6ª Etapa – TOMAR à ALVAIÁZERE – 32 QUILÕMETROS

6ª Etapa – TOMAR à ALVAIÁZERE – 32 QUILÕMETROS – “UMA ETAPA, DOIS CENÁRIOS

“Uma etapa longa e suave, mas de constante ascensão, que tem duas partes bem diferenciadas. Na saída de Tomar nos deparamos com trechos muito agradáveis, em meio a bosques mediterrâneos de encinas. Também há etapas que atravessam pequenas aldeias, como Casais e Calvinos que, embora diminutas, sempre oferecem um bar ou uma “tienda”, que permite ao peregrino descansar e tomar uma bebida fria. A segunda parte da jornada discorre também por zonas muito tranquilas de campos e pequenos núcleos rurais, porém com uma maior dose de asfalto debaixo dos pés, e por mais cedo que o caminhante tenha saído, o sol acabará por alcançá-lo em seu zênite, fazendo com que os derradeiros quilômetros se tornem difíceis, sobretudo em pleno verão. Abandonamos definitivamente a planície do Ribatejo e entramos em uma nova Província, a de Beira Litoral, uma das três Beiras (junto a Beira Alta e Beira Baixa). As Beiras ocupam a franja central de Portugal, desde o Atlântico, até os povoados fortificados junto à fronteira espanhola, e se caracterizam por uma região de perfil ondulado e com grandes manchas de vegetação, cujo clima atlântico suave, favorece o cultivo do arroz, oliveiras e vinhedos.” (Traduzido/transcrito do Guia El País Aguilar, edição do ano de 2007, que utilizei na viagem)

 

Novamente a previsão metereológica indicava sol forte a partir das 11 horas, de forma que levantei às 4 h 30 min e, às 5 h e 30 min, eu deixei a Pensão e segui por ruas escuras e frias.

Mais abaixo eu transpus o rio Nabão por uma ponte medieval, depois segui à esquerda, beirando um grande parque florestal.

Quinhentos metros depois, o Caminho se bifurcou: em frente devem seguir apenas os caminhantes, isto se não estiver chovendo; já a direita, por piso asfáltico, seguem os ciclistas e, também, os peregrinos a pé, quando houver risco de chuva iminente.

Como o clima se apresentava fresco e não havia previsão de tormentas, prossegui adiante, e logo acessei uma trilha integralmente matosa, tendo um riozinho barulhento à esquerda, e um morro boscoso à minha direita.

Ainda estava escuro, de forma que me socorri da lanterna e não tive dificuldades para encontrar meu rumo.

Mais abaixo a senda se bifurcou, e parei para observar atentamente as marcações, porém não encontrei nenhuma indicação de qual ramal deveria seguir.

Por sorte, numa mirrada árvore à esquerda, avistei uma fita branca amarrada com um laço, então, inferi que deveria prosseguir nessa direção.

E estava correta minha dedução, pois um quilômetro à frente, eu encontrei a estrada que seguia do lado direito, a mesma por onde os ciclistas passam, de forma que naquele ponto os roteiros voltaram a se unir.

Mais tranquilo, dobrei à esquerda, e transpus o Ribeiro do Tripeiro, afluente do rio Nabão, utilizando a Ponte de Peniche, que com sua forma gótica, acrescida de arcos pontudos, define o itinerário do caminho medieval.

Logo adiante, passei sob a Autovia Nacional, e prossegui por uma estrada de piso socado, situada em meio a espesso bosque, contudo nela também não vislumbrei nenhuma seta sinalizadora.

De qualquer forma, o trajeto era meio lógico, pois não observei nenhum caminho cruzando com a via principal.

Em alguns locais, pude me guiar por fitas plásticas, que estavam amarradas em árvores à beira da estrada, isto no Alto da Chocalheira e no Outeiro do Prado.

No trecho final, num cruzamento, as flechas reapareceram e me levaram em ascenso, à esquerda, até o topo, onde acabei por sair numa rodovia vicinal asfaltada.

Depois de vencer pequena rampa, passei por Soainda, uma aldeia vizinha, que atravessei por sua rua principal.

Ali, dobrei à direita, e depois de 8 quilômetros vencidos, passei pela vila de Casais, uma minúscula aldeia, onde diante de sua igreja e do cemitério, se destaca a escultura de um anjo em mármore.

Prossegui, ainda em asfalto por mais 3 quilômetros, até passar por Calvinos, outra pequena povoação de casas disseminadas, dentro de um grande vale.

Caminhei mais 2 quilômetros por ruas largas e com longos intervalos campestres.

Nesse trecho transitei por dois povoados: Chão das Eiras e Ponte de Ceras, onde existem algumas casas localizadas entre olivais e figueiras.

Finalmente, 15 quilômetros vencidos, acabei por sair na rodovia N-110 através de uma passagem de nível.

No entanto, em face do horário matutino, o local estava bastante movimentado.

Então, eu atravessei com muito cuidado, porque nesse ponto existe pouca visibilidade, caminhei mais uns 100 metros, e logo acessei uma estrada lateral à direita, que me levou a caminhar entre um grupo de casas simples.

Cem metros depois, as flechas me remeteram para a esquerda, quando acessei uma trilha pedregosa e em forte ascenso, situada dentro de uma grande plantação de eucaliptos.

Em alguns locais, as crateras abertas pela água em correnteza, durante a época das chuvas, deixavam o trajeto complicado e perigoso, forçando-me a observar atentamente onde pisar, sob pena de ganhar uma torção ou me candidatar a um belo tombo.

Finalmente, no cume, acessei novamente o asfalto numa “carretera” vicinal e passei a caminhar pelo topo de pequenos morros, num local denominado Lugar de Espanha, constituído por pequenos grupos de casas silenciosas ou fechadas, sendo que ali quase não vi movimentação de pessoas.

As pequenas vilas foram se sucedendo e logo adiante eu atravessei a aldeia de Portela de Vila Verde, outro aglomerado de casas, onde não há nenhum serviço ou suporte para os caminhantes.

Nesse trecho, transitei em meio a oliveiras, figueiras, laranjais, nêsperas, nogueiras, vinhedos e imensas hortas agrícolas.

O trajeto permaneceu imutável e estava muito bem sinalizado, assim, depois de mais quatro quilômetros vencidos, acabei por acessar uma senda úmida, situada em meio a um espesso bosque de árvores.

Em face da beleza do entorno e pela gratificante sombra que oferecia, fiz uma pausa restauradora para me hidratar, respirar, alongar meus músculos, e depois retornei à lida.

O percurso estava bastante agradável, porém depois de dois quilômetros, o mato tomou conta da senda, e prossegui em meio a muito mato.

E como ele ainda estava intensamente orvalhado, fiquei integralmente molhado dos joelhos para baixo, inclusive os pés.

Nesse “tramo” silencioso, sujo e opressivo, passei ao lado da sofisticada e imensa Quinta do Tojal que, como outras mais, também se encontra abandonada e com alto grau de degradação.

Aliás, um imenso matagal invadia o integralmente o pátio fronteiriço das residências, deixando no ar um clima de desolação e tristeza, pelo qual também fui contaminado.

Finalmente, 24 quilômetros vencidos, acabei por sair novamente na rodovia N-10, então, obedecendo a sinalização, eu atravessei uma rotatória e acessei a rodovia C-348, que segue em direção à Alvaiázere.

Eu estava sedento e sentindo muitas dores na sola do pé esquerdo, onde havia uma grande bolha inflamada.

Fiz então providencial pausa para hidratação e ingestão de um analgésico, vez que o sol já crestava impiedoso, e ainda me restavam cumprir mais 8 monótonos quilômetros, em piso asfáltico.

Sem alternativa, prossegui adiante e quatro quilômetros depois passei por Cortiça, outra pequena aldeia, onde se destaca uma grande Quinta, com torre defensiva, contendo várias pedras de moinho assentadas em sua fachada.

Ali eu dobrei à direita, e prossegui até Outeiro de Cotorio e Carvalha, duas pequenas vilas que também não oferecem nenhum tipo de serviços ao caminhante.

Então, dobrei à esquerda, e segui em frente, agora sobre um piso empedrado bastante irregular, o que fez com que a dor que eu sentia na planta dos pés, ganhasse relevo.

Quando estava bem próximo de outro minúsculo vilarejo, me deparei com um rebanho de ovelhas pastando e dois enormes cachorros fazendo guarda perto, deitados embaixo de um moita.

Atrevi-me a assobiar para saudá-los e um deles, de pelagem escura, se levantou e veio em silêncio na minha direção, sem dar qualquer latido ou movimento de cauda.

Aquela aproximação calada deixou-me em dúvida quanto a real intenção do animal, já que não me pareceu agressivo.

Ademais, há um ditado popular que diz: cão que late não morde.

Então, era melhor ficar em guarda contra cachorro que se aproxima silenciosamente.

Foi o que fiz, mas na dúvida, estaquei e preparei meu santo bastão de peregrino para, se preciso, despregar uma senhora bordoada no "falso amigo".

Quando cessei meus passos, ele estacou também, e então segui bem devagar, não sentindo qualquer medo.

Então, calmamente, o cachorro voltou a deitar sob a moita de onde meu assobio o retirara.

Parece que os badalados e ferozes cães pastores não passam de animais em honesto desempenho de sua tarefa, sem quaisquer das conotações mistificadoras em voga. 

Prossegui em frente e, já manquitolando, passei por Outeirinho, Feteiras, para, finalmente, às 13 h, adentrar em Alvaiázere, minha meta para aquele dia.

A cidade, cuja fundação remonta o ano de 1200, teve sua toponímia derivada do termo árabe Al-Baiaz, cuja tradução seria o falcoeiro, ou terras do falcoeiro.

Atualmente, com 7 mil habitantes, é uma urbe de regular tamanho, porém sem maiores encantos arquitetônicos, sobretudo se a compararmos às monumentalidades que vivenciei nos últimos finais de etapa.

Nela, fiquei hospedado no Residencial O Brás, onde recebi um quarto amplo e luxuoso, uma das melhores habitações que pernoitei em todo o Caminho, e pelo qual paguei apenas 18 Euros.

Para almoçar eu utilizei o Restaurante localizado no térreo do estabelecimento, que pertence ao mesmo proprietário, e onde fui excelentemente bem atendido.

Mais tarde, e após merecido descanso, fui dar uma volta pelo centro da povoação e pude conhecer sua igreja matriz, dedicada a Nossa Senhora da Conceição.

Aproveitei para verificar o local por onde eu partiria na manhã seguinte e, na volta, pude acessar a internet, gratuitamente, na Biblioteca Municipal do Município.

Depois fui até um supermercado e, na volta, tomei informações com um taxista que, ao saber de minha nacionalidade, elogiou muito os brasileiros e meteu o pau nos franceses e nos italianos, principalmente naqueles.

Muito simpático o Senhor Diógenes, pois me proveu de boas dicas e conselhos úteis, tanto que nos despedimos com muita cordialidade.

Quando retornei ao Residencial, encontrei com dois peregrinos ciclistas, de nacionalidade sueca, que também haviam se hospedado ali e estavam saindo para lanchar.

Conversamos amenidades, e eles me convidaram para ir beber uísque às 20 h, num bar Pub existente na localidade, porém prudentemente recusei, alegando que precisava dormir cedo.

Também, nunca mais os vi, porquanto o roteiro para bicicletas nem sempre coincide com o daqueles que seguem a pé, pois em alguns trechos transitamos por locais inacessíveis às “bikes”.

À noite, como de praxe, optei por um simples lanche no quarto e logo me recolhi, pois novamente teria outro trajeto de peso no dia seguinte.

 

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada bastante longa e cansativa, posto que os derradeiros 8 quilômetros foram vencidos integralmente sobre asfalto. E, por um roteiro levemente ascendente, num horário em que o sol já abrasava. Mas, outra etapa plena de muito verde e silêncio, como no bosque que atravessei no primeiro trecho do roteiro. No global, um percurso bastante agreste, e que proporciona uma excelente vista dos arredores, a partir de Portela de Vila Verde.

07ª Etapa – ALVAIÁZERE à RABAÇAL – 33 QUILÔMETROS