5º dia: MIERES DEL CAMINHO à OVIEDO

5º dia – MIERES DEL CAMINHO à OVIEDO – 20 quilômetros

Aquele era meu último dia no “Caminho del Salvador” e prometia algumas dificuldades no percurso.

Ainda assim, tranquilamente, deixei o local de pernoite às 6 h 30 min e segui em direção à igreja matriz da cidade, pois o roteiro transcorria por ali.

Logo encontrei a primeira flecha amarela e, então, prossegui por ruas desertas e silenciosas, em direção à Lá Rebollá, mais especificamente, ao bairro de La Pena, onde, por sinal, está alocado o albergue de peregrinos.

Quando ali aportei, as flechas me direcionaram para a direita, onde acessei uma rodovia vicinal asfaltada, que prosseguiu sempre em forte ascenso.

Um quilômetros depois, passei defronte a igreja de Santa Magdalena e ali encontrei uma bifurcação, sendo que um dos ramais seguia na direção do povoado de Baiña, nome inexistente no mapa que eu portava.

Confuso, porque a escuridão reinante não permitia a visualização das flechas amarelas nesse cruzamento, resolvi seguir à esquerda.

Contudo, após 200 metros sem encontrar sinalização de qualquer espécie, optei por retornar.

Por sorte, passava um automóvel em baixa velocidade e pude confirmar com o motorista que deveria seguir, à direita, em direção à Padrun, onde cheguei depois de caminhar 4 quilômetros, sempre em perene ascensão.

Como eu ainda estava no início da jornada, essa difícil “escalada” me pareceu bastante suportável, apesar da rudeza desse trecho.

Quando aportei ao cume do morro, abriu-se uma bela vista do vale à minha frente, onde pude visualizar o traçado da Autovia Nacional, bem como a mata verdejante, e uma grande indústria expelindo fumaça tóxica pelas suas chaminés.

Logo à frente, a sinalização me remeteu a um caminho de terra em brusco e difícil descenso, mas o roteiro evita as várias curvas que a “carretera” faz para baixar pela encosta.

Assim, após dois quilômetros escorregadios e atribulados por um bosque úmido, acabei saindo num vale, à altura da estação ferroviária, que atravessei por um túnel.

Logo depois, passei ao lado da “Fuente de los Locos”, uma obra de Francisco de Prañeda, datada do ano de 1.776.

Na sequência, cruzei uma grande e movimentada autopista, sobre uma moderna ponte metálica.

E, logo em seguida eu adentrei ao povoado de Olloniego, seguindo por uma larga calçada, sempre em franco e agradável descenso.

Era uma segunda-feira e a pequena cidade estava ainda despertando, de maneira que praticamente não encontrei ninguém por suas ruas limpas e bem cuidadas.

Ao deixar o “pueblo”, passei defronte a Torre e Palácio de los Quirós, que, na verdade, trata-se de ruínas relativamente a uma fortificação ali construída entre os séculos XIII e XVII.

Por sinal, mais à frente, avistei os restos de uma velha ponte medieval, solitária em meio a um pasto, que também pertencia a esse conjunto, mas acabou sendo desativada pelo desvio do curso do rio Nalón, que atravessei mais adiante por uma ponte de pedra.

Duzentos metros depois, defronte um painel sinalizado de “El Portazgo”, deixei a rodovia e acessei uma trilha à direita, que coincide com um roteiro utilizado por caminhantes daquele entorno, ali demarcado pela sigla “La Senda Verde del Nalón”.

Já em ascensão, logo encontrei um “monjón”, fincado pelo meu lado esquerdo, onde pude ler: “Oviedo a 1 ½ LÉGUA”.

Ou seja, embora os valores métricos possam variar em cada país, eu estava a aproximadamente 8 quilômetros da chegada.

Então, de novo mantive contato com a natureza, pois adentrei em um grande bosque, composto em sua maioria por eucaliptos e pinheiros, que sobe bordejando o monte “La Corona de Hierro”.

Um quilômetro depois, ainda em forte ascensão, eu deixei a mata e, já em asfalto, passei defronte as amplas instalações do Centro “Reto” de Oviedo.

Que, em seu propósito, trata-se de uma organização sem fins lucrativos, cuja finalidade é o auxílio gratuito a pessoas com dependência química.

Defronte o lugar existe uma praça ajardinada, com bancos de madeira entre belos canteiros de flores.

Um local calmo e convidativo, onde fiz uma pausa para descanso e hidratação.

Na sequência, ainda subindo, caminhei uns 700 metros até atingir o “Picu Llanza”, um local privilegiado, entre imensos espaços verdes, e de onde pude avistar a cidade de Oviedo, bem como toda a extensão da bela campina ovetense.

A partir desse ponto, o caminho prosseguiu coincidindo novamente com “La Senda Verde” e se internou por trilhos empedrados, lisos e, em alguns “tramos”, com mato alto e muita lama.

Assim, passei por San Miguel, 1.300 metros abaixo, depois por El Caserón, distante 3.800 metros do ponto anterior.

Todavia, precisei prestar muita atenção nas flechas e nos “monjons” fincados ao longo do roteiro, pois nesse trecho existem inúmeras encruzilhadas, que podem confundir o caminhante desatento.

Depois de ultrapassar a pequena vila de La Monjoya, bem como de sua Igreja de Santiago medieval, caminhei mais um quilômetro, se tanto, e logo adentrei em zona urbana.

Após atravessar, por um túnel, sob a Autovia de La Plata, aportei à capital do Principado das Astúrias, pelo bairro de São Lázaro, iniciando meu itinerário em direção ao coração dessa metrópole.

Na sequência, deixando o Seminário Diocesano à esquerda, eu subi pelo Jardim “del Campillo”, para adentrar no “casco viejo” da belíssima urbe.

E pela calle Magdalena, eu cheguei a Plaza de la Constituicion, onde se encontram instalados o Ayuntamento e a antiquíssima igreja de Santo Izidoro, “el Real”.

Depois, através de um arco, acessei a calle Cimadevilla, eixo vertebral do centro antigo, e que foi durante muito tempo o polo comercial, bancário e administrativo da cidade.

Catedral de Oviedo

No final desta, exatamente às 10 h 30 min, eu aportei na Plaza de Alfonso II, “El Casto”, ou, simplesmente, Praça da Catedral, onde também se acha fincada a esbelta estátua de “La Regenta”.

Imediatamente, me dirigi à sacristia da igreja, apenas para “sellar” minha credencial peregrina, deixando para a parte da tarde, uma visita mais demorada a esse magnífico templo.

Na saída da ermida, pensei que podia dizer com orgulho, que havia cumprido a contento, a “quadra” que definiu meu rumo, quando parti de León, posto que no dia seguinte eu prosseguiria meu périplo em direção à Compostela: 

“Quem vai à Santiago,

E não vê o Salvador,

Visita ao seu criado,

E ignora ao seu Senhor!”

Na sequência, me hospedei no Hostal Vitória, tomei banho, me barbeei e resolvi procurar um médico, pois minha visão se encontrava terrivelmente embaçada.

Após tomar informações com um taxista, me dirigi ao edifício do Centro de Saúde da Comunidade, situado numa das praças centrais da cidade.

Porém, ali não tive sorte, pois havia filas de pessoas tentando marcar consulta, bem como a atendente, muito rispidamente, disse que estavam enfrentando uma epidemia de conjuntivite e problemas respiratórios entre a população idosa.

Assim, mesmo eu sendo peregrino e de outro país, não poderia privilegiar meu atendimento, de maneira que me orientou a procurar um profissional independente, até porque, como eu lhe confessara, havia contratado um seguro-saúde no Brasil.

Contudo, eu liguei para duas clínicas oftalmológicas e as atendentes me asseguraram que somente poderiam agendar consultas para o dia seguinte, pois naquela fatídica data, os horários disponíveis já estavam completos.

Meio desorientado, busquei ajuda numa farmácia e uma atendente, muito solícita, disse-me que seria mesmo muito difícil eu conseguir um encaixe com algum médico naquela data.

Porém, ao ver o colírio que me fora receitado, asseverou que ele era um dos mais apropriados e, por conseguinte, vendidos rotineiramente em seu estabelecimento para a minha enfermidade, de modo que orientou a ter paciência no tratamento.

Além disso, ao saber de meu destino, na jornada seguinte, incentivou-me a buscar ajuda na cidade de Grado, onde eu iria pernoitar, pois lá o atendimento seria menos burocrático, por conta de minha condição peregrina.

Depois, como boa comerciante, me vendeu uma caixa de toalhas umectadas e assépticas, para que eu fizesse a higiene de meus olhos com maior constância e asseio.

Isto posto, mais aliviado, fui almoçar no restaurante Sevilha, situado na praça fronteiriça ao garboso prédio da Prefeitura Municipal.

Oviedo surgiu na história pela mão do abade Fromestano, que no de 761, com ajuda do presbítero Máximo, providenciou a limpeza de um espaço abandonado e deserto, situado numa colina denominada Oveto.

Naquele lugar eles construíram um monastério dedicado a San Vicente, o Mártir.

Mais tarde, o rei Fruela (757-768), elegeu esse local como residência de sua esposa, a rainha Munia, e ali nasceria seu filho Alfonso II, “El Casto”, que mais tarde converteria Oviedo na capital do Reino das Astúrias.

Para tanto, dotou a cidade de igrejas, banhos e palácios, sendo que a Basílica de San Salvador, consagrada no ano 802, foi crescendo para absorver as outras edificações realizadas pelo rei: o Palácio Real e a igreja de Santa Maria.

A Capela Palatina do palácio é a atual “Câmara Santa”, do século IX, que foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco e corresponde a parte mais antiga da Catedral.

Ela alberga as jóias mais preciosas da catedral, como as cruzes da Vitória e dos Anjos, símbolos das Astúrias e de Oviedo, respectivamente, a Caixa das Àgatas e a Arca Santa, que contêm um grande número de relíquias religiosas, dentre as quais se encontra o Santo Sudário.

Imagem de "San Salvador" 

A famosa escultura de “San Salvador”, alocada na nave direita da igreja, antes de se adentrar a sua capela-mor, se trata de uma obra do século XIII, que está colocada num pilar construído sob o arco sul da cruz.

Ele é considerado a meta principal dos peregrinos que passam pela cidade.

Por sinal, aos seus pés, rezou por bastante tempo o papa João Paulo II, em 1989, quando de sua visita à Espanha.

Atualmente, com 220 mil habitantes, Oviedo possui muito prédios tombados por sua antiguidade, não sendo por acaso, considerada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.

Dotada de inúmeros espaços verdes, dos quais se destaca o Campo de São Francisco, situado no centro da urbe, ela encontra-se entre as cinco cidades espanholas com os menores índices de poluição atmosférica.

É, também, a sede da Fundação Príncipe das Astúrias, que atribui anualmente prêmios em diversas áreas, os mais importantes, mundialmente falando, depois do Nobel.

Entre os “ovatenses” famosos estão Letizia Ortiz, princesa de Astúrias, por seu casamento com o príncipe Felipe de Bourbon, Fernando Alonso, automobilista da Fórmula I, e Carmen Polo, esposa do ex-ditador Francisco Franco.

À tarde, após um bom descanso, retornei à Catedral, para rezar ante a escultura do “Salvador”, com mais tranquilidade.

Em verdade, meu único e maior desejo era orar perante a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, “El Salvador”, para agradecer-lhe pela minha chegada até ali.

Implorar pela recuperação de minha visão, bem como pedir forças e proteção para aportar ileso à Compostela.

Posto que no dia seguinte, eu prosseguiria minha jornada em direção à Santiago, distante 330 quilômetros de onde eu me encontrava, seguindo o roteiro do Caminho Primitivo.

Ao deixar o templo, aproveitei para conhecer os locais por onde eu seguiria na manhã seguinte.

Enquanto buscava as conchas bronzeadas de vieira, que estão colocadas no piso das calçadas, sinalizando o caminho para fora da cidade, pude conhecer alguns dos mais emblemáticos monumentos, além de lugares que fazem a fama dessa urbe como, por exemplo:

A estátua “Cullis Monumentales” (um enorme trazeiro) situado na rua Pelayo, em frente ao Teatro Campoamor, o “Monumento a la Concordia” (um grupo de 3 homens e 4 mulheres totalmente nus, um deles com o braço levantado, portando um pergaminho), fincado na Plaza del Carbavón, a igreja de San Juan, “El Real” (entre as ruas Campoamor, Dr. Casal e Melquiades Alvarez), convertido em um dos mais charmosos templos históricos asturianos, destacando-se seu atrativo exterior, por sua variedade policromática, dentre outros.

Fazia muito frio naquele dia, assim à noite eu optei por descansar e me preparar para o novo Caminho que iria iniciar.

Assim, depois de um singelo lanche regado a alguns copos de vinho, fui dormir.

 Peregrinos alemães em Oviedo que, como eu, iniciariam o Caminho Primitivo no dia seguinte.

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada curta, mas com algumas elevações importantes de serem vencidas, porém, sempre em meio a muito verde e bucólicas paisagens. Contudo, salvo pequenos trechos, quase 2/3 do percurso transcorre sobre piso asfáltico, o que contribui para desgastar sobremaneira o caminhante. No global, uma das etapas mais tranquilas do “Caminho del Salvador”, que eu encerrava naquela data.

 FINAL