16ª Jornada - RIBADESELLA a VILLAVICIOSA

16ª Jornada – Ribadesella a Villaviciosa - 38 quilômetros: “Chegando à Capital da Sidra!”  

O percurso seria bastante longo e com elevações importantes a serem sobrelevadas.

Segundo o guia que eu portava, os primeiros dez quilômetros até a cidade de Berbes, deveria ser feito por um itinerário de esplendorosa beleza, que segue o tempo todo à beira mar, vadeando riachos, galgando empinados arroios e caminhando, em alguns locais, sobre a areia fofa da praia.

Porém, ele deveria ser evitado em caso de intempéries, pois ficaria praticamente intransitável e perigoso em vários trechos.

Além disso, toda sua exuberância seria ofuscada pela garoa, mormente se advinda de alto mar, com ventos e turbulências.

Infelizmente, chovera a noite toda e, às 5 h, quando deixei o local de pernoite, ainda caia uma fina garoa, deixando as ruas escuras e neblinosas.

Conformado, segui pela avenida central da cidade até a grande ponte que transpõe o rio Sella.

A partir dali, prossegui sempre pela rodovia N-632, evitando o roteiro terrestre, pois tinha certeza de que encontraria dificuldades, mormente porque antes de deixar a cidade, confirmei com um taxista qual rumo deveria tomar.

E ele, pessoa nascida na região, não vacilou em me orientar que o melhor e mais seguro era seguir diretamente pela rodovia, embora fosse uma jornada tépida e sem graça.

Bem, mas Santiago queria dessa forma, de maneira que segui tranquilo por uma estrada de escasso tráfego de veículos, e depois de passar por San Esteban e vencer uma íngreme ladeira, às 7 h, adentrei em Berbes, um pequeno povoado situado à beira da rodovia, onde tudo estava fechado e silencioso.

A garoa havia dado uma trégua e o céu, embora estive bastante nublado, dava sinais de que iria limpar, ao menos era o que me parecia.

Mais adiante, me desviei um pouco do roteiro, para visitar Caravia, onde fiz uma breve pausa para descanso e hidratação.

Sobre este pequeno “Pueblo”, um escrito datado de 08 de agosto de 921, confirma os privilégios outorgados pelo rei Ordoño II a várias povoações que faziam parte da comarca onde eu estava pisando.

No século XI, o conde Munio Roderici funda o Monastério de Caravia que foi doado à igreja de Oviedo pelo rei Fernando II e posteriormente, em 1.215, o rei Alfonso IX o declarou livre e isento de impostos e tributos.

Chamou-me a atenção nessa aldeia, a sua Oficina de Turismo, que está instalada em um interessante “hórreo”, uma construção tipicamente galega.

Na verdade, esse tipo de edificação é bastante numerosa neste local, onde é necessário armazenar os produtos provindos da terra, sem que tenham contato com a umidade proveniente do solo, sob pena de se estragarem.

Bem animado, prossegui, ainda pela rodovia e, uma hora depois, adentrei em Playa de La Espasa, que como o próprio nome diz, fica à beira mar e do local por onde caminhava, pude ter uma visão privilegiada do vasto oceano à minha frente.

Na sequência passei por Isla, uma pequena vila de pescadores, onde existe um excelente albergue de peregrinos, e às 9 h, avistei Colunga, a maior localidade por onde eu passaria no roteiro daquele dia, e nela aportei, após transitar pelos bairros de Bueño e Covian.

Enquanto adentrava ao perímetro urbano, a chuva retornou em forma de pancadas, obrigando-me a esconder debaixo do parapeito de uma escola de artes onde, com calma, vesti minha capa plástica, ingeri uma fruta e me hidratei.

A primeiras referências a este município datam de 8 de julho de 803, segundo um documento ainda preservado, no qual Fakilo, doa ao Monastério de Santa Maria de Libardon a quinta parte de seus bens ...t“in villas prenominotas Fanum Collunca Camaruca Y Priemco sine et in liunatam”, confirmadas depois por Ordoño II, no ano de 921.

A cidade, atualmente com 4 mil habitantes, é o núcleo maior dessa zona, um lugar onde o peregrino encontra todo o tipo de serviços que necessita, desde hostais, pensões, supermercados, bares, sidrerias e belas “casonas” asturianas, pintadas em cores chamativas.   

Segui por sua avenida central que também coincide com a rodovia N-632, e mais abaixo passei defronte à igreja dedicada a Santa Ana, uma construção do século XVI, edificada pela confraria dessa irmandade.

Defronte à ermida eu girei à direita e logo acessei umas escadarias que me levaram a um pequeno mirante para, em seguida, prosseguir, agora em descenso, por ruas bem sinalizadas, em direção ao cemitério, já na saída da cidade.

A partir desse ponto, eu prossegui por uma estrada vicinal asfaltada, em direção a Puente Aguera-Infiesto, ultrapassei o rio Libardón e, depois de um quilômetro, acessei outra rodovia, a CL-1, à direita.

O caminho prosseguiu em meio a muitas pastagens, onde o forte era o gado leiteiro e grandes rebanhos de carneiros e cabras, que são o suporte da economia desse município.

Um quilômetro depois eu passei sob a Autovia Nacional, por um grande túnel e numa ríspida ascensão encontrei um casal de peregrinos descansando.

Parei para conversar e fiquei sabendo que eram mexicanos e que haviam iniciado sua caminhada no dia anterior, em Ribadesella, sendo que naquele dia haviam partido do albergue de Isla, onde haviam pernoitado.

Prosseguimos juntos por algum tempo, porém eles carregavam enormes mochilas e eu estava com melhor condicionamento físico, assim logo me despedi, segui adiante com passos ritmados e nunca mais os avistei.

 Logo adiante, numa descida, passei por Pernús, minúsculo povoado, onde avistei a igreja de San Pedro, cuja construção está mencionada num documento datado do ano de 921, embora a ermida atual tenha sido reedificada em 1.772, a partir da planta anterior.             

 Na pequena vila não vi nada a mais que pequenas casas de agricultores e, também, uma Pousada, contudo, nenhum bar ou fonte de água, de maneira que, após breve descanso para hidratação, eu prossegui adiante.

 Na sequência, após vencer empinada ladeira, passei por Priesca, outro pequeno e rústico povoado com algumas casas campestres esparsadas em meio a muito verde, onde também não avistei nenhum tipo de comércio.

Iniciou-se, então, uma grande descida e, já no final do vale, eu deveria adentrar por uma vereda estreita e embarreada, que se iniciava à esquerda, porém, a sinalização naquele local estava bastante confusa e deficiente, de maneira que, por engano ou sorte, prossegui adiante, ainda pelo asfalto.

Bem, com a volta que fiz, acabei não passando pelo minúsculo povoado de Sebrayo, onde existe um albergue de peregrinos que está alocado numa antiga escola rural, com espaço para acomodar 28 pessoas.

Porém, vi que ali não existe “tiendas” ou qualquer outro tipo de comércio, de forma que esse local não constava mesmo de meu cronograma de viagem.

Aliás, o sofrido caminhante que ali deseje pernoitar, terá que carregar comida e água da cidade de Calunga, o que, convenhamos, é um sacrifício demasiado.

Bem, prosseguindo meu périplo, já no topo da elevação, passei sob a Autovia Nacional e acessei novamente a N-632 e por ela segui ainda por mais 8 quilômetros duríssimos, posto que nesse trecho ela não dispõe de acostamento, até aportar em Villaviciosa, quando meu relógio marcava, exatamente, 13 h.

A cidade, cujo nome significa “Vila Rica”, pela fertilidade de suas terras, foi fundada em 1.270, e atualmente é a sede das principais indústrias fabricantes de sidra, sendo famosa pela abundância de pomares de maçã existentes em seu município, ingrediente principal dessa bebida espumosa e doce.

Isto se deve ao seu clima suave, temperado e úmido, com temperaturas bastante agradáveis o ano todo, tanto no inverno quanto no verão, variando entre a máxima de 18ºC em agosto e a mínima de 7ºC, em fevereiro.

Um fato histórico relevante é que existiu nessa localidade um decantado hospital de peregrinos, com uma especial particularidade, pois tinha como norma não admitir nenhuma pessoa, a não ser os que iam ou voltavam de alguma peregrinação à Compostela.

Ali fiquei hospedado no hostal Del Sol e para almoçar utilizei o restaurante “El Dragon”, um dos únicos estabelecimentos do gênero nessa urbe que, estranhamente, serve o “menu del dia”.

No retorno ao hotel, fiz um estudo da bolha existente na sola de meu pé esquerdo e, alarmado, constatei que ela aumentara de tamanho, além de estar estourada em diversos pontos, deixando quase em carne viva uma grande área desse local estratégico, já que era o primeiro a tocar o solo e sofrer a pressão do peso do corpo.

Como peregrino experiente, fiz curativos, passei betadine, um famoso cicatrizante espanhol, amarrei com bandagens o local afetado e rezei para uma rápida melhora.

Depois de merecido descanso, ali pelas 17 h, saí dar uma volta pela graciosa urbe e me dirigi até a igreja e monastério de Santa Maria para visitar e carimbar minha credencial de peregrino.

Infelizmente, o edifício se encontrava fechado, pois era feriado na cidade, de maneira que, seguindo o conselho de um morador, fui até o Posto da Polícia Civil, onde consegui o tão merecido “sello” em meu documento peregrino.

À noite, optei por singelo lanche no quarto, enquanto estudava a jornada que enfrentaria no dia seguinte.

E logo fui dormir, pois me encontrava, deveras estafado, face ao longo e difícil percurso vencido.

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada extensa e complicada, pois, salvo raríssimas exceções, cumprida integralmente sobre asfalto, um azougue para os pés peregrinos. Contudo, como as demais, trilhada em meio a belas paisagens, com direito a apreciar a natureza durante todo o percurso.

 17ª Jornada - VILLAVICIOSA à GIJÓN