7º dia – GRANDAS DE SALIME à FONSAGRADA

7º dia – GRANDAS DE SALIME à FONSAGRADA – 27 quilômetros

Uma vida sem desafios não vale a pena ser vivida.” (Sócrates)

Como de praxe, levantei às 5 h e, quando meu relógio marcou 6 h, pontualmente, deixei o local de pernoite e segui em direção à Colegiata de San Salvador.

O ar frio da incipiente madrugada atingiu meu rosto como um tapa.

Um vento cortante soprava rijamente do sudeste, fazendo com que a temperatura parecesse estar dez graus abaixo daquela vivenciada na porta do hostal.

Esta sempre era a parte mais dura do dia, sair do conforto da habitação e dar os primeiros passos ao ar livre, porquanto o peso da mochila também se fazia sentir com mais intensidade no princípio da jornada.

Defronte à igreja, virei à esquerda e logo passei em frente à capela “del Carmen”, onde uma placa me informava que ela fora construída no século XVIII.

A partir daquele ponto, segui por uma pista cimentada que logo transmutou-se em terra, até que, um quilômetro caminhado, eu acessei a rodovia AS-28, já na altura da aldeia de La Ferraza.

Ainda pelo asfalto, mais à frente, eu passei por Cerejeira, pequeníssima vila, onde, como nos demais locais, tudo estava silencioso e deserto.

Depois desse pueblo, caminhei mais uns 500 m, e logo apareceu um desvio que me conduziu a uma senda, à direita, em meio a muito mato e água.

Ali me pareceu existir um grande pântano, apesar da exuberante vegetação e da incipiente aurora, que não me permitiu distinguir com exatidão a paisagem.

No entanto, escutei um turbulento e persistente coaxar de rãs, algumas das quais vi a cabeça assomando fora da água.

Logo adiante passei diante da capela de la Esperanza de Malneira, outro fugaz povoado.

Albergue juvenil de Castro

E, às 7 h, após 5.500 metros percorridos, cheguei ao albergue juvenil da cidade de Castro, que também acolhe peregrino, e onde pude divisar grande movimentação em seu interior.

Como curiosidade, nessa povoação existe um sítio arqueológico famoso, bem como o Museu “del Chao Samartín”, que após extensos estudos e escavações, constatou-se cientificamente que aquele local já era habitado desde o ano 800 a.C.

Prosseguindo adiante, logo ultrapassei 4 peregrinos, na verdade, dois casais que, pelo sotaque despendido ao responderem minha saudação de “buenos dias”, deduzi tratarem-se de alemães.

O caminho prosseguiu por uma senda plana e situada entre grandes árvores, que me levou a passar diante da ermida de San Lázaro de Pedraira, que fora reconstruída em 1.689, segundo explicava uma inscrição existente em sua lateral.

Mais adiante, a senda desaguou na rodovia AS-28, seguindo eu, então, pelo seu acostamento.

Lentamente, o caminho tornou-se empinado e quase no topo de pequena elevação, adentrei na aldeia de Peñafuente, a última localidade do Principado das Astúrias, e que está situada nas faldas da serra de Acebo.

Curiosamente, ali observei a existência de uma fonte, onde existem dois canos e duas torneiras distintas, cujas águas provem de mananciais diferentes.

E a polêmica, que até hoje persisite nesse povoado, é para saber qual das duas é a melhor.

Dizem que a da esquerda é mais fria e mais eficaz para a saúde, pois verte de um aquífero subterrâneo, porém eu estava sem sede, e não pude fazer o teste para comprovar tal afirmação.

Junto à última casa da cidade, eu acessei uma trilha pedregosa e, em forte ascenso, no meio de uma campina verdejante, de onde avistei um frondoso bosque de pinheiros, que seguiu na direção sul e foi remontando em diagonal a ladeira do monte Zarro.

E depois de 1.800 metros caminhados, no topo de pequena elevação, eu transpus a “carretera”, acessei uma senda pedregosa e prossegui pelo lado oposto, agora por um caminho terrivelmente íngreme.

Ao fazer uma breve parada para descanso, pude observar ao longe o tráfego movendo-se lentamente sobre uma ponte.

Era uma segunda-feira e eu estava livre de todo o barulho e estresse.

Pois, estava aqui fora, em pleno campo.

Meu ânimo, subitamente, se fortaleceu.

O roteiro, extremamente pedregoso, seguiu em íngreme escalada, e pós mais 1.500 metros vencidos, alcancei o topo do alto “del Acebo”, situado a 1.120 m de altitude, o ponto culminante dessa etapa.

E ali me postei, por alguns minutos, embebendo o olhar no panorama circundante.

Prosseguindo, logo passei ao lado de inúmeras torres de captação de energia eólica, num local pleno de verde e todo cercado por plantações de pinheiros.

Por certo, se trata de uma zona em reflorestamento.

Já em leve descenso, encontrei uma ardósia estrategicamente colocada junto a um barranco, avisando que naquele ponto eu estava deixando as Astúrias, para adentrar na Província da Galícia.

Eu prossegui descendo, agora por uma trilha pedregosa e escorregadia e, já no plano, após atravessar a rodovia novamente, encontrei o primeiro “mojón” galego, e como pude observar, já com a sinalização prepóstera.

Porquanto, agora a vieira (concha), indica a direção com o desenho invertido, ou seja, seu lado mais aberto, ao contrário das asturianas.

Muito embora as flechas amarelas sigam apontando na mesma direção, com o que não há possibilidade de se perder.

Por sinal, nesse marco de cimento estava gravada a distância para o meu aporte à Santiago, exatamente, 170.937 metros.

Prossegui, então, num pequeno trecho, utilizando a rodovia C-630.

Depois segui à direita por um caminho empedrado, e logo passava diante do “mesón El Acebo” ou Casa Pilar, um bar/restaurante famoso naquela zona, onde poderia tomar um café ou simplemente descansar.

No entanto, eu estava bem provido, animado, de forma que prossegui adiante.

Iniciou-se breve ascenso e quando cheguei ao topo, pude visualizar ao longe, no horizonte, a uma distância de aproximadamente 10 quilômetros, a cidade de Fonsagrada, onde eu pretendia pernoitar.

Na sequência, segui avançando na direção oeste, pois o caminho faz uma grande volta nesse trecho.

Agora por uma trilha bastante arborizada, segui baixando e ascendendo suavemente, sempre paralelo à rodovia.

Nessa toada, passei pelo povoado de Cabreira e, logo depois, pela vila de Fonfria, cujo nome deriva da temperatura da água de uma manancial que brota naquela localidade.

Então, as flechas me direcionaram para a esquerda e caminhei uns 2 quilômetros por um agradável bosque de pinheiros.

Na altura do “Mesón Quatro Cantos”, eu retornei novamente à “carretera”.

A partir desse local, novamente o percurso seguiu mesclando terra com asfalto, até o povoado de Paradova.

Ali, quando ainda me faltavam andar dois quilômetros para a chegada, as flechas me direcionaram para uma estrada de terra em fortíssimo ascenso que, face o cansaço acumulado na jornada e o calor reinante, me deixou extremamente estafado.

E logo acessei a zona urbana, seguindo por avenidas largas e bem cuidadas em direção ao centro dessa progressista cidade.

Fonsagrada, cuja tradução literal seria “fonte sagrada”, atualmente com quase 5 mil habitantes, é o município espanhol com maior número de distritos, pois possui mais de 250 deles sob sua custódia.

Seu nome deriva de um suposto milagre “jacobeo”, já que uma lenda conta que Santiago quando por ali passou, foi atendido por uma pobre viúva, e em agradecimento, teria convertido a água de uma fonte local em leite, para lhe servir de alimento.

Porém, a história identifica esse nome com a estação romana “Fontem Albei”, que já existia ali, dentro do itinerário do século IV, desde as Astúrias a Lucus Augusti.

Por sinal, a nascente, devidamente canalizada, ainda subsiste e está alocada no átrio da igreja matriz desse povoado, que homenageia Santa Maria.

Ali fiquei muito bem hospedado no hostal Cantábrico, que dispõe de excelentes instalações.

E para almoçar, utilizei os serviços do restaurante O’Caldeira, famoso por ser considerado, segundo os guias, uma das melhores “pulperias” daquela região.

À tarde, depois de uma “siesta” restauradora, dei um grande giro pelas imediações, aproveitando a ocasião para me prover de alimentos num supermercado, bem como observar atentamente o local por onde eu transitaria no dia seguinte, ao deixar a cidade.

Ao retornar, encontrei com um peregrino espanhol, de nome Celsio, que havia conhecido em Berducedo, quanto ali pernoitamos, ao término de minha 5ª etapa.

Ele estava chegando naquele momento e, apressado, se dirigia ao albergue situado no município de Padrón, localizado dois quilômetros à frente.

Conversamos rapidamente, pois ele estava bastante cansado e com medo de não encontrar lugar ainda disponível naquele “refúgio”, porquanto, segundo ele, houvera um aumento expressivo de caminhantes naquele dia.

Numa praça, dentro de um abrigo existente em um ponto de ônibus, pude observar um grupo de aposentados, alguns com idade bastante avançada, conversando animadamente.

Parei alguns instantes para fotografá-los, ainda que de longe, e me emocionei com a cena, vez que aquela era uma bonita estampa a emoldurar o entardecer de suas vidas.

À noite, como de praxe, em face do frio reinante, pois eu me encontrava a quase 1.000 metros de altitude, optei por me recolher em meu quarto e ingerir parco lanche, que preparei com as provisões adquiridas a pouco.

E logo relaxei numa profunda e revigorante noite de sono. 

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada de razoável extensão e que, nos 12 primeiros quilômetros, segue sempre em perene aclive, tendo como dificuldade principal a superação do alto de “El Acebo”. Além disso, os derradeiros 2.000 metros, quando o peregrino já se encontra bastante fatigado, são também vencidos por uma íngreme escalada. No entanto, de grata lembrança, pelo festivo aporte à Galícia, com sua verdejante paisagem que ladeia o caminhante por todo o percurso.