10ª etapa: OURO FINO à BORDA DA MATA – 30 quilômetros

10ª etapa: OURO FINO à BORDA DA MATA – 30 quilômetros

Levantei às 4 h 30 min e abri a janela do meu quarto, que dava para os fundos do quintal do proprietário do estabelecimento.

Assim, pude ver que o céu estava plúmbeo e uma chuva fria e persistente, mostrava o tom de como seria o meu dia.

Animado pelo frescor da madrugada, envidei os afazeres de todo o caminhante e, às 5 h 30 min, deixei o local de pernoite, seguindo por ruas vazias, silenciosas e úmidas.

O ar estava frígido, mas balsâmico, pelo agradável perfume que rescendia de um pé de flores de dama da noite plantado num jardim por onde passei.

Mais acima, transitei defronte à igreja matriz, depois principiei a descer por uma rua calçada por paralelepípedos.

Uma fina garoa, quase imperceptível, permitiu que eu seguisse apenas com meu blusão impermeável.

Dois quilômetros depois o asfalto findou e iniciou-se uma agradável estrada de terra.

Como chovera durante a noite, as poças d’água se acumulavam nos baixios.

E, naquele horário a passarada acordava feliz, gorjeando alegremente, após tantos dias de mormaço forte.

Terra, plantas e animais matavam a sede e a vida ao meu redor parecia renovar-se.

Prossegui sempre em leve aclive, porém, quinze minutos depois a chuva recrudesceu.

Isto me obrigou a fazer uma parada técnica e providencial, para vestir minha capa de chuva e colocar o boné na cabeça.

Esse primeiro trecho, que corresponde à antiga “Estrada Velha”, foi denominada de “Estrada dos Santos Negros” por decreto municipal, e sua inauguração ocorreu em 13 de maio de 2.009.

Nela foram imortalizados São Benedito, Santa Ifigênia, Santa Bakita, Santo Antônio de Categeró, dentre outros menos conhecidos, com a colocação de estátuas e histórias do homenageado, a cada trezentos metros.

Esse percurso é extremamente agradável, por ser todo arborizado, e propiciar vistas preciosas da paisagem circundante.

Uma longa e prazerosa ascensão me levou até o topo de um morro, enquanto lentamente minha musculatura se aquecia.

A partir dali, o caminho bastante largo conduziu-me, em suave descenso, em meio a bosques de eucaliptos e outras árvores, rodeado por bucólicos cenários de belezas indescritíveis.

Infelizmente, pela nebulosidade existente na atmosfera, parte do encanto foi desperdiçado, porém, em compensação, a manhã se mostrava maravilhosa, hidratada e fresca, bem diferente daquilo que eu vivenciara no dia anterior.

Cinco quilômetros percorridos e eu passei pela divisa dos municípios.

Apesar de prosseguir por um piso bastante liso e embarreado, foi, sem dúvida, o trecho mais fácil e agradável que trilhei nesse dia.

E, às 7 h, após transpor a ponte sobre o rio Mogi-Guaçu, cheguei à cidade de Inconfidentes.

Esse Município, com 6.500 habitantes, situa-se numa altitude de 869 metros, e é repleto de atrações naturais. 

A cidade é conhecida, também, como a “terra do crochê e do alho” e sua Igreja Matriz tem como padroeiro São Geraldo Magela.

Por conta do horário matutino, infelizmente, o famoso Bar do Maurão, um dos locais mais famosos de todo o Caminho da Fé, ainda se encontrava fechado, assim, perdi a oportunidade de cumprimentar essa figura ímpar do roteiro.

Deixei a cidade, caminhando pelo acostamento da rodovia que liga Inconfidentes à Pouso Alegre. 

Nem bem tinha percorrido 500 metros, quando desabou uma forte tempestade, acompanhada de relâmpagos, trovões e fortíssimas rajadas de vento.

Infelizmente, não encontrei local para me abrigar, assim, prossegui adiante.

Depois de uns três quilômetros, finalmente, eu adentrei à esquerda, numa via vicinal de terra, larga e arborizada. 

Nesse local existe uma guarita num ponto de ônibus que, por sorte, estava vazia, e me serviu como abrigo, pois ali pude me hidratar, ingerir uma fruta e fazer um inventário completo de meus pertencentes, enquanto aguardava a chuva amainar.

Meia hora depois, o temporal cessou e pude prosseguir meu périplo, agora em direção à Fazenda Santo Estevão.

A estrada por onde segui estava bastante movimentada, com intenso tráfego de veículos.

Em suas margens pude verificar que há inúmeras residências e alguns bares.

Seis quilômetros depois, passei defronte ao Albergue Águas Livres, mas não entrei para carimbar minha credencial, porque o portão da chácara se encontrava fechado com um cadeado, e o silêncio naquele lugar me fez deduzir que não havia ninguém ali no momento.

O Caminho, a partir dali, é bastante agradável e solitário, com muitas árvores, alguns cafezais, e enormes fazendas de gado leiteiro.

Às 8 h 30 min, quinze quilômetros percorridos, eu cheguei a uma bifurcação e, obedecendo à sinalização, segui à direita e logo enfrentei a primeira grande serra do dia.

Quando aportei em seu cume, descortinou-se uma paisagem deslumbrante, uma visão panorâmica imorredoura, que ficará gravada em minha mente, em razão da beleza das pastagens de verde vibrante, entrecortadas de frondosas árvores.

A partir dali, já descendo, entrei numa estrada bucólica, cercada por altos pés de eucaliptos, que aos poucos se transformou numa cerrada mata.

De repente se abriu em minha frente outra bela paisagem, constituída por um campo verde, com pequenas colinas, cheio de árvores floridas, mormente paineiras e ipês amarelos, como em homenagem a data, posto que a primavera se iniciava naquele dia.

Na verdade, eu estava atravessando um local nominado "córrego da onça", onde pude curtir a natureza em toda a sua plenitude, ouvindo o barulho das águas e inúmeros pássaros a cantar.

Sozinho na trilha apreciei, maravilhado toda aquela beleza à minha volta.

Logo à frente, tive uma agradável surpresa ao encontrar, num local arborizado, uma bica d’água com uma torneira jorrando, onde existia uma placa indicativa, ao lado, explicando: “Água potável, gentileza do Sr. Joaquim”. 

Outra placa ainda oferecia duchas e sanitários, exclusivamente para peregrinos, distante 60 metros, à direita.

O líquido transparente e gelado proporcionou-me dessedentar com avidez.

Aproveitei, também, para tomar um “mini” banho, molhando cabeça, pescoço e braços.

O Sr. Joaquim Moreira mora numa chácara em frente ao local, e foi quem construiu a “fonte” naquele aprazível lugar. 

Não tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente, porém, soube pelo próprio Maurão, quando de minha peregrinação em 2.005, que ele, além de grande benfeitor é, também, um dos maiores aficionados do Caminho da Fé.

A oportuna pausa forneceu-me providencial energia, porque mais à frente enfrentei empinada e ríspida subida.

Mais abaixo, num local plano, eu atravessei a divisa dos municípios, deixando Inconfidentes, para adentrar ao de Borda da Mata.

Depois de caminhar pelo cume do morro por um bom tempo, num local pleno de árvores, iniciou-se violento descenso, que se prolongou por uns dois quilômetros, sempre em meio a inúmeras fazendas de gado.

A natureza também foi pródiga com este trecho, pois avistei belas colinas, matas nativas e pequenos riachos.

Já no plano, andei por uns duzentos metros, depois teve inicio outra ríspida ascensão, que fui vencendo lentamente, porquanto o clima persistia frio, o dia nublado, mas a chuva, providencialmente, dera uma pausa.

Ao atingir o topo, pude avistar ao longe a cidade de Borda da Mata, meu objetivo naquele dia.

Enfrentei, então, brusca descida, e ao final desta, depois de leve ascensão e mais uma grande subida, adentrei a zona urbana da cidade, trilhando em meio a pequenas chácaras e sofisticadas construções.

Após atravessar uma larga avenida asfaltada, segui por uma rua secundária até o Hotel Village, onde me hospedei, exatamente, às 11 h 30 min.

A proprietária do estabelecimento, muito simpática, quando inquirida a respeito do pessoal de Vargem Grande do Sul, confirmou que haviam passado pelo seu estabelecimento, às 8 h 30 min, apenas para carimbar as credenciais.

Segundo ela, eles haviam dito que pretendiam pernoitar em Tócos do Moji, porém, se estivessem se sentindo bem, seguiriam até Estiva, uma jornada de mais de 60 quilômetros.

Fiquei feliz e ao mesmo tempo triste pela notícia, porquanto eles estavam animados e saudáveis, contudo, nunca mais eu os veria, pensei comigo.

Ledo engano, como se verá mais à frente.

Após um banho quente, saí para almoçar e fui ao Restaurante O Casarão, cuja comida é de excelente qualidade.

Trata-se de um local amplo e bastante concorrido, porquanto apesar de ser um dia normal de semana, ele estava praticamente lotado.

 

A cidade de Borda da Mata, atualmente com 18.000 habitantes, é também conhecida como a “Capital Nacional do Pijama”.

Porquanto,  há 10 anos deixou de ser uma cidade prioritariamente agropecuária e voltou sua economia para a produção desse vestuário.

Hoje uma grande responsável pela geração de empregos e renda no Município, ao lado dos teares, malharias, artesanatos em madeira e decoração. 

Outro atrativo é a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, uma das mais belas que conheci em todo o trajeto.

 

Depois de lavar as roupas e descansar, fui visitar a igreja matriz da cidade, dedicada a Nossa Senhora do Carmo.

No retorno, parei para acessar a internet e atualizar notícias minhas.

Quando deixava o local, surpreendentemente, cruzei com outro peregrino que adentrava ao ambiente, ainda em trajes de luta e com muito barro no calçado.

Rapidamente me apresentei, e fiquei sabendo que se tratava do Flávio, de Cuiabá, um jovem que havia partido de Mococa/SP e estava percorrendo o Caminho da Fé pela primeira vez.

Eu tinha outros afazeres e ele precisava dar notícias à família, de maneira que combinamos nos encontrar na praça central da cidade, às 18 horas, pois segundo me disse, além dele, havia chegado mais 4 peregrinos, que estariam presentes lá também.

Pontualmente, no horário aprazando, encontrei, além do Flávio, o Miro e o Paulo, de São Carlos.

E, também, o Sr. Oswaldo, meu xará, de São José do Rio Pardo, que estava acompanhando a filha, porém ela havia ficado no hotel descansando.

Ficamos um bom tempo conversando, trocando experiências e traçando planos para as jornadas futuras.

Mais tarde, fomos até uma padaria em frente, para tomarmos cerveja e petiscar.

Às 21 h me despedi do pessoal e retornei ao local de pernoite.

Logo que adentrei em meu quarto, passei a ouvir trovões e descargas elétricas à distância, sinal de que uma tempestade estava a caminho.

E, confirmando as expectativas, ela se abateu com violência meia hora depois, seguiu noite à dentro, e longe de impedir meu sono, agiu como soporífero e calmante para os nervos.

 

Os amigos peregrinos Flávio (Cuiabá), Miro (São Carlos), Paulo (São Carlos) e Oswaldo (SJ do Rio Pardo), na praça de Borda da Mata

AVALIAÇÃO PESSOAL - Uma etapa muito agradável, uma das mais belas de todo o trajeto, todavia, um tanto extensa e cansativa no final, porque deixa o peregrino exaurido nos derradeiros quilômetros face à sucessão interminável de aclives e declives, exatamente quando ele já se encontra desgastado pela longa jornada cumprida.

11ª etapa: BORDA DA MATA à ESTIVA – 39 quilômetros