07º dia: VILA POUCA DE AGUIAR à VIDAGO – 19.290 metros

07º dia: VILA POUCA DE AGUIAR à VIDAGO – 19.290 metros

"Transformação é praticar as coisas que o caminho nos impõe". (Paulo Coelho)

Mais uma vez, enfrentaria uma etapa de ínfimas dimensões e, pelo que sabia, após os primeiros cinco quilômetros, sempre em descenso.

Não havia previsão de chuvas, assim, tranquilamente, me levantei no horário de costume, ingeri o café da manhã que estava incluso na diária e, às 7 horas, dei início a jornada do dia.

Primeira flecha do dia, na Avenida Miguel Torga.

Então, como já havia vislumbrando no dia anterior, logo abaixo, acessei a Avenida Miguel Torga, onde me reencontrei com as marcações do caminho, e iniciei minha jornada.

Seguindo sempre por piso asfáltico e em perene descenso, dois quilômetros vencidos, logo passei pela minúscula aldeia de Cidadelha, onde existe uma igrejinha restaurada e, ao lado dela, uma interessante ponte romana, que pude fotografar.

Ponte romana em Cidadelha.

Tudo ali era silêncio, nenhum veículo ou pessoa transitava pelas ruas desertas quando por ali passei.

Caminho plano e silencioso.

Prosseguindo, e finalmente livre das garras da civilização, adentrei numa estradinha de terra, situada entre pequenos muros pétreos, que delimitavam glebas de pastagem, a tônica na primeira parte dessa jornada.

Essa era a antiga Estrada Romana.

Na verdade, eu seguia pela antiga Estrada Romana, uma via utilizada por pastores e moradores locais há muitos séculos.

A paisagem permaneceu imutável, com muito verde no entorno.

Dois cavalos curiosos observam minha passagem.

Mais adiante, pude observar dois cavalos se alimentando num pasto que, calmamente, observavam minha passagem.

O roteiro seguiu agradável e bucólico.

O piso em terra, mais adiante, tornou-se matoso, e o entorno foi adornado por faias e carvalhos que ainda estavam sem folhas, embora a primavera estivesse a todo vapor.

Apesar da primavera adiantada, essas árvores ainda não tinham folhas verdes.

Em alguns trechos encontrei muita lama no roteiro, mas nada que pudesse obstar meus passos.

Em alguns tramos encontrei muito barro.

Esse percurso realmente é maravilhoso, pois pelo silêncio e natureza bruta, não cessava de me surpreender e deslumbrar.

Isto me fez lembrar a pequena aldeia de Almargem, quando conversei com o responsável pelo albergue, o senhor José Gonçalves.

Caminho entre muros de pedra.

Ao responder minha indagação, e depois de consultar detalhadamente seus apontamentos, disse-me que, em princípio, eu era o primeiro brasileiro a percorrer esse roteiro.

Na verdade, foi incrível caminhar solitário por serras, caminhos rústicos, atravessar aldeias sonolentas e austeras, utilizando estradas de terra batida, cercadas por muros de pedra e trilhadas apenas por pastores e gado.

Rasgos ancestrais, rotas primitivas construídas pelos romanos para, depois, serem utilizadas apenas pelos peregrinos que demandam a Santiago.

As árvores ainda não recuperaram suas folhas verdes.

Nesse sentido, eu me sinto uma espécie de pioneiro e desbravador, ao divulgar esse belíssimo Caminho Interior Português.

O roteiro seguiu sempre maravilhoso mas, depois de 9 quilômetros percorridos, já em zona urbana, passei diante de uma Quinta, uma majestosa construção, formada por vários edifícios, cavalariças, área de recreação, etc.., infelizmente, hoje abandonada e, em alguns locais, integralmente em ruínas.

Uma enorme Quinta, abandonada.

Uma pena, pois ali deve ter sido um lugar de expressiva beleza.

Prosseguindo, passei diante do decantado Pedras Salgadas Spa & Nature Park, um conjunto turístico de 4 estrelas, situado na cidade de Bornes de Aguiar.

Localizado numa área de 20 hectares, possui oito quilômetros de caminhos, que levam à descoberta dos seus meandros, e onde toda a energia emanada pela natureza permanece intacta.

Esse local já esteve de fato no trajeto de férias da realeza, e atualmente essa deleitosa vila termal tornou-se um destino “fashion”.

O interior do Spa de Pedras Salgadas.

O poder das águas e a beleza natural do parque contribuem para atrair os turistas, que chegam de toda a parte do mundo.

Eu poderia ter feito uma visita em seu interior, mas observei muito luxo e ostentação a partir de sua portaria, assim, creio que como humilde peregrino, estava fora do meu mister.

Rio Avelames.

Dessa forma, prossegui adiante, mas logo fiz uma pequena pausa no bonito parque que circunda o balneário, construído sobre as duas margens do ribeiro de Avelames.

Depois, retemperado, prossegui ainda por um caminho asfaltado que, logo se internou novamente no campo.

O caminho seguiu bucólico.

E as paisagens voltaram a ser maravilhosas, plenas de muito verde.

Novamente, grandes retas entre muros de pedras.

Uma estrada larga e plana, me levou a transitar em bosques de carvalhos, depois em campo aberto, sendo que em alguns locais, muros de pedra ladeavam minha passagem.

Caminho extremamente agradável e hidratado.

Uns 3 quilômetros adiante, eu transitei pela cidade de Sabroso de Aguiar, que é cortada ao meio pela rodovia N2.

Ultrapassando Sabroso, por um calçadão.

Ali utilizei um calçadão lateral para caminhar, e não corri risco de eventual atropelamento.

Nesse ponto, as flechas me encaminharam para um bosque, situado mais abaixo.

Já deixando a povoação, as flechas amarelas me encaminharam para um bosque, situado à minha esquerda, que acessei em forte descenso.

Caminho pleno de muito verde.

Então, passei a caminhar em meio a natureza bruta, plena de árvores, flores, pássaros, uma delícia para os meus sentidos.

Trecho agradável e silencioso.

O caminho descende sempre, mas lentamente, sempre ladeado por dois morros, tendo um pequeno riacho a correr pela minha direita.

O caminho prossegue em meio a um vale, situado entre duas montanhas.

Em alguns trechos a estrada se reduz a um pequeno trilho, sinal que é pouco utilizada por veículos automotores.

A sinalização se mostrou perfeita nesse trajeto.

As marcações, com setas estilizadas do CPI em alguns locais estratégicos, seguem perfeitas, e dão segurança ao peregrino que avança solitário, como no meu caso.

Muito verde no entorno.

Flores adornavam a paisagem existente nos morros circundantes, um colírio para os meus olhos.

Eu estava sozinho na trilha e curtindo muito o visual.

No entanto, pensava que determinadas situações e paisagens sugerem uma experiência compartilhada, alguém com que se possa dividir a beleza do mundo.

Sequência sempre em descenso.

Nesse trecho deserto e agreste, não vi nem encontrei vivalma, apenas, de quando em vez, ouvia o barulho de caminhões que trafegavam pela rodovia, ao longe, situada no topo da montanha.

Quase chegando novamente à civilização.

E isso produzia em meu íntimo uma sensação extraordinária de quietude e isolamento.

Finalmente, após 5 quilômetros fantásticos e silenciosos, encontrei uma bifurcação.

Aqui ocorrer o desvio, mas a partir desse marco não vi mais flechas amarelas.

O roteiro originalmente seguia à esquerda, mas, aparentemente, e pelo que fiquei sabendo, houve queda de barreiras, interrompendo o trânsito, inclusive de pedestres.

Então, nesse local, existe uma placa apontando para o lado direito, com os seguintes dizeres: “Desvio sinalizado”.

Eu segui nessa direção e, a partir desse marco, não avistei mais setas amarelas.

Quinhentos metros acima, acabei por sair junto a N2.

Ocorre que ali nascia uma larga estrada de terra que seguia paralela a rodovia, então, prossegui por ela, ainda em descenso.

Chegando em Vidago.

Foi um percurso tranquilo, sem maiores intercorrências e, cinco quilômetros depois, adentrei em Vidago, minha meta para aquele dia.

Residencial O Mário, onde me hospedei nesse dia.

Eu tomei informações com transeuntes, depois ultrapassei o centro da urbe e ainda segui uns quinhentos metros pela rodovia, indo me hospedar no Residencial O Mário, situado à beira da N2.

Ali, por 15 euros, desfrutei de um quarto individual bastante confortável.

Para almoçar, utilizei os serviços do restaurante existente no complexo, onde paguei 9 euros por um excelente “menú del dia”.

Quando já havia ingerido a refeição e me preparava para deixar o local, eis que chegou o Hernani, um amigo comum do Aurélio, que havia sido alertado por este sobre a minha presença no Caminho.

E ele, que reside em Vila Real, teve a gentileza de vir me encontrar para dar seu apoio a minha jornada.

Com o preclaro amigo Hernani, que fez questão de me conhecer. Um encontro que não esquecei jamais.

Foi um encontro deveras emocionante, vez que não conhecia ninguém naquelas terras, e o Hernani provou ser um peregrino afetuoso, pois além de simpático e dinâmico, se colocou a minha disposição para qualquer eventualidade.

Esse é o tipo de manifestação que emociona e deixa marcas indeléveis na memória.

Ele faz parte da “Associação de Caminheiros de Vila Real” (www.caminheirosvilareal.com), um grupo que organiza passeios e caminhadas mensais, do qual ele é o atual Presidente.

Enquanto degustávamos um vinho, ficamos um bom tempo a conversar sobre seu país e minha aventura pelo Caminho Português Interior.

Foi uma confluência agradável de espíritos, pois passei uma hora na companhia de um amigo fraterno, que eu nunca mais encontraria, mas que toca o coração da gente, de uma forma inesquecível.

Nosso bate papo seguiu sempre descontraído e alegre, mas ele tinha compromissos e eu precisava descansar.

Nos despedimos como velhos companheiros de armas, depois cada um seguiu seu rumo: ele para a sua residência e eu para o quarto, pois a chuva voltou a cair em forma de garoa.

A cidade tem jardins bem cuidados.

Vidago está situada a quinze quilômetros de Chaves, no fundo de um vale apertado, onde confluem o rio Avelames e a Ribeira de Oura, em cujas margens se plantam videiras, tendo em sua volta as serras do Alvão e da Padrela.

A cidade é ainda conhecida pelas suas águas termais e pelo ex-libris da vila: O Vidago - Palace Hotel.

Há quem diga que Vidago foi uma estância termal no tempo dos Romanos, que ali iam fazer as suas curas e tanto bebiam como lavavam os seus corpos nas santas águas, para curar os seus males.

Sabe-se que o seu povoamento é muito anterior ao século XII, embora nessa altura não passasse de uma aldeia sem mais importância do que as circunvizinhas.

Em 1863, Manuel de Sousa, lavrador desta localidade, vindo de uma das suas propriedades, ao passar pelo Souto, debruçou-se sobre uma pequena poça para beber água, a qual nem para regar era aproveitada, visto a sua nascente ser insuficiente, perdendo-se na terra lavrada.

Os bombeiros daqui também acolhem peregrinos para pernoite.

Manuel de Sousa, fosse pela sede que levava, fosse pelo destino que o celebra como achador da água, bebeu dela e achou-a picante, logo encontrando boa disposição no seu estômago, do qual sofria de enfartamento.

No mesmo ano da sua descoberta foram levadas para análises doze garrafas de água mineral, alguns espécimes de rocha, terra e resíduos, para o Laboratório da Escola Politécnica.

Logo que as águas foram descobertas, e quando se faziam as respectivas análises nos laboratórios químicos de Lisboa e Porto, o Dr. Antônio Vítor de Carvalho e Sousa, da aldeia de Vila do Conde, olhava com admiração a nascente da qual brotava a água que amainava o seu padecimento de gota que tanto o atormentava.

Então, o Dr. Carvalho e Sousa, maravilhado com tão bom resultado deste achado, mandou fazer à sua custa a fonte que primeiro teve a honra de figurar no local da emergência.

As águas de Vidago, muito especialmente as da nascente n.º 1, de uma alcalinidade superior a qualquer água portuguesa, e excedem também em alcalinidade a de Vichy.

Na Europa só há outra estância, onde se dão injeções de água-viva, Uriage (França).

Tais injeções são intramusculares, para a cura de eczemas, coriza hidroreica, urticária, bronquites, asma, etc...

A pequena vila conta atualmente com 2.000 habitantes.

Igreja matriz de Vidago.

Mais tarde, após um bom descanso, e quando a chuva finalmente amainou, voltei ao centro da pequena urbe e fui visitar a igreja matriz da cidade, dedicada à Nossa Senhora da Conceição.

Depois, fui verificar cuidadosamente o local por onde deixaria a urbe no dia seguinte.

Segui as flechas por algum tempo, até uma pequena fonte, localizada defronte à singela igrejinha.

Igreja de Santa Eugênia.

No retorno, subi no ponto mais alto da localidade, onde está situado o Santuário de Santa Eugênia.

Dali eu tinha uma visão privilegiada da parte baixa da cidade e de todo o entorno.

Uma visão da pequena urbe, desde o cimo do morro.

No retorno ao local de pernoite, passei num supermercado e me provi de mantimentos para o lanche noturno e dia seguinte.

Mais tarde, a chuva voltou a cair forte, então, logo fui dormir, já prelibando a chegada à Chaves no dia seguinte, a última cidade em que eu pernoitaria em solo português.

Vidago, uma cidadezinha simpática e muito bem cuidada.

IMPRESSÃO PESSOAL: Uma etapa de pequena extensão, praticamente toda em descenso, e que está extremamente bem sinalizada. Nela transitei por locais silenciosos, matosos e belíssimos. Foi, sem dúvida, uma das jornadas mais fáceis e agradáveis de minha aventura. A lamentar, apenas, o desvio feito nos derradeiros 5 quilômetros, o que empanou, em parte, o brilho desse trecho que, em seu trajeto original, passava diante do luxuoso e famosíssimo Vidago Palace Hotel, o prestigiado vencedor do Portugal Trade Awards 2015, na categoria de Melhor Hotel Independente.

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