24ª etapa: PALAS DE REI à ARZUA – 32 quilômetros

24ª etapa: PALAS DE REI à ARZUA – 32 quilômetros

Seria outra jornada em que eu não enfrentaria dificuldades altimétricas, ainda assim, resolvi sair bastante cedo, objetivando chegar logo ao meu destino, com vistas a descansar adequadamente para a longa e derradeira jornada.

Dessa forma, após as providências matinais, deixei o local de pernoite às 6 horas, seguindo por ruas desertas, frias e sob forte cerração.

Calmamente, fui buscando as flechas sinalizadoras e, para minha grata surpresa, depois de uns 1.000 metros, percebi que três peregrinos já se movimentavam à minha frente.

Eu apertei o passo, logo os alcancei, depois segui tranquilamente na retaguarda, deixando para eles a tarefa de encontrar o rumo a seguir.

Ainda no escuro, três peregrinos seguem à minha frente.

Nesse primeiro “tramo” o Caminho está muito bem sinalizado e discorre, quase sempre, por frondosos bosques de robles, num trajeto agradabilíssimo.

Albergue de Peregrinos de Casanova.

Uma hora mais tarde, com o dia já claro, passei diante do albergue de Casanova, situado num local ermo e sem comércio nas proximidades, onde também não vi nenhuma movimentação ou barulho que denunciasse a presença de pessoas naquele deserto local.

Novamente, paisagens exuberantes.

Os meus simpáticos amigos frentistas logo fizeram uma pausa para hidratação, então pude me aproximar e, após as apresentações, fiquei sabendo que eles residiam em Toledo e haviam iniciado o Caminho em Sarria.

Bosques galegos, plenos de muito verde!

Ainda prosseguimos juntos por um bom tempo, conversando e trocando informações, porém, em Pontecampaña, assim que deixamos a província de Lugo para adentrar na de A Corunã, eles sedentos por desjejuar, adentraram no primeiro bar que encontraram aberto, e não mais os vi.

Restando menos de 70 quilômetros até Santiago, eu deixei a Província de Lugo, para adentrar na de A Corunã.

Então, logo transitei por Leboreiro, onde um cruzeiro centenário, escoltado por casas de pedras, me deu as boas vindas.

Cruzeiro em Leboreiro.

Na sequência, passei diante da igreja de la Virgem de las Nieves e, logo em seguida, pela fachada de um antigo hospital de peregrinos, fundado pela família Ulloa, no século XII.

Igreja matriz de Leboreiro.

Prosseguindo, adentrei em uma estrada retilínea e muito bem cuidada, que discorre próximo de um grande polígono industrial, onde pude fotografar um interessante monumento aos peregrinos.

Caminho plano e entre robles.

Em determinado ponto, passei a descender e, sempre por frondoso bosque de robles.

Descendendo em direção à Furelos.

Já no plano, eu transpus o rio Furelos por uma belíssima ponte romana e, já do lado oposto, transitei pelas tortuosas ruas da cidade homônima.

Puente romana na entrada de Furelos.

E, vencidos mais dois quilômetros, em franco ascenso, adentrei ao centro de Melide, cidade onde passei em 2001 e 2004, e pernoitei em 2012, quando percorri o Caminho Primitivo, que se enlaça no Caminho Francês, exatamente nessa localidade.

Famosa Pulperia Ezequiel, no centro de Melide.

Casanova – É o último povoado da província de Lugo. Entre este local e Leboreiro, há restos de uma antiga calçada romana. Destaque para o belo cruzeiro na entrada do núcleo habitacional e dos hórreos centenários. Ali existe apenas um albergue da Junta da Galícia, que pode ser utilizado em caso de necessidade.

Caminho plano, agradável e fresco.

Leboreiro – É o primeiro povoado da província de la Corunã. A aldeia tem um encanto especial. Na entrada tem um belo cruzeiro, e o pórtico da igreja de Virgen de las Nieves merece uma atenção especial. Trata-se de uma arquitetura românica de transição. 

Monumento ao peregrino localizado próximo do polígono industrial de Melide.

Teve um hospital de peregrinos em frente à igreja fundada pela família Ulloa, no século XII, cujo brasão ainda ostenta. Como curiosidade, o nome desta vila provém da abundância de lebres na região. Oferece um albergue, que pode ser utilizado somente em casos emergenciais, pois não possui camas.

Ponte romana que dá acesso à Furelos.

Furelos – O Caminho original discorria por aqui. A única passagem pela qual os peregrinos podiam atravessar o rio Furelos, era exatamente pela ponte medieval de quatro arcos que até hoje existe. O local oferece alguns poucos serviços aos peregrinos. 

Igreja de Santiago em Furelos.

Tem na sua igreja/capela um cristo crucificado numa postura bastante peculiar, que vale uma visita. Difícil não se emocionar.

Melide – Possui todos os serviços ao peregrino e, para os amantes da culinária, é a cidade das “pulperias” (polvo).

Caminho pedregoso em direção à zona urbana de Melide.

Contando com quase cinco mil habitantes, é um importante núcleo urbano que conjuga harmoniosamente, a modernidade com a idade média.

A cidade é de origem pré-romana e em seu casco antigo possui diversas construções típicas, com destaque para o museu etnográfico, que outrora foi o hospital “Sancti Espiritu” para acolher peregrinos, situado na praça do convento.

Vetusto cruzeiro, localizado em Melide.

Contava também com um leprosário (lazareto), atendido pelos monges da Ordem de San Lázaro.

Tinha um monastério com o mesmo nome, cujo templo atualmente é a igreja paroquial.

A vila foi destruída no século XV, por uma revolução popular contra o poder feudal, arrasando as fortificações e palácios da comarca.

Para visitação, há ainda a Igreja de San Antônio, capela de San Roque (românica), e a igreja de Santa Maria e San Pedro (românica).

 

Singela ermida, localizada no centro de Melide.

Eu fiz uma pausa na praça principal da cidade, onde me hidratei abundantemente, depois ingeri uma banana, e logo estava disposto para prosseguir minha jornada.

Muitos peregrinos "turistas" no Caminho, após a passagem por Melide.

Foi nesse derradeiro trecho que verifiquei “in loco”, a extrema massificação que existe atualmente no Caminho, posto que inúmeros “peregrinos”, contei bem mais de 50, estavam iniciando sua jornada naquele horário, 10 horas da manhã.

Inúmeros peregrinos seguiam à minha frente.

Portando minúsculas mochilas, se comportavam como colegiais, falando alto, gritando estridentemente, parando inúmeras vezes para fotos.

Fresco e silencioso bosque, antes de Boente.

Ocorre que eles caminhavam lentamente e em grupo, ocupando todo o espaço da trilha, não deixando uma nesga para os peregrinos autênticos ultrapassá-los e seguir seu trajeto, feito de muito silêncio, respeito e introspecção.

Espetacular bosque galego: sem palavras!

O notável é que o primeiro “tramo” segue por um frondoso bosque, num trajeto maravilhoso, que curti com propriedade.

A igreja de Boente.

Mais adiante, passei por Boente, onde atravessei a rodovia, e me internei novamente em outro fantástico bosque, composto por robles e castanheira.

No caminho em direção à Castañeda.

Depois de vencer pequeno, mas íngreme ascenso, transitei por Castañeda e, mais abaixo, já descendendo em direção à Ribadiso de Baixo, tive o prazer de me reencontrar com a Bia, uma peregrina brasileira, que conheci no albergue de San Juan de Ortega.

Foto batida quando eu estava diante do albergue de peregrinos de Ribadiso de Baixo.

Ela tivera problema com os joelhos e fizera o percurso entre Burgos e León de ônibus.

Depois permanecera nessa cidade em tratamento e repouso, por uma semana.

Seguimos juntos até Arzúa, em animada e revigorante conversa, pois, parecia um milagre: depois de alguns dias sem encontrar brasileiros, eu estava me expressando novamente na língua pátria.

Albergue de Peregrinos de Arzúa. Agora só restam 42 quilômetros até Santiago.

Assim que atingimos a zona urbana, ela se encaminhou para um albergue privado, enquanto eu me hospedei numa pensão, onde havia feito reserva.

Ficamos de nos encontrar à noite, porém como fiquei sem saber onde ela se hospedara e, como existem vários refúgios na cidade, infelizmente, não a vi mais no Caminho e, nem mesmo, em Santiago.

A praça principal de Arzúa.

Boente – Não tem albergue e nem hostal no povoado, somente um bar-tienda para suprimentos básicos. No interior da igreja, que é moderna para os padrões do Caminho de Santiago, existe uma bela imagem de Santiago, representado como peregrino.

Flores recém desabrochadas, numa rua de Castañeda.

Castañeda – Dispõe apenas de uma casa rural e um bar que atende bem aos peregrinos, no entanto, não oferece nenhuma atração para os que estão de passagem. Como curiosidade, vale informar que era nesta localidade onde os fornos transformavam as pedras em cal, para servir à construção da Catedral de Santiago, e que, segundo relato de Ayméric Picaud, eram transportadas pelos peregrinos desde as montanhas do Cebreiro até Triacastela.

À direita, o albergue de Ribadiso de Baixo

Ribadiso de Baixo – Uma pequena comunidade, situada à beira do rio Iso, com destaque para seu albergue de peregrinos que, segundo reza um documento de 1523, foi a sede de um hospital de peregrinos, “onde o hospitaleiro devia socorrer os viajantes com toda a caridade”. Segundo depoimentos dos próprios caminhantes, trata-se de um dos melhores albergues do Caminho.

Ermida de La Magdalena, em Arzúa.

Arzúa – Atualmente, é uma cidade moderna, dotada de todos os serviços ao peregrino. 

Deve sua fama à qualidade dos queijos que produz (queso Arzua Ulloa). 

A avenida principal de Arzúa.

Nesta povoação havia um convento do século XIV, de fundação agostiniana, atualmente em ruínas, mas que serviu de albergue para incontáveis peregrinos. 

Ele estava situado anexo à ermita de La Magdalena e, como curiosidade, é em Arzúa a confluência do Caminho Francês e do Caminho do Norte. 

Escultura colocada num belo e bem cuidado jardim de Arzúa.

A igreja paroquial está dedicada a Santiago (moderna), e conserva no seu interior duas imagens muito interessantes de Santiago, uma como Matamoros e outra peregrino.

 

Flanando pelas ruas de Arzúa.

Mais tarde, após lauto e merecido almoço, pelo qual paguei 10 Euros, fui até o albergue municipal e, respondendo a minha indagação, a simpática hospitaleira, depois de demorada pesquisa, me confirmou que dentre os 70 caminhantes ali albergados, nenhum era meu conterrâneo.

Prédio do "Ayuntamiento" de Arzúa.

Decepcionado, ainda dei ainda um grande giro pelas ruas da cidade e bares adjacentes, contudo, como não encontrei nenhum peregrino conhecido, me recolhi cedo, já prelibando a longa jornada derradeira, que aconteceria no dia seguinte.

25ª etapa: ARZÚA à SANTIAGO DE COMPOSTELA – 42 quilômetros