13ª etapa – SANGUESA a MONREAL - 27 quilômetros

Sem limites, sem expectativas, um passo por vez e tudo acontece.

A etapa não seria tão extensa, mas havia previsão de chuvas para aquela data.

Gosto demais de caminhar no alvorecer, de forma que às 6 horas, ainda no escuro, pois o dia só nasceria dali a uma hora, deixei o local de pernoite e segui à esquerda, sobre piso asfáltico.

Em 2004, quando passei por ali, o caminho seguia em direção à Foz de Lumbier, porém tal roteiro foi desativado.

Dessa forma, duzentos metros adiante, as flechas me direcionaram para a esquerda e logo se findou a iluminação urbana.

Imediatamente, liguei minha potente lanterna e segui adiante, sem maiores percalços.

A estrada asfaltada conduz o peregrino diretamente ao povoado de Rocaforte, porém, o caminho oficial segue por uma trilha à direita, pela qual prossegui, mas logo me arrependi amargamente.

Ocorre que face às chuvas recentes, encontrei o trilho matoso e extremamente úmido, o que acabou por molhar abundantemente minhas roupas e meias.

O caminho faz uma grande volta para adentrar em Rocaforte, uma minúscula vila, onde cheguei depois de caminhar 3 quilômetros.

Tudo ali estava silencioso e deserto, ninguém e nenhum veículo se movimentando pelas ruas vazias e frias da minúscula povoação.

Depois de Rocaforte, caminho pedregoso.

Seguindo as flechas amarelas, logo descendi pelo lado oposto e, na sequência, prossegui por estradas bem demarcadas, porém, extremamente pedregosas.

O dia se mantinha nublado, fresco e o céu ameaçador.

Lentamente, a luz solar veio se infiltrando no ambiente e logo pude desligar minha lanterna de mão.

Quase sem perceber, eu prossegui em lento ascenso, sempre solitário e por estradas rurais, agradabilíssimas.

Esse trecho do caminho foi calçado.

Em local ermo onde, anteriormente, haveria atoleiros, encontrei tudo calçado com pedras, certamente, preocupação do governo em preservar a saúde do peregrino.

A partir dali, principiei a ascender forte, pois eu estava caminhando em direção ao Alto de Aibar.

Trilha pedregosa; início de forte ascenso.

O sol havia dados as caras, porém, logo em seguida, submergiu num bloco de nuvens.

O caminho nesse trecho é, realmente, espetacular.

Caminhando pelo topo da montanha.

Flores ladeavam meu percurso, na verdade, um minúsculo trilho, em meio a belíssima vegetação.

Foi outro dos trechos mais belos e ermos que percorri nesse tramo aragonês.

Eu segui caminhando pelo cimo de uma montanha e, de alguns locais, podia visualizar uma estrada asfaltada que transcorria num planalto uns 500 metros abaixo.

Afora isso, tudo era silêncio e ermosidade.

Trilha arejada e solitária.

Eu curti intensamente esse trecho, porém, sabia também que se algo me ocorresse, ninguém me socorreria, porque, até onde eu sabia, não havia ninguém à minha retaguarda.

Fato que se mostrou inverídico, depois que aportei a Monreal.

O caminho seguiu com descensos e alguns ascensos, nada muito importante, pois fui vencendo os desafios que iam surgindo, sem maiores problemas.

Mas, de forma calculada, eu estava na maior parte do tempo, em perene ascensão, em direção ao Alto do Loiti, o ponto de maior altimetria dessa jornada.

Porquanto, ele se encontra a quase 800 metros de altitude e o alcancei depois de percorrer 17 quilômetros.

De se ressaltar que Sanguesa, de onde partira naquela manhã, se encontra situada a 380 metros de altura.

Qual seja, venci um razoável desnível, ainda que ele tenha sido disseminado por vários quilômetros.

Esse foi, sem dúvida, um dos trechos mais belos do caminho.

A paisagem, no entorno, permaneceu imutável, com muito verde e flores amarelas, típicas da região, a dar o tom ao mágico ambiente.

Ao menos em quatro locais distintos eu ultrapassei porteiras, sendo que havia avisos em cercas solicitando que deixassem a mesma fechada, em vista de haver gado solto no entorno.

Interessante foi que não vi e nem ouvi barulho de nenhum animal, nem mesmo notei fezes na estrada, portanto, não sei se tratava de bovinos ou ovinos.

Ademais, caminhei por horas sem avistar vivalma ou ouvir o som de alguma máquina trabalhando, seja trator ou motosserra, por exemplo.

Como de hábito, o único som que eu escutei nesse intermeio provinha de uma brisa fria, provinda do norte, e o ininterrupto gorjeio dos pássaros.

Paisagens surreais.

Foi esse, sem dúvida, um dos trechos mais marcantes de todo o meu caminho, do qual nunca me esquecerei.

Hora de festejar e agradecer!

Em determinado local, posicionei novamente minha máquina fotográfica, acionei o temporizador e, alegre, eternizei mais um inolvidável momento no caminho.

A cidade de Izco está próxima, no horizonte.

Na sequência, segui em desabalado descendo, ultrapassei uma rodovia vicinal e, ainda por uma estrada de terra, situada entre imensos trigais, acabei por aportar em Izco, depois de vencer 19 quilômetros.

Adentrando em Izco.

Utilizando um banco alocado em uma praça, fiz breve pausa para descanso, hidratação e ingestão de uma banana.

O tempo estava fechado, nuvens escuras se aproximando, chance de chuva a qualquer momento.

Eu levava a mochila protegida por sua capa impermeável e tinha intenção de aportar ao meu destino antes que as comportas celestes se abrissem.

Assim, dez minutos mais tarde já estava de volta à dura liça peregrina.

O caminho sequente se mostrou um tanto árduo, porque todo ele trilhado sobre cimento, por locais arejados, retilíneos e sem sombras, fato que não me afetou, pois o clima prosseguia fresco, e o céu nublado.

À minha frente, imponderável, estava o famoso Monte Higa de Monreal que, com seus 1.295 metros de altura, se destaca, sobremaneira, na imensa planura que o ladeia.

Mais um momento de alegria e descontração!

Ele faz parte da serra Alaitz e, curiosamente, seu cume pode ser alcançado a pé ou em veículos, pois existe uma estrada que leva ao seu topo.

O Monte Higa cada vez mais próximo.

E dizem que de lá, a visão que se descortina da região é fantástica, podendo se ver, inclusive, a capital da Navarra, Pamplona, distante 18 quilômetros daquele local.

Nesse trajeto final eu passei por Abinzano, minúscula vila, onde pude fotografar a igreja de São Pedro.

Caminho retilíneo...

Mais alguns quilômetros e adentrei, rapidamente, em Salinas de Ibargotti, outra pequena povoação onde não vi bares ou comércio.

Transitando por Salinas de Ibargotti.

Desci à esquerda e, sempre por terra, percorri o derradeiro trecho dessa etapa.

No último tramo, passei pelo interior de um fabuloso bosque, onde o verde, em todas as cores, davam o tom ao ambiente.

Bosque mágico, no final da etapa.

Nesse local, iniciou-se severa garoa, mas como eu estava próximo de finalizar minha jornada, preferi seguir em frente sem vestir minha capa de chuva.

Já em zona urbana, passei ao lado de famosa ponte medieval, edificada sobre o rio Elorz, que possui dois arcos e 25 metros de extensão

A famosa "Puente Medieval".

E logo estava transitando dentro de Monreal, um magnífico povoado, cuja população é de 480 habitantes.

Minha intenção, como em 2004, era pernoitar no Hostal Unzué, mas tal estabelecimento fechou suas portas há 6 anos.

Sem outra alternativa, acabei me hospedando no excelente albergue de peregrinos ali existente, onde paguei 10 Euros para dormir.

O local oferece 10 beliches, cozinha completa, máquina de lavar roupas, geladeira e outros equipamentos, inclusive, wi-fi gratuito.

Por sorte, nas camas havia mantas e não passei frio.

Albergue de Peregrinos de Monreal. Excelente!

Fiquei ali solitário por um bom tempo, interregno que utilizei para me banhar, lavar roupas e fazer uma grande limpeza em minha mochila.

Mais tarde, embora a chuva não desse trégua, eu caminhei uns 50 metros, se tanto, e fui almoçar no bar Centro, localizado defronte à igreja matriz.

Ali fui muito bem atendido e ingeri o prato do dia, de excelente qualidade, pelo qual paguei 10 Euros.

Enquanto eu cochilava em minha cama, foram chegando outros peregrinos.

No final da tarde, estávamos em 8 pessoas, contudo, um pouco mais tarde aportou ao local, todo molhado, um ciclista, o Miguel, que se instalou ao lado de minha cama.

Monreal, situada próximo do Monte La Higa, esse pequeno povoado foi residência de caça dos reis na Navarra e contou com um castelo, atualmente em ruínas.

Na verdade, ele foi demolido em 1521, a mando real, após a conquista da Navarra pelos reinos de Castilla e Aragón.

A igreja matriz de Monreal.

Durante séculos, essa vila foi muito importante, tanto que, em 1149, o rei Garcia Ramírez lhe concedeu o privilégio de comerciar com os francos da cidade de Estella.

No século XII, a cidade tinha um hospital de peregrinos e o clérigo e peregrino francês, Aymeric Picaud, autor do “Codex Calixtinus”, quando seguiu em direção a Santiago, em 1139, a cavalo, pernoitou nessa localidade.

Porta principal da igreja matriz. Fechada!

Uma de suas maiores atrações, que pude fotografar, mais tarde, foi a igreja matriz, cujo patrono é San Martín.

Porém, como de hábito no caminho, ela também se encontrava fechada.

A cidade tem inúmeras casas blasonadas em sua “Calle Mayor”, porém a chuva prosseguia, sem parar e, eu não queria adquirir uma gripe, dessa forma, deixei para visitá-las em outra ocasião.

Uma rua de Monreal.

Mais tarde, utilizando minha capa, fui até a “tienda” gerenciada pela Alícia, a hospitaleira do albergue, pessoa extremamente simpática e que me proveu de mais notícias sobre a cidade.

À noite, fui lanchar no bar Centro e ali compartilhei uma mesa com os demais peregrinos.

De retorno ao albergue, fiquei um bom tempo conversando com meu vizinho de cama, o ciclista Miguel, que alternava percursos a pé e em bicicleta na Espanha.

Trocamos informações, checamos cronogramas, traçamos planos e combinamos nos ver na trilha na manhã sequente.

E logo me deitei.

Por sorte, em face da distância existente entre as camas e pela amplitude do ambiente, surpreendentemente, dormi bem, depois, claro, de proteger meus ouvidos com espessos auriculares.

CONCLUSÃO PESSOAL: Uma etapa de média extensão, com um ascenso a ser superado a partir do 15º quilômetro, de razoável extensão. O percurso entre o Alto de Aibar e o Alto de Loiti foi, sem dúvida, um dos trechos mais interessantes que percorri nesse roteiro. Trata-se de uma trilha localizada entre bosques de pinheiros e mata nativa, que impressiona pelo silêncio e ermosidade. No global, uma etapa tranquila, vencida sob céu nublado e com um pouco de chuva no final.

14ª etapa - MONREAL a PUENTE LA REINA - 32 quilômetros