26ª Jornada - ABADIN a VILALBA

26ª Jornada – Abadin a Vilalba - 20 quilômetros: “Pela comarca de Terra Chá!” 

Pelos meus mapas, o percurso seria curto e sem acidentes geográficos importantes, pois eu estava adentrando na comarca de Terra Chá, a mais extensa de toda a Galícia.   Ela se caracteriza basicamente, por uma paisagem plana e de pastagens, pontilhada por alguns outeiros e lagunas, onde a principal atividade comercial é a agropecuária, bem como a criação de gado leiteiro.

O percurso inicial seria por uma estrada de terra, no entanto, como chovera à noite toda, o guia que eu portava desaconselhava tal itinerário, posto que em face do temporal, provavelmente a trilha deveria estar alagada e com o leito escorregadio.

Assim, sob uma fina neblina e intenso frio, às 7 h eu deixei o local de pernoite e segui em frente pela rodovia N-634, utilizando seu largo acostamento, com bastante tranquilidade, pois o tráfego de veículos naquele horário era praticamente nulo.

Logo adiante, ultrapassei o rio Abadín e na sequência, depois de 4 quilômetros percorridos, passei sobre as obras da Autovia Nacional, que naquele trecho estavam quase finalizadas.

Mais alguns quilômetros percorridos, e usando uma rodovia vicinal, adentrei no povoado de Castromaior, onde encontrei tudo fechado e silencioso e, infelizmente, não avistei nenhum estabelecimento comercial aberto, de forma que prossegui em frente, agora em franco descenso.

Logo adiante, retornei à N-634 e depois de mais dois quilômetros, aportei em Ponte Vella, outra minúscula vila fincada à beira da rodovia onde, finalmente, as flechas me remeteram à esquerda, para uma larga e bem sinalizada estrada de terra.

A partir desse marco, com o sol despontando e o dia finalmente amanhecendo, o trajeto tornou-se silencioso e bucólico, sempre em meio a muitas propriedades agrícolas e imensas granjas, todas localizadas em locais cercados de muita mata.

Por uma interessante ponte medieval, nominada de “Ponte Vella de Martiñan”, eu transpus o rio Batán e prossegui haurindo o ar puro que recebia em meu rosto, fruto do forte vento que varria a campina e balançava a copa das árvores ao meu redor, a maioria composta por carvalhos e castanheiras.

Foi um percurso bastante agradável e, em alguns trechos, quando a mata se abria, podia ver uma grande barreira montanhosa a me acompanhar ao longe pelo lado direito e, naquele horário matutino, ainda com muita névoa em seu topo.

Um senhor que caminhava em sentido inverso e a quem abordei, me confirmou que aquela formação rochosa era a serra de Castromayor, pertencente ao complexo montanhoso da “Sierra de Xistral”.

Um pouco mais adiante, num cruzamento para o bairro de Belote, encontrei um antiquíssimo cruzeiro de granito, já bastante desgastado, em razão de estar em local desprotegido e ao “borde del tiempo”.

Depois de, penosamente, vencer um trecho da estrada bastante alagado, acabei retornando à beira da N-634, agora na cidade de Goiriz, onde fiz uma parada providencial em um bar, e tomei um merecido café e lanche.

Na sequência, pude admirar junto à igreja de Santiago, um templo “jacobeo” construído no século XVI, um dos melhores exemplos de cemitério neogótico, típicos da Terra Chá, com seus pináculos de filigranas formando um conjunto quase fantasmagórico, sobretudo em dias de muita neblina.

Ali também topei com a primeira cegonha, já que avistara nenhuma ao longo de todo o roteiro, como de praxe, construiu seu indefectível ninho sobre o frontão de uma igreja, sinal de que a primavera estava a pleno vapor.

O roteiro prosseguiu do outro lado da rodovia, por um caminho vicinal asfaltado, que seguiu em meio a muitas chácaras e casas de veraneio, mas logo adentrei ao polígono industrial e, em seguida, passei defronte ao albergue de peregrinos, situado num belo e vistoso edifício, construído numa área contígua à sede da “Cruz Roja Espanhola”.

O edifício é muito acolhedor, com pisos novos, banheiros imensos, além de habitações separadas para homens e mulheres.

Segundo os peregrinos que aí pernoitaram, a limpeza é digna da mais alta admiração.

Sobre o mesmo, é interessante citar que ele foi o primeiro albergue construído nesse caminho, dentre todos os outros, onde é obrigatório o pagamento de módica taxa, ao invés de realizar um donativo, e possui entrada e saída sendo liberada, individualmente, através de um cartão de acesso.

Tudo isto, normatizado pela Xunta Espanhola, em 2006, para evitar que os “refúgios” fossem invadidos por turistas que não estavam realizando o Caminho.

Assim, decidiu-se estabelecer a cobrança de um pequeno valor, após a prévia apresentação da credencial peregrina.

Ainda era muito cedo, de maneira que prossegui em frente por uma larga avenida, já em zona urbana, ainda por dois quilômetros até o “casco viejo” de Vilalba, minha meta para aquele dia.

Esta é a última grande cidade do Caminho do Norte, antes da chegada à Compostela, atualmente, com 15 mil habitantes.

É um importante centro comercial, onde abundam edifícios modernos e funcionais, porém, dentre eles se destacam aqueles considerados de “monumentais”.

Sua maior referência é a torre del Homenage, do antigo castelo dos condes de Andrade, uma construção do século XV, a única edificação que se conservou íntegra desde a época dos senhores feudais, porém convertido no século XX em Parador Nacional, um luxuoso Hotel 5 estrelas.

Vestígios de outras três torres nas imediações recordam a existência de um quadrilátero fortificado naquele espaço, até porque, junto a ela se localiza a “plaza” de Santa Maria e igreja do mesmo nome, outro conjunto histórico muito bem conservado.

Quando eu seguia descontraidamente pelas ruas centrais da urbe, em busca de uma pensão, encontrei o Augustin, o “uruguaio”, que chegara cedo àquele local, pois viera de ônibus intermunicipal e estava à busca de informações sobre transporte para Santiago, pois segundo me confidenciou, desistira definitivamente da caminhada, pois seu tornozelo não mostrara melhora.

Assim, acompanhei-o diligentemente até a Oficina de Turismo, onde ele ficou sabendo que “autobus” direto para Compostela, somente haveria no dia seguinte, um sábado, de forma que ele resolveu pernoitar ali naquele dia.

Fomos juntos à procura de um local adequado, e logo encontramos o Hotel Venezuela, situado na praça principal da cidade, onde após longas negociações intentadas pelo meu amigo, conseguimos um quarto individual, de excelente qualidade, por um preço extremamente irrisório.

Posso dizer, sem sombras de dúvida, que meu novel amigo sulamericano foi outro “anjo” espanhol colocado por Santiago em meu caminho, pois como ele estava residindo na Península Ibérica há alguns anos e já percorrera o Caminho do Norte, pode me dar bons conselhos em relação ao “tramo” final, que eu enfrentaria nos 3 dias posteriores.

Para almoçar, utilizei os serviços do restaurante Mesón del Campo, de excelente qualidade e fino atendimento.

Depois de uma relaxante soneca, saí para verificar e conhecer o local por onde deixaria a cidade no dia seguinte, bem como, aproveitar a sapiência de um taxista a quem solicitei informações.

Depois, encontrei e pude acessar a internet no bar Plácido, localizado na Avenida da Pravia.

À noite me contentei com um singelo lanche no quarto e logo fui dormir, pois a temperatura havia caído próximo de zero grau e um vento úmido varria o campo ao derredor, fustigando as janelas de meu apartamento, dando ao ambiente um ótimo lenitivo para temperar meu relaxante sono. 

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma etapa plana, com muito verde, porém, tirante os 5 quilômetros vencidos entre Ponte Vella e Goiriz, toda percorrida em asfalto. No geral, um trajeto bastante agradável, em meio a inúmeras fazendas de criação de gado, tendo como pano de fundo, pelo lado direito, a encantadora Sierra del Xistral.

27ª Jornada - VILALBA a BAAMONTE