Terceira Etapa: VARGEM GRANDE DO SUL (SP) a SÃO ROQUE DA FARTURA (SP) – 27 quilômetros

Com José Luís e dona Cida em São Roque da Fartura/SP

Como de costume, levantei-me às 4 h 30 min, e às 5 h deixei o hotel em direção ao meu objetivo maior. 

Sabia pelos relatos lidos anteriormente, que seria um dia extremamente difícil, além do que o clima persistia quente e a umidade do ar era baixa.

A distância a ser percorrida, ainda é motivo de controvérsia, pois os guias do Caminho indicam no roteiro, que o percurso possui 23 quilômetros, enquanto que os moradores locais asseguram, peremptoriamente, não ser menos de 28.

Por conta do recente credenciamento do Príncipe Hotel, em detrimento do Luar, houvera modificação na rota, e a sinalização dentro da cidade se encontrava bastante deficiente.

Mesmo centrado, com robustez, em meu objetivo, acabei me perdendo duas vezes, tendo que recomeçar o trajeto em ambas as ocasiões. 

Por conta desses obstáculos, caminhei uns 3 quilômetros de “graça” pelas ruas escuras e acidentadas de Vargem.

Finalmente, às 6 h, após algumas informações desencontradas, consegui encontrar o rumo certo, seguindo por uma rodovia asfaltada, que me levou, depois de 2 quilômetros, até o trevo de acesso à cidade, no entroncamento da rodovia que liga São José do Rio Pardo/SP a São João da Boa Vista/SP.

Ali, empós vencer pequena colina, nasce uma larga estrada de terra batida, que me levou a caminhar em meio a pastos verdejantes, sempre em leve, mas, perene ascensão.

Quatro quilômetros à frente, ainda subindo, passei defronte o Castelo de Santo Ângelo, um bonito Hotel Fazenda. 

Logo depois fui alcançado por um trator, o homem que o dirigia diminui a velocidade da máquina, apresentou-se com “seu” Sílvio, e fomos papeando amistosamente por um bom tempo.

Ao saber do meu objetivo, contou-me que já fora em romaria até Aparecida do Norte várias vezes. Declinou-me detalhes das viagens, discorreu sobre as dificuldades vivenciadas e relembrou gratificantes acontecimentos.

Foi uma conversa bastante animada, mas ele deslocava-se para o trabalho, por isso nos despedimos, antes, no entanto, solicitou-me que seu nome fosse lembrado aos pés da Santa. Em seguida, acelerou seu veículo, desaparecendo numa curva da estrada.

Não muito depois, no alto de um morro pude contemplar a cidade de Vargem, numa depressão, a uns 8 quilômetros de distância. A partir dali, o caminho segue por um vale belíssimo, em meio a imensos cafezais.

Mais à frente, fleti à esquerda, passei ao lado de grande silo, e às 9 h alcancei uma linda igrejinha, que como outras anteriormente encontradas, também se encontrava fechada. 

Estava eu no Bairro Perová, distrito de Vargem, localizado a 12 quilômetros de sua Sede.

Quinhentos metros à frente, 2 grandes cães peludos saíram de uma casa erigida, estrategicamente, na base da serra, e no semblante mostravam ser ferozes, dentes à mostra, partiram freneticamente em minha direção, deixando-me acuado contra um barranco.

Meu fiel cajado já ia entrar em ação, quando o dono, atento à iminente batalha, acudiu apressado, recolhendo os animais. 

Ato contínuo, após pedir mil desculpas, ofertou-me água e café. Que aceitei, com prazer.

Após alguns minutos de prosa, iniciei a subida da temida Serra da Fartura.

Foram 11 quilômetros sempre em terrível ascensão, com 3 pequenos platôs para descanso e, o mais interessante, praticamente, sem nenhuma descida. A primeira serra é íngreme e longa. Mas a visão que descortina lá de cima compensa a persistência necessária para superá-la.

Às 10 h passei pelo sítio do Sr. António, personagem que já se tornou famoso pela boa acolhida que proporciona aos peregrinos, mas, provavelmente, por ser um domingo, sua casa encontrava-se desabitada.

A segunda serra é sobrelevada por dentro de um pasto, e para acessá-lo precisei saltar, por cima, uma porteira fechada com um cadeado. 

O mato alto e o capim crescido dificultaram, sem conta, meus passos ascendentes. Se para mim estava complicado, difícil imaginar alguém empurrando uma bicicleta naquela íngreme e acidentada ladeira.

Já no cimo, passei ao lado de algumas construções abandonadas e segui, à direita, por uma larga estrada de terra, sempre em progressão ascensional, até a Fazenda Lisboa, em frente da qual escorre límpido, barulhento e pedregoso regato.

O sol forte não me permitia descuidar da hidratação, por isso consumia constantemente um gole de água, e aquela que eu carregava a essas alturas já estava no fim. 

Logo à frente, na fazenda Santa Inês do Alto, numa rústica habitação, bati palmas para pedir ajuda, mas ninguém me atendeu.

Inferi, então, que o proprietário poderia estar trabalhando ou no lazer, assim, corajosamente, suplicando licença e fazendo agrados nos cinco cães que guardavam a humilde vivenda, consegui chegar até o tanque.

Lá me fartei com o precioso líquido, aproveitando, também, para encher as duas garrafas de plástico que portava. 

Ali observei um fato curioso, ao verificar um cãozinho vira-lata com a boca e as patas varadas por longos espinhos, certamente resquícios de luta recente com algum ouriço.

Essa pausa me deu novo alento, porque logo depois, sob um sol de “cozinhar miolos”, iniciei a subida da derradeira serrania, ao final da qual alcancei a rodovia que liga São Roque da Fartura a Águas da Prata. 

Naquele lugar exato, a 1.403 m de altitude, situa-se o ponto de maior agudeza de todo o Caminho da Fé.

Um morador local, de nome Francisco, passeava com seu cachorro Piti, e descemos em direção à cidade, comentando sobre nossas experiências de vida.

Ante minha curiosidade, disse-me que, segundo se sabe, o termo Fartura deriva da excelente qualidade da terra ali existente, que produz em quantidades anormais tudo que nela é semeado, daí a razão do epíteto agregado ao santo padroeiro da localidade.

Três quilômetros em declive abaixo adentrei a cidadezinha, que por sinal é distrito de Águas da Prata, passando em frente à igrejinha de São Roque. 

A povoação possui pequeno comércio, escola e agência da Caixa Econômica Estadual. Localizada a 1.270 m de altitude, conta atualmente com 1.000 habitantes.

Num modesto barzinho de esquina, comprei água e me informei sobre a Pousada Cachoeira. 

Seguindo as indicações, percorri mais um quilômetro em pronunciado aclive até aportar, às 13 h, no sítio de Dona Cida e seu marido José Luís, que são extremamente amáveis e atenciosos para com os que ali se hospedam.

A nova Pousada, recentemente inaugurada, se localiza numa ampla casa que, anteriormente, servia de residência para os proprietários. 

A sólida construção possui 3 quartos, cozinha ampla, salas de jantar e de estar e, ainda, 2 banheiros. 

Pode abrigar até 15 pessoas, com total conforto. 

Fica situada próxima a uma barulhenta queda d’água, e do local se tem uma vista privilegiada de toda a região.

O almoço e o jantar foram servidos na cozinha da atual moradia de meus anfitriões, num clima descontraído e de agradável camaradagem. 

À tardezinha o tempo se transformou e, logo depois, desabou violento temporal.

Por volta de 20 h, chegaram 2 ciclistas, ensopados “até a alma”, e extremamente depauperadas, pois haviam saído de Tambaú pela manhã e se perdido na transposição da Serra da Fortuna. 

Foram prontamente acolhidos pelo Sr. José Luís que imediatamente providenciou acomodação e refeição para ambos.

AVALIAÇÃO PESSOAL:

Uma das etapas mais difíceis de todo o percurso, demandando grande desgaste físico e muita pertinácia, sendo superada em grau de dificuldade, na minha opinião, somente pelo trajeto entre Tócos de Moji à Estiva. Todavia, como esse trecho se situa no 3º dia de caminhada, já encontra o peregrino mais adaptado à dorida rotina diária. Demais, a acolhida que lhe é tributada ao final da jornada supera, com folga, todos os eventuais infortúnios ocorridos no trajeto.