19ª Etapa – O PORRIÑO à PONTEVEDRA – 36 QUILÔMETROS

19ª Etapa – O PORRIÑO à PONTEVEDRA – 36 QUILÔMETROS – “A CAPITAL DO CAMINHO PORTUGUÊS NA GALÍCIA

“As rias Baixas se interpunham em tempos medievais, como um poderoso obstáculo ao avanço dos peregrinos pela costa galega. Os diversos caminhos a Santiago que partiam de Portugal deviam rodear estes estuários em busca de pontes para cruzá-los, ou de barcas que prestavam esse serviço entre as margens, dado que a tecnologia medieval não permitia ainda a construção de pontes tão soberbas como a de Rande, que hoje transpõe a ria de Vigo. Desde Redondela, o Caminho Português bordeja a ria viguesa, em busca de Ponte Sampaio, sobre o rio Verdugo, para ali cruzar esse braço de terra que separa a ria seguinte, a de Pontevedra. Se trata de uma etapa larga e difícil, sendo que discorre quase que totalmente por asfalto, mas oferece os primeiros “tramos” de pura natureza galega, com vistas panorâmicas sobre a ria de Vigo. O final da etapa se situa em Pontevedra, a capital do Caminho Português na Galícia, onde nos espera a Peregrina, uma Virgem muito jacobeia.” (Traduzido/transcrito do Guia El País Aguilar, edição do ano de 2007, que utilizei na viagem)

 

O percurso prometia ser difícil e longo, além do que estávamos num 1º de maio, feriado mundial, quando tudo permanece fechado, de maneira que resolvemos sair bem cedo, como forma de aproveitar bem o dia.

Dessa forma, deixamos o local de pernoite às 5 h e 30 min, seguindo à direita pela Rua Ramiranes, até sair numa grande rotatória.

Ultrapassado esse obstáculo, acessamos novamente a rodovia N-550, praticamente deserta naquele horário, e pelo acostamento caminhamos 6 quilômetros, até adentrar à esquerda, numa estrada de terra.

A sinalização estava excelente, mas para sanar possíveis dúvidas, eu portava minha potente lanterna, vez que o dia ainda se apresentava escuro e neblinoso.

Depois de vencer pequeno outeiro, dobramos à direita e logo passamos diante do palácio de Mos e, na sequência, defronte à igreja de Santa Eulália do Monte, já na cidade de Mos.

Por sinal, nela existe um pequeno e acolhedor albergue, que abriga os peregrinos.

Tudo permanecia silencioso e fechado na pequena vila, de maneira que prosseguimos adiante, agora ascendendo por um caminho asfaltado, situado entre um frondoso bosque.

Com o dia mais claro, iniciamos ali o aporte a um dos lugares mais emblemáticos do Caminho Português, a travessia da Rua dos Cavaleiros.

Mais acima, quando acessamos um pequeno platô, passamos pelo “Cruzeiro de los Cabaleiros”, uma cruz talhada no século XVIII por ordem de um benfeitor, ao redor da qual se reuniam os cavaleiros daquela comarca.

Trata-se de um cruzeiro policromado, e em sua base há sempre flores depositadas ou plantadas, onde existe uma inscrição desejando “Buen Camiño” a todos os peregrinos.

O roteiro prosseguiu em ascenso por uma pequena rodovia asfaltada, que coincide com o traçado da calçada romana XIX, entre Bracara a Asturicam (Braga a Astorga).

Segundo um famoso historiador português, até uns 30 anos atrás, ainda era possível avistar as pedras da via imperial naquele local, porém elas infelizmente desapareceram quando se asfaltou essa “carretera”.

O caminho prosseguiu bem sinalizado, sempre em constante ascensão, envolto pela serenidade do rural galego, até que aportamos ao alto do monte de Santiago de Antas, onde existe uma singela capela.

Neste local nós ultrapassamos 2 peregrinos ainda ritmo lento e passos curtos, se aquecendo para a jornada que iniciavam.

Suas fisionomias me pareceram familiares, de maneira que após cumprimentá-los, indaguei-lhes a procedência, que confirmaram ser de país vizinho ao Brasil, do Peru.

Trezentos metros à frente, em pleno caminho, encontramos um monólito alusivo ao Caminho Português e a via romana, pois ambos passavam por esse mesmo lugar.

Mais à frente, deparamos com o miliário de Vikar-Guizán-Louredo, que demarcava a passagem da via XIX por este local.

Então, principiamos a descender, primeiramente por asfalto, depois por uma via florestal, localizada entre copadas árvores.

Do outro lado, ultrapassamos a rodovia que segue em direção à Padrón, e começamos a subir novamente, pelo Caminho Coto do Gran, uma rampa bastante empinada, feita com cimento rugoso.

Dali, nós tínhamos uma visão privilegiada do vale de Maceiras, ao fundo, por onde iriamos transitar em seguida, contemplávamos, inclusive, um trecho salgado da ria de Vigo e, assomando ao longe, o monte do Viso.

Na sequência, voltamos a descer, e depois de uma longa e tediosa declividade, localizada entre bonitas chácaras, depois de 15 quilômetros percorridos, adentramos em Redondela tal qual se fazia em priscas eras: passando diante do convento de Vilavella, uma construção de 1554.

Esta urbe também é conhecida como a “Cidade dos Viadutos”, por conta das inúmeras pontes de ferro existentes para o trânsito dos trens, que a cortam sobre vias aéreas.

O primeiro grande viaduto data de 1876, porém o segundo que avistamos, em cor escura, foi edificado em 1884 e, segundo comentam os moradores, o engenheiro responsável pela obra acabou se suicidando, logo após a sua inauguração.

Porque, segundo ele, os informes técnicos afirmavam que sua estrutura estava mal calculada e não suportaria o peso dos vagões ferroviários, no entanto, passados mais de cem anos de funcionamento, ele permanece em pé, e não apresenta risco de ruir.

A cidade é acolhedora, bonita, e o caminho está muito bem sinalizado, assim, depois de transitar por ruas calmas e limpas, acabamos por sair na Praça de Ribadavia, onde se encontra o Albergue público Casa da Torre.

Ali pudemos observar alguns ciclistas se preparando para iniciar sua jornada, outros arrumando suas bikes.

Nesse movimento frenético, fizemos uma pausa para fotografar o edifício, depois prosseguimos em frente.

Em determinado local, a rua se bifurcou e por distração nós prosseguimos à direita, sem observar as flechas sinalizadoras.

Num cruzamento, mais acima, enquanto buscávamos orientação para qual rumo tomar, eis que escutei uma velha senhora, que se encontrava numa sacada assobradada logo em frente, sinalizando, aos berros, que deveríamos baixar à esquerda, pois estávamos no caminho errado.

Surpresos, agradecemos por sua atenção, descemos como ela havia ordenado e, na próxima esquina, nos reencontramos com as benfazejas setas amarelas.

Mais adiante, passamos por Cesantes, depois prosseguimos um pequeno trecho pela rodovia N-550, giramos à direita, e principiamos a subir, desta vez pelo Caminho do Loureiro do Viso, uma encosta bastante empinada.

No meio da ladeira, topamos com uma grande área de descanso à esquerda, onde foram alocados bancos e mesas, para o merecido descanso dos caminhantes, num local onde se encontra o Cruzeiro de Outeiro de Penas.

Prosseguindo, já no topo do morro, o caminho passou a ser plano e, por ele, nos internamos num frondoso e fresco bosque que, após 2 quilômetros, desaguou numa rodovia vicinal, de onde tivemos uma visão estupenda da belíssima ria de Vigo.

Após uma pausa para fotos e hidratação, prosseguimos em descenso e logo acessamos novamente a rodovia N-550, num lugar extremamente perigoso, onde precisamos atravessar para o lado oposto.

Principiamos a subir novamente, ainda por asfalto e logo adentramos em Arcade, uma localidade grande, famosa por suas ostras e cebolas.

Primeiramente, fomos à esquerda, caminhamos por ruas desertas, depois atravessamos novamente a rodovia, para transitar pelo centro do povoado, onde passamos diante de 2 igrejas importantes.

Uma delas, do século XVIII, dedicada a San Salvador de Soutomaior, e outra do patrono Santiago de Arcade, uma construção do século XII, que sofreu várias alterações por reformas posteriores.

O trajeto muito bem sinalizado, nos levou, em descendente, por ruas empedradas, até sairmos na histórica Ponte Sampaio, uma das mais famosas e bonitas travessias do Caminho Português.

Inaugurada em 1795 sobre o rio Verdugo, um belo curso d’água, afluente da ria de Vigo, possui dez arcos de pedra, com “tajamares” de ambos os lados.

Em 1809, ela foi cenário de uma importante batalha, na qual o povoado armado freou o avanço das tropas napoleônicas, comandadas pelo general Ney, que ali aportaram procedentes de Pontevedra, no dia 06 de junho, com a intenção de reconquistar Vigo.

Naquele local, ele topou com moradores da cidade fortemente armados e comandados por alguns oficiais, clérigos e fidalgos, que lhe fez frente heroicamente, forçando sua retirada no dia 09 de junho, com todas as suas tropas, e a ocupação napoleônica na Galícia principiou a declinar.

Foi o episódio mais parecido com a batalha de Waterloo na história da Espanha, segundo o Presidente da Associação Provincial dos Heróis da Guerra da Independência 1809-Pontevedra.

Por sinal, uma placa colocada na entrada da ponte, recorda este magnânimo feito.

Após as fotos de praxe, transpusemos o rio e passamos a transitar pela cidade de Pontesampaio em forte ascenso, até que deixamos sua zona urbana e acessamos uma belíssima trilha florestal.

Nesse ponto, nós ultrapassamos um grande grupo de caminhantes, em sua maioria jovens, que portavam pequenas mochilas, e possivelmente aproveitavam o feriado para fazer um passeio campestre.

Depois de atravessar a medieval “Ponte Nova”, encontramos um formoso e fresco bosque à nossa frente, composto de carvalhos e eucaliptos.

Então, adentramos a um dos “tramos” mais belos do Caminho Português, a chamada “Brea Vella da Canicouba”, um antiquíssimo caminho frequentado desde épocas remotas.

Nela é possível perceber as profundas marcas das rodas dos carros nas velhas pedras que compõem seu piso, e o trajeto segue até onde se encontram as ruínas (só resta a base) do Cruzeiro de Cacheiro.

Pelo seu traçado, ali passava a antiga calçada romana, fato confirmado devido à descoberta de miliários ao longo do seu percurso.

Inclusive, há homenagens ao imperador Adriano, cujo reinado terminou no ano 134.

Como é sabido, trata-se de um caminho verdadeiramente milenar.

Atualmente, ele segue sempre ascendente, em meio a frondoso bosque de castanheiras e eucaliptos, cortando inúmeros regatos, de forma que enfrentamos trechos com bastante lama e água.

No final de uma íngreme aclividade, nós giramos à esquerda, e logo saímos numa rodovia asfaltada, que nos levou a passar por Ganderón, já no vale de Tomeza, em meio a pomares, hortas e vinhedos.

Rapidamente o percurso foi se urbanizando e, nesse trecho final, passamos por várias e minúsculas vilas, como Pobo, Ponte Condesa e Ponte Couto, até aportarmos diante da estação ferroviária, localizada na entrada da cidade de Pontevedra.

Então, passamos sob as vias férreas, depois por ruas e avenidas bem sinalizadas, logo chegamos ao centro urbano, no momento em que ocorriam manifestações pacíficas de vários Sindicatos, em face da comemoração, naquela data, do Dia do Trabalho.

E foi através das informações colhidas junto a um peregrino espanhol, o Sr. Tomás, que conseguimos localizar o excelente Hotel do Comércio, construído naquela zona cêntrica, onde ficamos hospedados.

Por sinal, o informante, em descanso numa praça, antes de prosseguir sua jornada, comentou que iria pernoitar no albergue de Barro, dez quilômetros à frente.

Para almoçar, utilizamos os serviços do próprio restaurante do hotel, onde pagamos apenas 8 Euros para degustar um excelente e bem nutrido “Menu del Peregrino”.

 

Pontevedra é filha da planificação romana do território e do Caminho de Santiago.

Foram os engenheiros imperiais que desenharam o traçado da principal via de comunicação entre os três centros urbanos e de caráter administrativo, Braga, Lugo e Astorga, na remota calçada romana número XIX, segundo o itinerário de Antonino.

Eles previram uma povoação às margens do rio Lérez, a que chamaram de Turoqua, e pouco depois se construiu também a primeira ponte de pedra sobre essa via líquida, a “Pontus Veteri”, pelo qual se sabe, através das crônicas do século XII, que ela ainda existia naquela época, porém em total ruína.

Em 1988, se encontrou na cabeceira da ponte um miliário dedicado ao imperador Adriano, falecido em 138, que confirma a passagem da calçada romana por esse lugar.

Quando o rei Fernando II, em 1169, outorgou foros a cidade, deu ordens também para que se iniciasse a construção de uma nova ponte, base daquela que hoje ainda existe.

As ruínas da cidade e da ponte romana desapareceram, porém seu nome, Pontevedra, e sua história permaneceram, e ainda hoje seu “casco antíguo”, é um núcleo de ruas talhadas em granito, que na temporada de chuva se cobre com a pátina da nostalgia.

 

Depois de merecido descanso, porquanto a jornada fora longa e bastante difícil, nós saímos conhecer a cidade, e primeiramente fomos visitar a Igreja da Peregrina, cuja construção data do século XVIII.

Como curiosidade, sua planta tem a forma de concha, sua fachada é barroca, e ela alberga em seu interior a imagem da Virgem Peregrina vestida de romeira.

Durante muitos séculos ela assistiu à passagem de peregrinos, e todos ali paravam para render homenagem à Peregrina, a Virgem mais jacobeia, patrona da Província e do Caminho Português.

O templo está edificado na praça de mesmo nome, próxima da Porta do Caminho, antigo portão da cidade amuralhada, por onde adentravam os caminhantes procedentes de Redondela.

Depois seguimos para a Praça das Herrerias, sem dúvida, o retrato mais típico da cidade, porquanto, conjugada com a Praça de Orense, a da Estrela e com os Jardins de Castro São Pedro, formam um local emblemático e inesquecível.

Também situada nesse largo espaço, está a “Casa de Los Barbeitos”, que chama a atenção pela quantidade de rostos que existem em sua fachada.

Posteriormente, visitamos demoradamente todo o “casco viejo” e, seguindo as setas amarelas, fomos admirar a “Puente del Burgo”, existente sobre o rio Lérez, por onde transitaríamos na jornada seguinte.

À noite, optamos por ingerir um singelo lanche no bar do próprio hotel, posto que não havia comércio aberto.

Ali pudemos conhecer e confraternizar com o simpático garçom Juan, que residiu durante muitos anos no Brasil, e nos tratou de forma carinhosa.

Mas logo me recolhi, pois fora um dia bastante agitado.

 

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada extensa, cansativa, mas plena de muito verde e pontos de interesse, que remontam à época medieval. Embora a maior parte de seu traçado transcorra em asfalto, existem inúmeras atrações no roteiro, a começar pela vista da maravilhosa ria de Vigo. De se ressaltar, ainda, a passagem pela Pontesampaio, bem como o trânsito pela calçada romana “Brea Vella da Canicouba”. No geral, uma etapa difícil, mas com inúmeros “tramos” históricos e atrativos para ser admirados.

20ª Etapa – PONTEVEDRA à CALDAS DE REIS – 24 QUILÔMETROS