14ª etapa: LUMINOSA à CAMPOS DE JORDÃO – 36 quilômetros

14ª etapa: LUMINOSA à CAMPOS DE JORDÃO – 36 quilômetros

"Nós somos peregrinos, a nossa unidade é um longo caminho, uma viagem da terra ao céu." (J. Logan)

 

Levantei às 4 h e um tanto preocupado, pois sabia da rudeza do percurso, assim, eu tinha minhas dúvidas se conseguiria finalizá-lo a contento.

Até porque já conhecia todo o trajeto, porém em 2.011 cumpri o trecho em duas etapas, tal qual o mapa do Caminho da Fé sugere, então tudo ficou mais suportável.

De qualquer maneira, conforme havia combinado no dia anterior com a “funcionária” de Dona Ditinha, às 4 h 30 min eu já estava tomando o café da manhã na cozinha da Pousada.

Bem disposto e animado, eu deixei o local de pernoite às 4 h 45 min, quando a povoação ainda dormia a sono solto.

Logo acessei a estrada de terra à direita, transpus um pequeno córrego por uma ponte e, assim que a iluminação urbana findou, meu farolete entrou em ação, pois o entorno era puro breu.

Infelizmente a lanterna apresentou um pequeno defeito, ocorrendo uma grave diminuição em seu facho de luz, ocasionado possivelmente pelas vetustice das pilhas que eu havia colocado.

Esse empecilho quase provocou dois acidentes que poderiam resultar em graves consequências.

Primeiramente, quase “atropelei” três vacas que estavam deitadas na estrada, pois só consegui vê-las quando praticamente estava em cima delas, o que me causou grande susto e também aos animais.

Mais adiante, já subindo, dois burros que pastavam à beira da trilha dispararam a correr, porém eu parei atemorizado junto a cerca, porque em face do tropel desordenado que fizeram, eu não sabia se eles estavam fugindo ou vindo em minha direção.

Foi outro sobressalto incrível, que me deixou com o coração na boca.

Logo adiante, por sorte, eu me encontrei com um trabalhador rural que descia a serra em direção ao seu trabalho, também com uma lanterna na mão.

Cumprimentei-o, depois perguntei sobre o restante do roteiro, porquanto eu estava me sentido um tanto inseguro, em face da escuridão reinante.

Ele me clarificou as dúvidas, assim, mais tranquilo, depois de sobrepujar algumas ladeiras, às 5 h 45 min, eu aportava à Pousada de Dona Inês que, por sinal, já estava acordada e com as portas da casa aberta.

Sua casinha, imprescindível ressaltar, foi construída a cavaleiro de uma encosta, num local extremamente arborizado, fresco e agradável.

Pude então cumprimentá-la e conhecê-la, algo pelo qual ansiava, em face dos depoimentos colhidos via internet dando conta de sua extrema dedicação para com os peregrinos que por ali apenas transitam ou pernoitam.

Gentilmente, ela me convidou para tomar café, dizendo que tudo já estava na mesa, porém, agradeci-lhe a oferta generosa, vez que estava muito bem alimentado.

Depois, pedi licença e me dirigi ao quarto-dormitório dos peregrinos onde pude conversar e me despedir definitivamente dos amigos Joy e Paulo Sorriso, posto que ambos iriam pernoitar na Pousada do Márcio, no bairro Campista.

E depois de uma saudação especial à Dona Inês, eu segui adiante, agora por um caminho empedrado, que lentamente foi se encrespando.

Por sorte, o clima permaneceu frio, tempo nublado, assim, com determinação e em ritmo constante, fui superando os obstáculos que iam se sucedendo pela frente, porquanto todo o roteiro nesse trecho se desenrola sempre em perene ascensão.

Depois de passar pelo bairro Quilombo, situado a 1.300 metros de altitude, eu prossegui subindo e às 7 h, já no topo do morro, adentrei num espesso bosque de eucaliptos.

Quando ali cheguei, pareceu-me que o dia ainda não rompera, tão espessa eram as sombras que cobriam o ambiente, tal como se a noite ainda relutasse em deixar aquele recinto mágico.

A quietude ali era sepulcral e angustiante, somente quebrada por uma leve brisa que soprava à minha retaguarda.

Fui tomado por espectral ansiedade, que me forçou a lembrar um texto escrito por eminente psiquiatra, sobre tal tema:

 

“...Sobrevêm-nos esse frêmito, esse desfalecimento do coração que temos na floresta, quando o silêncio entra a vibrar como o rufo velado e insistente de um tambor, porquanto ficamos trêmulos de expectativa, sem sabermos de quê.

É curioso observar as diferenças de reação emocional de cada indivíduo.

Alguns podem atravessas batalhas terríveis, o medo da morte iminente, horrores inconcebíveis, conservando ilesa a sua alma.

Enquanto que em outros, o tremor da lua refletida num lago deserto ou o gorjeio de um pássaro numa moita, bastam para causar uma convulsão capaz de lhes alterar todo o ser.

É isto força ou fraqueza, falta de imaginação ou instabilidade de caráter?

Não sei, e creio que os psicólogos poderiam melhor formular uma resposta para isso...”

 

Bem, o caminho prosseguiu em constante aclividade, que agora cobrava seu tributo nas minhas pernas dormentes e já um tanto doloridas.

Meia hora depois e ainda em ascensão, atingi o local da divisa dos Estados e, após girar à esquerda, retornei definitivamente às terras paulistas.

A partir dali iniciou-se um gradativo descenso, por um caminho que proporcionava vistas preciosas pelo seu lado esquerdo.

Porquanto, esse trecho específico, reveste-se de uma beleza natural indescritível, que nos possibilita viver momentos deliciosos, dando liberdade a nossa alma e fantasia, longe das angústias, lutas e sórdidas competições das cidades.

Mais abaixo, já descendo, encontrei altaneiro um marco do Caminho da Fé, em meio à espessa mata, num local místico e soturno, me avisando que daquele ponto faltava exatamente 100 quilômetros para eu chegar a minha meta maior: a Basílica de Nossa Senhora, em Aparecida.

Isto ensejou uma pausa para descanso e, visto que a chuva recente deixara ali o piso bastante úmido e macio, inseri nele meu cajado, posicionei a máquina fotográfica, programei o disparador para 10 segundos e fiz pose.

O resultado, malgrado as condições climáticas, até que ficou razoável, conforme se pode conferir na foto acima.

Logo em seguida, como se referendando a comemoração pela marca que eu havia atingido, uma revoada de maritacas passou sobre minha cabeça e quebrou o silêncio reinante de forma espetacular.

Ainda descendo lentamente, transitei por um grande bosque de pinheiros, em meio a muita umidade e espessa neblina, até atingir o asfalto, quando meu relógio marcava exatamente 8 horas.

Então, prossegui subindo até que, entre as placas que marcam os quilômetros 96 e 94, eu cheguei a 1.810 metros de altura, a maior altimetria que atingi em toda a minha peregrinação, pois atualmente, neste local, se localiza o ponto culminante do Caminho da Fé.

A partir desse marco, principiei a descer e logo cheguei à Pousada Barão Montês.

Um funcionário trabalhava na área externa, aparando árvores junto à divisa lindeira.

Então lhe perguntei sobre o Márcio, o proprietário daquele estabelecimento.

Ele me respondeu que seu patrão havia ido à cidade adquirir víveres, de forma que lhe agradeci e abortei a visita programada ao local, para carimbar minha credencial.

Fiz defronte ao portão de acesso uma breve parada para ingestão de líquidos, depois prossegui adiante, agora em desabalado descenso.

Seis quilômetros depois, já no bairro Campista, eu adentrei à direita e, mais à frente, fleti à esquerda, e logo acessei larga estrada de terra, localizada em meio a frondoso bosque.

Por ela segui solitário, em meio ao pipilar dos pássaros por mais cinco quilômetros até atingir o cimo do outeiro.

Dali, já no plano, eu avistava a cidade de Campos do Jordão, minha meta para aquele dia.

Contudo, ainda restavam 10 duríssimos quilômetros para aportar ao meu destino.

Foi um percurso urbano, cheio de curvas e nuances, pois primeiramente caminhei em terra, depois em asfalto, mais abaixo retornei a pisar em terreno empedrado até, finalmente, atingir a Pousada do Peregrino, quando meu relógio marcava 13 horas.

Fui muito bem recebido pela Bianca, a responsável pelo local, onde rapidamente me hidratei, pois estava realmente exausto, em face da longa jornada sobrepujada.

Com a simpática Bianca, hospitaleira da Pousada do Peregrino

Mais tarde, depois de um reconfortante banho, tomei um ônibus e fui passear no bairro Capivari, onde também aproveitei para almoçar.

Finda a refeição, tomei um circular e fui até o bairro Albernessia para acessar a internet.

Aproveitei minha estada ali para clarificar minhas dúvidas num ponto de táxi, posto que eu não tencionava prosseguir o Caminho da Fé via Estação Piracuama e Pindamonhangaba, que fazem parte do roteiro oficial.

Ao contrário, minha intenção era acessar o Caminho de Pedrinhas que tem seu início no outro lado da cidade, por isso tentei checar quilometragem e orientações para localizar esse roteiro.

Mais tarde na Pousada, recebi orientações da Bianca sobre minha decisão para o dia seguinte.

Ela me disse que eu deveria seguir até o Horto Florestal, distante 16 quilômetros do local onde eu me encontrava, e dali prosseguir por terra até Aparecida.

Porém, enfaticamente, não me aconselhou a fazer tal trajeto a pé, posto que ele é todo asfaltado, urbano, em praticamente toda a sua extensão, não possui calçada ou acostamento, que me permitisse seguir despreocupado com o tráfego de veículos.

Além disto, em seu final, transita-se por bairros periféricos, onde eu poderia correr algum tipo de perigo em termos físicos, em face do horário extemporâneo.

Existem ônibus que fazem o trajeto cidade-Horto por preço acessível, porém eles só iniciam tal itinerário após as 7 horas.

E como eu pretendia sair o mais cedo possível, combinei fazer tal percurso com um taxista, com o fito de agilizar minha partida.

Tudo resolvido, tomei um lanche e depois me recolhi, pois fazia bastante frio naquela noite.

AVALIAÇÃO PESSOAL – Uma etapa duríssima, mormente se você estiver carregando uma mochila com 8 quilos nas costas, como eu, durante todo o trajeto. Entretanto, transita-se por locais belíssimos, extremamente arborizados e quase sempre sobre piso em terra. No geral, um dos percursos mais difíceis dentre todos os que cumpri no Caminho, pela extrema variação altimétrica que necessita ser sobrepujada durante o trajeto.

15ª etapa: CAMPOS DE JORDÃO à APARECIDA – 49 quilômetros