia.

O forte nesse enclave são os frondosos bosques de eucaliptos e de faias.

Bosques silenciosos e úmidos.

Em determinado local, junto a um mojón, fiz uma pausa para hidratação e ingestão de uma banana.

Pausa para descanso e hidratação.

Depois, já recomposto, prossegui meu caminhar solitário, e logo passei por dentro de um outro bosque de eucaliptos recentemente plantados.

Prosseguem os eucaliptos, mas aqui ainda em baixa estatura.

O caminho seguiu hidratado, verde e de uma beleza única, até que, mais acima, eu atravessei o rio Fontão e adentrei à paróquia de Presedo.

Caminho próximo de Presedo.

Nela existe um albergue de peregrinos, bem como um bar e restaurante.

Albergue de peregrinos à direita. O caminho segue à esquerda.

E, a 100 metros do Caminho, junto à rodovia AC-0105, se encontra o Santuário de Nossa Senhora de la Saleta.

Nessa aldeia nitidamente rural, vi muitas galinhas soltas pelas imediações, algo raro, pois corriam o risco de serem atropeladas por algum motorista desavisado ou outro mais afoito.

E mais natureza, verde e exuberante.

Prosseguindo, voltei a mergulhar em outro frondente bosque de eucaliptos, sendo que em alguns locais, o piso se mostrava bastante liso e convulsionado pela passagem de tratores.

Aqui retornaram os eucaliptos.

O sol já havia saído e dava um colorido especial à paisagem circundante.

Muita neblina no vale à esquerda.

Porém, pelo meu lado esquerdo, e ao longe, podia observar ainda muita nebulosidade.

Igreja e cemitério em Leiro.

Mais alguns agradáveis quilômetros percorridos entre prados, bosques e o asfalto, com sucessivas e constantes mudanças de direção, passei em Santa Eulália de Leiro e na sua Igreja.

Voltando aos bosques, agora já com sol.

Depois, prossegui ao longo de pequenos bosques e abundantes pastagens, sempre por trilhas bem definidas, onde o forte era o verde, com todo o seu esplendor.

Caminho lindo e hidratado.

Mais adiante, retornaram os bosques de eucaliptos, que são a tônica desse trajeto.

Mais dois quilômetros vencidos, cheguei ao cruzamento de Boucello.

Dali avistava um formoso vale por onde discorre o rio Mero, com distintas gradações de verde, uma paisagem ideal para um pintor.

O verde sempre presente, em todas as direções.

Também divisava uma parede montanhosa, por onde eu deveria ainda nessa jornada transitar e, em sua crista, eu podia vislumbrar as antenas de comunicação da RNE/TVE, que estão fincadas em Mesón do Vento, próximo ao albergue de Bruma.

Mas, para lá aportar, ainda precisaria percorrer vários quilômetros.

Caminho retilíneo nesse trecho.

Prosseguindo, depois de emergir de outra espessa mata, acabei por sair num local asfaltado, agora em leve ascenso.

Descendendo para San Paio.

Então, quando principiei a descender, passei por San Paio de Vilacoba, onde está situada a famosa Casa Júlia, que oferece farta e variada refeição.

Encravado neste local tão longínquo, San Paio deve sua fama ao Santuário, onde se venera o Santo, e onde todos os anos se celebra, na primeira semana de julho, a “romaria das cerejas”, com festa, feira e degustação da saborosa fruta que é muito cultivada nesse lugar.

Graças à atração do Santuário e à ininterrupta passagem de peregrinos por esse lugar, o restaurante se mantém aberto o ano todo.

Porquanto, como em Hospital de Bruma, final dessa etapa, não existe bar e nem comércio, a grande maioria dos caminhantes aproveita para almoçar nesse estabelecimento, onde os proprietários são muito atenciosos, conforme depoimentos de peregrinos que colhi posteriormente.

No entanto, a partir desse patamar é que realmente começam as dificuldades da etapa, pois o restante do percurso é em ascenso forte e constante.

Ainda que estivesse com fome, o que não era o caso, jamais teria coragem de ingerir um “cozido”, a especialidade da casa, e depois enfrentar íngremes ladeiras, vez que certamente teria um infarto.

Depois de San Paio o caminho retorna aos verdes bosques.

Assim como estava animado e bem fornido, segui adiante, agora por uma estrada plana e retilínea.

Caminho com sombra e muito verde.

Depois, retornaram os bosques, com abundante vegetação.

Um caminho para desfrutar o silêncio e a beleza.

Em determinado local, onde se encontra a capela abandonada de San Paio de Vilacoba, o caminho faz um giro de 90º à direta e, nesse local exato, tem início um duro ascenso.

Uma fonte, com acesso por escadarias, onde me hidratei bastante, pois daqui em diante é só aclive.

Atrás do “mojón” que sinaliza a mudança de direção, com acesso por uma escada, existe uma límpida fonte, onde me hidratei com abundância.

Igreja de São Tomé / Santuário de San Paio.

Prosseguindo, logo passei diante da Igreja de Santo Tomé ou Santuário de San Paio de Vilacoba, com singela imagem, num nicho, do seu mártir.

A ascenso seguiu constante, mas com leve inclinação, sempre entre campos de pastagens.

Fim do asfalto, início de fortíssimo, mas curto aclive.

Contudo, mais acima, o asfalto terminou e adentrei numa trilha em terra batida, situada no meio de um bosque de eucaliptos e pinheiros, e prossegui em ascensão, agora por uma ladeira íngreme mas, em alguns trechos, com bastante sombra.

Caminho em aclive forte, mas com sombra.

Em determinado local, fiz outra pausa para descanso, onde aproveitei para recuperar o fôlego, pois esse trecho é bastante exigente.

Pausa para recuperar o fôlego.

Na sequência, passei pelos locais de O Vieiro, O Monte e Fontela.

Para se ter uma ideia da dificuldade desse pequeno entremeio, em apenas 2 quilômetros eu passei de 122 metros para 354 metros de altitude.

Já no topo do morro, final do árduo ascenso, transitei pela aldeia de Vizoño, onde existe uma aprazível área recreativa, com bancos, mesas, sombra e água.

Caminho plano, em meio à aldeia de Vizoño.

Prossegui entre pastagens e pequenos pinheirais ou eucaliptais, quando, inopinadamente, avistei, ainda em subida ligeira, o solitário cruzeiro de San Pedro de Vizoño, podendo ver à minha esquerda, uma igreja e o cemitério.

O solitário cruzeiro de Vizoño.

Na sequência, fiz uma grande curva em piso asfáltico, ultrapassei a Autovia Nacional por uma ponte, os povoados de Castro Maior e Pozo, depois, cheguei a A Malata.

Duas moças caminham à minha frente, os primeiros peregrinos que vi nesse dia.

Um pouco antes, após atravessar outro frondente bosque de eucaliptos, ultrapassei 2 moças que caminhavam à minha frente, os primeiros peregrinos que avistava nesse dia.

Mais adiante, ainda ultrapassei mais 4 jovens rapazes, com quem conversei rapidamente.

Quase no final da etapa, caminho maravilhoso.

Eles haviam saído de Presedo, e não iriam pernoitar em Bruma, pois seguiriam por mais 8 quilômetros, até A Rua, onde existe uma Casa Rural.

Caminho em direção à Bruma, quase no final da etapa.

Prosseguindo, pude observar que a paisagem do Caminho continuou praticamente a mesma, entre vistosa vegetação, agora em terreno plano ou levemente ascendente.

Caminho fresco e belíssimo, quase chegando à Bruma.

Por sinal, nos derradeiros 2,8 quilômetros antes do encerramento dessa etapa, em Hospital de Bruma, a altimetria atinge 458 metros.

Depois de atravessar a singela povoação de Bruma, já quase no final do seu termo, avistei o albergue de peregrinos, mas não parei.

Seguindo em direção à Mesón do Vento.

Eu prossegui ainda por mais 300 metros, depois, numa bifurcação, virei à direita, seguindo em direção à localidade de Mesón do Vento, durante aproximadamente um quilômetro.

Ali, à beira da Carretera Santiago Apóstol, nº 86, na estrada N-550, me hospedei no Hostal O Mesón Novo onde, por 21 euros, desfrutei de um quarto individual bastante espaçoso.

Hostal O Mesón Novo, à esquerda, onde fiquei hospedado.

Depois do banho e lavagem das roupas, eu atravessei a rodovia e fui almoçar no restaurante existente no piso térreo do Hotel Canaíma, onde paguei 10 euros pelo “menú del dia”, de excelente qualidade.

Sobre Hospital de Bruma, o Guia Eroski assim se manifesta:

A paróquia de Bruma pertence administrativamente ao Concelho de Mesía, mas está encravada, como se fosse uma ilha, no de Ordes. O albergue de peregrinos, da Junta da Galícia, foi o primeiro que se construiu no Caminho Inglês e está erigido sobre o solar do antigo Hospital de Peregrinos, fundado em 1140 e anexado em maio de 1175 à Catedral de Santiago”.

Quanto ao resto, a etapa de hoje foi um caminhar quase solitário, não fossem os peregrinos que suplantei quase no final do trajeto.

E, embora feito num agradável ambiente rural, agrícola e pastoril, recheado de extensas pastagens para o gado bovino, nota-se que a extrema repartição das propriedades agrícolas nesse trajeto, obriga o peregrino a ziguezaguear constantemente, o que torna percurso bem mais extenso.

Hotel e restaurante Canaíma, onde almocei neste dia.

Mais tarde, depois de descansar, fui conversar com a senhora que servia no bar, sobre o percurso sequente.

Ela, então, me informou que eu não precisava retornar à Bruma para reencontrar o caminho.

Para tanto, bastaria retornar uns 200 metros e, numa bifurcação, seguir à direita, em linha reta, e 1.500 metros abaixo eu me enlaçaria novamente com o roteiro.

Caminho por onde eu seguiria no dia seguinte.

Para facilitar os peregrinos, os próprios proprietários do Hostal haviam feito a demarcação desse trecho com grandes flechas amarelas pintadas no piso asfáltico.

Como o clima estava frio e eu ainda me encontrava animado, resolvi conferir tal informação e calmamente andei uns mil metros observando a sinalização.

No final dessa longa reta, ocorre o enlace com o roteiro original, que vem de Bruma.

Depois, satisfeito e mais tranquilo, retornei ao local de repouso.

À noite, voltei ao bar e ingeri um singelo lanche, composto de uma “tortilla”, feita de batata e ovos, acompanhada de um excelente vinho tinto.

Ali encontrei, além de 4 peregrinos alemães, outros dois de origem portuguesa, o Paulo e o Jacinto, ambos de Guimarães, que também estavam hospedados no hostal, e ficamos um bom tempo a conversar e trocar informações sobre os caminhos por nós percorridos.

Eles me disseram que nunca saíam antes das 9 horas da manhã para caminhar, assim, como pretendia partir no horário de costume, me despedi e, em seguida, fui dormir.

IMPRESSÃO PESSOAL: Esse foi o percurso mais longo que vivenciei no Caminho Inglês e, por sua vez, aquele que apresentou o maior grau de dificuldade. O site da Gronze registra que, no seu traçado, depois de San Paio de Vilacoba (Casa Júlia), em apenas dois quilômetros, passamos de 122 metros para 354 de altitude e, mais adiante, 2,8 quilômetros antes de encerrar a jornada, em Hospital de Bruma, alcançamos os 458 metros de altitude, a cota máxima desse Caminho. Por esta razão, seu trajeto é considerado a “etapa rainha” desse roteiro que se inicia em Ferrol.

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