14ª Etapa – O PORTO à SÃO PEDRO DE RATES – 37 QUILÔMETROS

14ª Etapa – O PORTO à SÃO PEDRO DE RATES – 37 QUILÔMETROS – “O PRIMEIRO ALBERGUE

“Vários documentos medievais citavam a calçada “Karraria Antíqua”, que se tinha como Caminho para Santiago, e que se desviava da rota romana de OPorto a Braga, para seguir em direção ao norte, por onde está hoje a rua Cedofeita. Prosseguia pela rua de Araújo e cruzava o rio Leça pela ponte de Azenha ou de Barreiros. Esta é a direção exata que o moderno Caminho Português Central segue ainda hoje, para deixar para atrás a cidade Portuense. Muitos desses lugares são todavia identificáveis, como a ponte sobre o Leça, o carvalho da capela de Araújo, ainda que por desgraça, o peregrino moderno, ao invés de encontrar trilhas de terra, irá se deparar com rodovias asfaltadas. A notícia positiva é que hoje ele poderá utilizar o primeiro albergue oficial de peregrinos do Caminho Português, o de São Pedro de Rates. Fica longe do Porto, a 37 quilômetros, uma distância considerável, sobretudo para aqueles que começam sua peregrinação no Porto, e ainda não tem os pés curtidos pelas jornadas anteriores. O único ponto intermediário com alojamento é Vilar do Pinheiro, a uns 17 quilômetros da saída.” (Traduzido/transcrito do Guia El País Aguilar, edição do ano de 2007, que utilizei na viagem)

 

Já sabendo que teríamos uma longa jornada pela frente, eu e meu amigo Demétrius (Dedé), decidimos sair às 5 h, porquanto os primeiros 12 quilômetros seriam trilhados em solo citadino, assim, teríamos a iluminação urbana a nos auxiliar.

O noticiário alardeava pela TV que a passagem de uma frente fria pela região, provocaria intensas chuvas depois das 12 horas, previsão metereológica que, graças à Santiago, não se confirmou.

Isto posto, deixamos o local de pernoite, atravessamos a Praça da Liberdade e seguimos em direção à Catedral da Sé.

Na praça, diante daquele local sacro que, compreensivelmente, se encontrava fechado naquele horário, cada um de nós fez sua oração particular.

Depois, juntos, pedimos proteção para a jornada que iríamos encetar e, na sequência, nos cumprimentamos efusivamente.

Em seguida, demos início ao percurso do dia, seguindo pela Calçada Dom Pedro Pitões, através de extensa escadaria, que logo desembocou na Igreja dos Grilos.

Mais acima, próximo da igreja da Misericórdia, encontramos uma bifurcação: se seguíssemos em frente, estaríamos percorrendo o Caminho Português Interior, que vai em direção à Braga, utilizando o roteiro que segue o rumo da calçada romana XVI.

Nosso propósito, no entanto, era percorrer o Caminho Português Central, de forma que giramos à esquerda, e acessamos a Rua Ferraz, por onde prosseguimos nosso périplo.

Mais adiante, junto à Igreja do Carmo, nós adentramos à Rua de Cedofeita, na verdade, uma larga avenida voltada quase integralmente ao comércio, que de forma retilínea, nos retirou do centro da cidade.

Naturalmente, vão se alterando, conforme avançamos, o nome das ruas, porém a sinalização no Caminho está perfeita, de maneira que seguimos sempre em frente, sem nos desviar.

E nesse pique, passamos por Padrão de Légua, onde existe um cruzeiro do século XVII, cuja indicação nos dá ideia de que havíamos caminhado uma légua desde a Sé, e nesse local ocorre a união das duas vias romanas que partiam para o norte, desde o Porto.

Durante a caminhada eu ia observando todas as coisas e chamou mesmo a atenção as fachadas de alguns edifícios, como igrejas ou simples casas, recobertas de azulejos azuis, idêntico ao da antiga igreja paroquial do distrito de Carvalhido.

É de se lembrar, que esse trajeto coincide com a antiga “Karraria Antíqua”, a calçada medieval que antes foi romana e hoje está sobreposta sob a Rodovia Nacional.

Ao longo de todo o trajeto pudemos ver muitos bares e padarias, mas ainda fechados, em face do horário extemporâneo.

Depois de 10 quilômetros vencidos em bom ritmo, passamos pela Capela de Araújo, onde existe uma pequena ermida do século XVIII, com pórtico de granito e reboco em gesso.

Ao seu lado há um grande carvalho com uma imagem de São Pedro inserida em uma fenda existente em seu tronco.

Segundo a lenda, a árvore chegou a esse local, arrastada por uma enxurrada, nos finais do século XIX e, milagrosamente, quedou na posição vertical e começou a minar água benta.

Desde então, romarias não param de chegar ao local e feiras religiosas sobrevivem no entorno.

Depois de fotografar o ambiente, seguimos adiante e, dois quilômetros depois, nós cruzamos o rio Leça, através da famosa ponte Moreira.

Segundo li, as águas que correm sob a ponte estão bastante poluídas.

Mais dois quilômetros vencidos por ruas pavimentadas, e passamos por Maia, onde pude fotografar a igreja dedicada à Nossa Senhora do Bom Despacho, padroeira da povoação, um bonito templo que tem sua fachada coberta por azulejos.

Na sequência, ainda em piso duro, passamos pela zona industrial de Maia, enquanto o dia se mantinha plúmbeo, frio e ventoso.

Aliás, caminhar contra o vento forte em um local aberto, aumenta significativamente o esforço e o desgaste físico, pois, se mal comparando, seria como tentar acelerar um carro com o freio de mão puxado.

Mais adiante, por asfalto, finalmente, ultrapassamos alguns entornos campestres, onde avistamos milharais, vinhedos e terras sendo preparadas para plantio.

Sem dúvida, essa visão trouxe paz e tranquilidade à minha mente, um tanto cansada dos ângulos formados pelas construções de alvenaria.

Após ultrapassar o polígono industrial, as flechas nos conduziram ao povoado de Vilar do Pinheiro, onde pude observar belas casas de arquitetura tradicional, situadas em ruas calçadas em paralelepípedos.

Apenas por curiosidade, anteriormente esta povoação tinha o nome de Vilar dos Porcos, mas trocou seu nome por razões evidentes.

Às 9 h, dezoito quilômetros vencidos, passamos por Mosteiró, outra minúscula povoação que atravessamos em dez minutos, se tanto.

Ali encontramos uma ampla e arejada praça, que desta maneira nos convidou a uma pausa para hidratação e ingestão de bananas.

O dia permanecia encoberto e frio, ideal para caminhar, de forma que logo retomamos a marcha e, um quilômetro depois, nós passamos por Vilar, que é quase uma continuação do povoado anterior, pois eles estão separados apenas por uma rua.

Depois de atravessar a pequena vila, acabamos por desembocar na rodovia N-306 e o trecho seguinte foi bastante sofrido, pois essa “carretera” comporta um expressivo tráfego de veículos e não tem acostamento.

E por ela teríamos que caminhar 11 quilômetros, onde todo o cuidado é pouco, porquanto, por vezes, caminha-se embutido entre muros laterais de pedra, onde éramos obrigados a nos encostar quando ocorria o cruzamento de dois veículos.

Nesse ritmo passamos por Gião e, ainda pela “carretera”, chegamos em Vilarinho, uma povoação bem maior que as anteriores, pois oferece bons serviços ao peregrino, embora não exista opção de pernoite.

O destaque ali é a igreja matriz, com fachada em azulejos.

Na praça fronteiriça, pudemos fotografar um interessante e histórico cruzeiro, datado de 1640.

Prosseguimos pela rodovia N-306, que ali muda de nome, passando a se chamar rua Ponte d’Ave, até que um quilômetro mais adiante, adentramos à direita em um caminho de terra, pleno de cores verdes.

Ele segue o traçado do antigo caminho medieval e, um quilômetro depois, através da belíssima Ponte de Zameiro, construída no século X, nós transpusemos o rio Ave, que nesse local tem mais de cem metros de largura e expressivo volume de água.

Dois dos oito arcos existentes nessa “puente medieval” vieram a ruir em março de 2001, sendo que foram reconstruídos recentemente e o tráfego de pedestres ficou liberado.

Depois de 30 quilômetros vencidos, passamos por Junqueira, outra minúscula povoação, rodeada de grandes e famosas quintas de recreio, como a Quinta Vilar de Matos, que possui um dos maiores viveiros de camélias de Portugal.

E suas flores são conhecidas nas terras lusitanas como “Rainhas de Inverno”, porque florescem exatamente quando o frio não permite que as demais mostrem a beleza de suas pétalas coloridas.

Na sequência, nós deixamos a povoação pela calçada de Estalagem, um caminho amplo e calçado em pedras, localizado entre muros de grandes quintas.

Logo passamos diante de grandiosas ruínas, onde funcionava a Estalagem das Pulgas, uma antiga casa de postas, hoje desaparecida, mas que em priscas eras fazia a acolhida de viajantes e peregrinos, que haviam saído de manhã do Porto.

Logo adiante, acessamos novamente a rodovia nacional, porém depois de 1.500 metros a abandonamos definitivamente, seguindo por um caminho de terra, localizado entre grandes vinhedos, enquanto já enxergávamos a silhueta da cidade de São Miguel dos Arcos, num outeiro próximo.

Antes de lá aportar, transpusemos a “Puente de Arcos” sobre o rio Este, outra travessia em pedra, da época medieval, contendo 3 arcos.

Assim, deixamos à direita os muros da Quinta São Miguel, uma antiquíssima propriedade agrícola, hoje transformada, em casa de turismo rural.

E antes de chegarmos ao centro da pequena povoação, onde se destaca a igreja de São Miguel, as flechas nos remeteram à esquerda.

Depois de mais três quilômetros vencidos, em meio a plantações de milho, vinhedos e bosques de eucaliptos, atravessamos novamente a rodovia N-306 e, às 14 h 30 min, finalmente, aportamos em São Pedro de Rates, nossa meta para aquele dia.

Na cidade, ficamos hospedados no Turismo Rural Casa Mattos, cujo proprietário, o Sr. Pedro, nos tratou como velhos amigos, e com quem nos divertimos muito.

Trata-se de uma pessoa extremamente alegre, bonachona e inesquecível.

Depois de um demorado e merecido banho, fomos almoçar no restaurante Snack Lenz, que já estava quase fechando as portas, pois chegamos ali no seu horário limite de atendimento. 

São Pedro de Rates é um pequeno e monumental “pueblo” que nasceu em torno de um Monastério, fundado por Dom Henrique de Borgonha e sua esposa a condessa Dona Tereza, em 1.100.

A simpática povoação tem esse nome em homenagem ao primeiro bispo de Braga, que ali viveu entre os anos 45 e 60, e foi considerado o fundador do bispado de Tui, tendo sido ordenado pelo apóstolo Santiago que havia recém chegado da Terra Santa.

Ele acabou morrendo martirizado ao tentar converter ao cristianismo os povos que viviam ao norte de Portugal, de religião romana.

O Monastério ficou a cargo da Ordem de Cluny, grandes propulsores dos caminhos jacobeos na Espanha, e o que resta do recinto conventual, é uma vigorosa igreja-românica dos séculos XII e XIII, com acréscimos góticos.

Classificada como monumento nacional, se constitui de um exemplo românico medieval do então emergente reino de Portugal.

Descritivamente, trata-se de um templo de três naves, bastante irregular em sua estrutura, reflexo do largo período de dúvidas e vacilações construtivas a que esteve sujeito.

O acesso à igreja se faz por um imponente portal axial de cinco arquivoltas e arcos de volta perfeita.

Para a restauração integral do monumento, realizada em 1940, resultou de grande utilidade o desenho feito pelo pintor Pier Maria Bardi, que acompanhou Cosme de Médici, na sua peregrinação, em 1669.

Rates chegou a ser município independente, e daquela época resta o pelourinho (picota) que preside a praça principal do “pueblo”, símbolo do poder municipal e lugar onde eram proclamados os editais e se executavam sentenças.

Bem como a Casa dos Paços do Conselho, de 1755, o palácio mais destacável dos vários que protagonizam o “eixo viejo” desta surpreendente vila. 

Mais tarde, depois de um breve descanso, fomos visitar o “casco viejo” da interessante cidadezinha, e pudemos conhecer o interior de sua histórica igreja matriz.

Nela, por sinal, se realizava uma concorrida cerimônia religiosa, posto que era dia de seu santo homenageado e, por isso mesmo, feriado na localidade.

Na sequência, seguimos até o albergue, considerado um dos melhores do Caminho Português, localizado num amplo prédio de 2 pavimentos, que disponibiliza aos caminhantes 45 camas, espaçosa cozinha, sala de estar, lavanderia, pátio, etc..

Lá encontramos instalados uns 12 peregrinos, a maioria de procedência germânica, e depois de breve visita ao local, fomos “selar” nossas credenciais logo em frente, numa “tienda” de comestíveis, onde trabalha o hospitaleiro deste magnífico refúgio.

Nós não poderíamos utilizar esse tipo de alojamento, porque não portávamos saco de dormir, artigo imprescindível na mochila do peregrino que só pernoita em albergues ou hospedagens do gênero.

No retorno, nós fomos a um supermercado, para nos prover de água e víveres para a jornada do dia seguinte.

Mais tarde, quando retornamos ao local de pernoite, fomos surpreendidos por um convite do Sr. Pedro, que naquela data estava completando 65 anos, e praticamente nos intimou a participar, à noite, da celebração de seu aniversário.

Às 19 h 30 min, no horário aprazado para a festividade, nos reunimos com sua família e, depois dos cânticos, brincadeiras e cumprimentos de praxe, pudemos degustar salgados, tortas e até champanhe francês.

A parte hilária e divertida da reunião foi quando apareceu um morcego voando dentro da sala, e que acabou sendo perseguido e devidamente abatido pelo Sr. Pedro, com uma certeira vassourada.

Depois de exibir o horripilante mamífero para uma seção de fotos, o Sr. Pedro levou-o ao quintal para libertá-lo, tudo sob apupos, vaias, palmas e risadas do animado grupo de convivas.

Logo depois que o bolo foi cortado e saboreado, nos despedimos cordialmente de todos e, em seguida, fomos dormir, porque o dia fora bastante cansativo.

 

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma etapa de considerável extensão, principalmente para aqueles que estão iniciando o Caminho. Além de ser praticamente um trecho todo urbano nos seus primeiros 20 quilômetros. A partir da transposição da espetacular Ponte medieval de Zameiro, a paisagem mudou radicalmente, pois passamos a transitar por zonas cultivadas e plenas de cores verdes. No geral, um trajeto duro e bastante cansativo, porque 2/3 do percurso são trilhados em asfalto.

15ª Etapa – SÃO PEDRO DE RATES à BARCELOS – 17 QUILÔMETROS