22ª etapa: SARRIA à PORTOMARIN – 26 quilômetros

22ª etapa: SARRIA à PORTOMARIN – 26 quilômetros

Comparada com a anterior, a jornada desse dia seria um mero passeio, visto que não apresentaria acidentes altimétricos importantes, e eu já conhecia o trajeto de sobejo, pois o sobrepujara nos anos de 2001 e 2004.

Assim, calmamente me preparei para aquela etapa e, deixei o local de pernoite, quando o dia já clareara.

Mais um amanhecer no Caminho.

Rapidamente localizei as flechas amarelas, marchei em direção à saída da cidade, e logo adentrei em larga e fresca estrada de terra, que seguiu plana, em meio a imensas plantações de feno.

Caminho entre campos de feno, recém ceifados.

Logo localizei, no mínimo, 7 peregrinos caminhando à minha frente, o que não me surpreendeu, pois muitos iniciam seu Caminho a partir de Sarria, a maioria objetivando apenas fazer jus à Compostelana.

Enquanto o dia raiava à minha retaguarda, eu atravessei as linhas férreas, fleti à direita, enfrentei leve ascenso por um maravilhoso bosque de carvalhos e, mais acima, passei a caminhar no plano, em meio a muito verde.

No caminho, próximo à Barbadelo.

E logo cheguei à Barbadelos, onde alguns peregrinos já se aqueciam ou ingeriam seu desjejum, num bar localizado na entrada da vila.

Adentrando à Barbadelo.

São somente 5 quilômetros de Sarria até Barbadelo, um pequeno povoado, bastante emblemático e famoso no Caminho de Santiago.

O destaque está para a natureza que habita o bosque, local onde se caminha tranquilo em lento ascenso, logo após a travessia da linha férrea, onde há inúmeros carvalhos centenários, e muitas pessoas dizem “enxergar” seres mitológicos.

Bosque centenário existente antes do aporte à Barbadelo.

Barbadelo possui um bom albergue (da Junta da Galícia, localizado no prédio onde funcionavam as antigas escolas), e uma boa casa Rural, onde o peregrino poderá fazer sua refeição.

Ao lado do albergue há um trailer, que “quebra o galho” do peregrino em caso de fome ou sede.

A vila possui uma preciosa igreja românica galega, do século XII tardio, cuja beleza é citada no Código Calixtino e, além de ser dedicada à Santiago, também foi convertida em patrimônio artístico cultural.

Em edificação primitiva, ainda pode ser admirada a nave, suas portadas e arquivoltas, de meio ponto, abocinadas.

Em seu pórtico existem elementos iconográficos de rara beleza, e em seus capitéis ostentam motivos zoomorfos, como pássaros e outros animais, e distintas figuras humanas.

Sabe-se da existência de um monastério, que dependia da Abadia de Samos.

Além disso, Barbadelo era na época medieval, junto com Triacastela, um lugar eleito pelos espertalhões para enganar os sofridos peregrinos.

No caminho, em direção à Rente.

Eu atravessei calmamente a minúscula vila, e logo adentrava em outro fantástico bosque de robles, agora em direção à Rente.

Par de botas abandonada por algum peregrino.

Em determinado trecho, pude fotografar sobre um muro, um par de botas ali deixado por algum peregrino, verifiquei que os calçados se encontram descolados, rotos e extremamente tortos e desgastados, certamente, fruto do esforço dispendido até aquele local.

Fonte do ano de 2004, onde matei minha sede.

Logo alcancei uma fonte, inaugurada no Ano Santo de 2004, e ali fiz rápida pausa para hidratação.

O roteiro prosseguiu belo e fresco, alternando trechos com bosques nativos, e outros onde eu podia admirar enormes plantações de feno, visto que a Galícia tem como atividade principal a criação de gado leiteiro.

Muito verde no entorno, roteiro belíssimo!

Muitos peregrinos seguiam à minha frente e, como eu estava mais forte e leve que muitos deles, fui ultrapassando-os, sem pressa, sempre saudando-os com um sonoro “Olá”, “Buenos Dias, “Bom Camiño”, como é praxe no roteiro.

Caminho bucólico e silencioso, sempre em meio à exuberante natureza.

Em determinado local, ultrapassei uma peregrina idosa, mas que caminhava com desenvoltura e, fato inusitado, afora o chapéu branco, estava trajada com roupas e mochila de um vermelho exuberante, capaz de provocar o mais manso dos touros espanhóis.

Peregrina "rubra"!

Sem maiores problemas, passei pela pequena vila de Bréa e, num local emblemático e já meu velho conhecido, pude fotografar o “mojón” número 100, sinal de que me restavam 100 quilômetros para chegar ao meu destino.

A Galícia é bela e plena de muito verde.

Por sinal, ali existia um cartaz deixado por um grupo brasileiro, composto de 14 pessoas, que vim a conhecer e com quem pude me confraternizar na jornada sequente.

A partir deste monjón, restam só 100 quilômetros até Santiago.

Infelizmente, esse mítico marco está integralmente sujo e pichado, algo extremamente raro de se ver em terras espanholas, onde o povo é culto e ciente de seus direitos e obrigações.

Prosseguindo, após uma curva fechada, encontrei um bar aberto, onde inúmeros peregrinos tomavam café, lanchavam, ou ingeriam outro tipo de bebida, em meio a uma sonora balbúrdia e animação.

Eu adentrei ao ambiente com a intenção de ingerir um café, porém desanimei, pois havia ali mais de 20 pessoas aguardando para serem atendidas, e apenas uma senhora atendia o balcão.

Aproveitei, então, para “sellar” minha credencial, depois prossegui em frente.

Passarela empedrada, um conforto para os pés peregrinos.

Lembro-me que em 2004, no trecho sequente, chovia muito e como precisei dividir a trilha com rumoro riozinho que extrapolara seus limites, molhei pés e botas até a canela, algo difícil e duro de suplantar, pois não sabia onde eu estava pisando.

Atualmente, nesse tramo foi edificada uma passarela empedrada, o que propicia mais conforto e segurança ao caminhante.

Caminho bucólico e fresco.

Nesse toque, ultrapassei a pequena vila de Ferreiros e, mais adiante, As Rozas, minúsculos povoados que não oferecem serviços básicos aos peregrinos.

Vejam essa oferta peregrina, isto jamais aconteceria no Brasil.

Contudo, nesse último povoado tive a agradável surpresa de encontrar numa porta uma mesinha oferecendo frutas e água fresca, onde o peregrino poderia, se quisesse, fazer singela doação ou mesmo o troco, pois havia uma concha contendo moedas ao lado.

São estas benesses que encantam e emocionam o peregrino!

Infelizmente, coisa impensável no Brasil onde, com certeza, já teriam levado as mercadorias e, se bobeasse, a mesinha também.

Ao fundo e abaixo, a cidade de Portomarín.

Eu passei pelo povoado de As Cortes e, no cimo de pequeno morro, já podia avistar, ao longe e num vale, a cidade de Portomarín, minha meta para aquele dia.

Vilachá, outro minúsculo povoado galego.

Então, iniciou-se um extenso descenso, que me fez transitar por Vilachá e, mais abaixo, por dentro de um espesso bosque de pinheiros, até sair numa rodovia asfaltada.

Ponte sobre o rio Minho.

E, por ela, eu atravessei uma ponte e transpus o Embalse de Belezar, onde está represado o rio Minho.

Chegando à Portomarín.

Já do outro lado, precisei vencer uma íngreme escadaria, depois, por ruas calmas e sossegadas, adentrei ao centro da cidade e, na sequência, me hospedei numa pensão onde havia feito reserva.

 

Prédio onde se localiza "Ayntamiento" de Portomarín.

Antes de chegar à Portomarín, o peregrino passa por diminutas aldeias, ou melhor, localidades.

Brea – possui apenas uma pequena ermita, que os peregrinos usam para deixar avisos e mensagens, e logo mais à frente, encontra-se o mítico marco do quilômetro 100, onde os peregrinos também deixam suas mensagens.

Ferreiros – como seu nome indica, era uma localidade onde eram oferecidos serviços de consertos de calçados e de colocação de ferraduras nos cavalos, sendo que ao lado do Caminho, há uma igreja com uma preciosa portada românica.

Igrejinha e cemitério localizados em Ferreiros.

Mercadoiro – não possui nada além de um belo albergue ao lado do Caminho, em um casarão reformado do século XVII, que foi um antigo hospital de peregrinos, onde o destaque são os banheiros com ducha circular.

Para onde se olhe na Galícia, sempre haverá extensas áreas verdes.

Vilachá – Nenhum serviço oferece ao peregrino, mas no plano cultural/religioso, há o fato de que neste lugar, no ano de 1172, doze cavaleiros se uniram e juraram dar proteção aos peregrinos contra os assaltos muçulmanos, nascendo, assim, a Ordem dos Cavaleiros de Santiago.

Represa de Portomarín.

Portomarín se formou de ambos os lados da ponte que foi construída pelos romanos no século XII.

Esta ponte, a de Lugo e a de Ourense eram as únicas formas de atravessar o rio Minho sem utilizar embarcações, razão pela qual a rota dos peregrinos passava por esta cidade. Na margem esquerda, existia a vila de San Pedro de Portomarín, e na margem direita, a vila de San Juan de Portomarín.

Em 1960, com a construção da represa no Rio Minho, a parte antiga de Portomarín foi inundada, e os restos da ponte medieval que fora destruída por Dona Urraca, para impedir o avanço das tropas do seu marido – Alfonso “el batallador”, foi reconstruída por volta do ano de 1121, por Pedro, o Peregrino, sobre quem nada se sabe.

Famosa igreja de San Nicolás, em Portomarín!

Com isso, as edificações mais relevantes foram transladas, pedra por pedra, no novo assentamento.

Assim ocorreu com a igreja de San Juan (atualmente San Nicolas), a fachada da igreja de San Pedro, a casa consistorial e o paço do conde de Maza.

No caso da igreja de San Nicolas, que foi edificada entre os séculos XII e XIII pelos monges cavaleiros da Ordem de San Juan de Jerusalém, com características de fortaleza defensiva, ainda podem ser vistas as numerações das pedras em uma de suas laterais.

Também, é da Ermita de N. Sra. De lãs Nieves que se pode ter uma das melhores vistas de Portomarín

A cidade apresenta todos os serviços para o peregrino, com fartura de bares, restaurantes, albergues e hostais.

Albergue de peregrinos de Portomarín.

Nos tempos do Império Romano o local era denominado Pons Minei (Ponte do Minho) ou Portus Minei (Porto do Minho), e nas crônicas dos séculos IX e X, já assume o nome de Locum Portomarini.

Os principais marcos históricos de Portomarín são a igreja de San Pedro, consagrada em 1182, e a igreja de San Juan, também do século XII, construída no velho estilo românico, conhecido como igreja-fortaleza.

Nos arredores da cidade está o mosteiro de Vilar de Donas, onde eram sepultados os Cavaleiros de Santiago.

Na margem esquerda do rio, erguia-se o antigo mosteiro de Santa Cruz de Loyo, dos cavaleiros templários, de cujos vinhedos se obtinha o tradicional aguardente de Portomarín, sendo que no domingo de Páscoa era celebrado o "dia do aguardente", ocasião em que a bebida era destilada na praça central, até o anoitecer.

Vista da represa, desde a cidade de Portomarín.

Em 1962, a cidade histórica foi inundada pelas águas represadas do rio Minho.

Porém, antes que isto acontecesse, as igrejas de San Juan e de San Pedro, os palácios do Conde de la Maza (do século XVI), o dos Pimenteles (do século XVII), e a capela da Virgen de las Nieves, foram demolidos cuidadosamente, e suas pedras numeradas uma a uma, e a seguir reconstruídos, em um trabalho de paciência infinita, pedra por pedra, onde hoje está situada a cidade nova, em um ponto mais alto da margem do rio.

Quando as águas baixam, na época da seca, ainda se veem as casas da antiga cidade, os tocos das antigas vinhas, e os restos da velha ponte secular.

Saindo de Portomarín, o peregrino chegará a Palas de Rei ou Palas del Rey, denominada Pallatium Regis pelos romanos, isto é, "palácio do Rei".

Provavelmente, seu nome é referência ao rei visigodo Witiza (701 - 709), que ali viveu há 1300 anos.

 

Reencontro surpreendente com o Írio, que havia conhecido muitos dias antes no albergue de Nájera.

À tarde, após lauto almoço, fui até o albergue carimbar minha credencial e ali tive o prazer de reencontrar o Irio, peregrino brasileiro de Santa Catarina que, com problemas nos joelhos, tivera que saltar algumas etapas.

Mas, já estava devidamente medicado e esperava chegar à Santiago como todos os outros: caminhando pelas próprias pernas.

A rua principal de Portomarín.

Pouco depois, fui apresentado ao Fernando, o guia do grupo brasileiro que havia deixado um cartaz no quilômetro 100, e ele me contou que o pessoal estava num albergue na entrada da cidade.

Eles haviam iniciado o Caminho no Cebreiro e, me confirmou que, certamente, nos encontraríamos no Caminho na jornada seguinte, o que realmente aconteceu. 

 

23ª etapa: PORTOMARÍN à PALAS DE REI – 26 quilômetros