21ª etapa: O CEBREIRO à SARRIÁ – 43 quilômetros

21ª etapa: O CEBREIRO à SARRIA – 43 quilômetros

O clima mostrava-se perfeito para caminhar, com temperaturas oscilando entre 6 e 13 oC, de forma que, ao me levantar bastante animado, resolvi avaliar minhas condições físicas quando aportasse à Triacastela, assim decidiria a “viagem” até Sarria.

Isto resolvido, levantei às 4 horas, me preparei convenientemente para a longa jornada e, às 5 h 30 min, deixei o local de pernoite, seguindo pelo acostamento da rodovia LU-634, em lento descenso.

Mais um longo percurso até Sarria.

O dia ainda demoraria bastante para raiar, mas eu segui tranquilo, porquanto embora sozinho, sabia que o risco de algum assalto ou violência física, na Espanha, é praticamente mínimo.

Quatro quilômetros cumpridos em descenso e bom ritmo, me levaram a transitar por Liñares, um povoado “fantasma”, ao ali passar.

Prosseguindo, logo passei diante do Alto de São Roque, localizado a 1270 metros de altitude, onde pude avistar uma enorme estátua que representa um peregrino lutando contra o vento, mas ela se encontrava longe, do outro lado da pista, de forma que resolvi não ir até lá fotografá-la.

A partir desse marco, seguindo as flechas amarelas, eu entrei à direita e acessei larga estrada de terra, por onde segui bastante confortável, pois o piso estava socado e uniforme.

Finalmente, o dia principia a amanhecer.

Meia hora depois eu passei por Hospital, outra minúscula povoação.

Caminho pedregoso em direção ao Alto do Poio.

Na sequência, mais 3 quilômetros vencidos por sendas preciosas, e com o dia já amanhecendo à minha retaguarda, enfrentei duríssimo “repecho”, para vencer o Alto do Poio, o ponto culminante da Galícia.

Nesse local, curiosamente, como se tivéssemos marcado encontro no dia anterior, me reencontrei com o Javier e sua “troupe”, que estavam estacionando o carro naquele local.

"Andadero" à beira da rodovia.

Posteriormente, após finalizarem a etapa do dia, tomariam um táxi para vir resgatar o veículo.

Assim, seguimos juntos em animado papo e, passamos rapidamente por Fonfría, onde o comércio ainda permanecia fechado, embora meus amigos estivessem desesperados por ingerir seu desjejum.

 

A Galícia e o verde: tudo a ver!

Após sair do Cebreiro, o peregrino passa por lugarejos como Liñares, Hospital de la Condessa, e Alto do Poio (ponto culminante da Galícia, com 1.335 metros de altitude – (mais alto que o Cebreiro), para chegar à Fonfría.

Muita área verde a me rodear.

Nestas pequenas localidades há alguns recursos para saciar a sede e a fome dos peregrinos, com possibilidade de hospedagens em hostais e albergues.

Caminho descendente em direção à Fonfria.

Há, em Liñares e em Hospital, igrejas típicas, construídas em pedra, de arquitetura muito simples.

À frente e ao fundo, a cidade de Triacastela.

O destaque maior desse trecho é uma estátua em bronze, esculpida por María Acuña, que imortaliza um peregrino medieval no Alto de São Roque, como se estivesse lutando contra os ventos.

O verde, em várias tonalidades.

Em Fonfria, há um bom albergue, um hostal, um modesto restaurante e uma simpática igrejinha.

O descenso é contínuo e, em alguns locais, bastante perigoso.

O destaque é que este é o único lugar no Caminho Francês em que o peregrino brasileiro poderá saborear um legítimo sanduíche Baurú, preparado pela hospitaleira Ângela, cuja receita, certamente, aprendeu com algum peregrino brasileiro.

 

Caminho bucólico, entre exuberante natureza.

O roteiro, a partir de Fonfría, passa a descender com violência e, em bom ritmo passamos por Bidueno, prosseguimos em desabalado declive e, às 10 horas, aportamos em Triacastela.

Esta castanheira, localizada na entrada de Triacastela, tem mais de 800 anos.

Placa explicativa sobre a castanheira acima fotografada.

Imediatamente, meus amigos se dirigiram a um bar para se alimentar, enquanto eu, numa praça situada junto à bifurcação dos caminhos, parei para ingerir uma banana.

 

Adentrando em Bidueno, outro minúsculo povoado.

Antes de chegar a Triacastela, passa-se por Biduedo, onde há uma simples capela dedicada a San Pedro, e uma casa rural onde se pode fazer uma refeição e dormir em caso de necessidade.

Já, no povoado de Triacastela, existe uma importante bifurcação do Caminho, visto que na saída da cidade o peregrino deve decidir se vai pelas trilhas, que passam pelo monastério de Samos, ou se segue pelo roteiro que passa por San Xil, desembocando ambos na cidade de Sarria.

A primeira alternativa acrescenta mais 9 quilômetros de caminhada.

Triacastela tem origem latina, significa "três castelos", sendo que a cidade cresceu ao redor de um mosteiro fortificado, dedicado a São Pedro e São Paulo, construído no século IX, nas encostas do monte Seiro, pelo conde Gatón, de El Bierzo.

A rua principal de Triacastela.

Possui a bela igreja de Santiago, que é uma reconstrução sobre outra muito anterior de arquitetura românica, que apresenta uma nave retangular e uma bela abside.

No entanto, Tricastela, hoje não tem mais nenhuma dessas construções antigas.

Alguns estudiosos citam que o significado é “hacia Castilla” (fazia castelos), e os primeiros documentos que se conhecem desta cidade, datam do século X, durante o reinado de Alfonso IX.

Muitos são os peregrinos que utilizaram esta cidade para pernoitar ou recuperar suas forças, alguns muito ilustres segundo os registros: Os reis católicos, em 15/09/1486, o imperador Carlos Magno, em 22/03/1520, e Felipe II, em data incerta, para chegar à Inglaterra, com o propósito de contrair núpcias com Maria Tudor.

Teve muitos hospitais de peregrinos, sendo citado como mais importante o de “Señor San Pedro”. Dizem que as dependências de um deles serviu de cárcere para peregrinos revoltosos, e ainda podem ser vistos alguns grafites, inscrições e desenhos de galos, feitos pelos prisioneiros de origem francesa.

Cruzeiro localizado numa praça de Triacastela.

Durante a Idade Média os peregrinos que passavam por Triacastela levavam uma grande pedra calcária, mineral abundante nesta região, porém raro no resto da Galícia.

Essas pedras eram deixadas em Castañeda, a cerca de quarenta quilômetros de Santiago, onde estavam situados os fornos de cal, que forneciam material para a construção da Catedral de Compostela.

À época, eles eram os nominados de peregrinos petríferos.

A cidade conta também com excelente infraestrutura para atender ao peregrino, e oferece excelentes albergues e bons hostais. 

Fiz uma rápida avaliação física e pude constatar que me encontrava bem, sem dores nos pés, e bastante animado, de maneira que após me hidratar abundantemente, prossegui minha “viagem”.

Local de bifurcação dos Caminhos.

E logo encontrei duas placas assinalando que, se eu pretendesse passar pelo Monastério de Samos, onde eu pernoitara em 2001, deveria seguir à esquerda.

No caminho, em direção à San Xil.

No entanto, eu tinha a intenção de prosseguir por San Xil, de forma que sem hesitação, virei à direita, e segui caminhando por uma trilha situada entre muito verde.

Famosa "Fuente dos Lameiros", onde matei minha sede.

Em uma fonte cristalina, nominada de “Fuente dos Lameiros”, situada num local estilizado, parei para me refrescar e hidratar, antes de prosseguir em frente.

Adentrando em Sal Xil.

E logo passava por San Xil, minúsculo pueblo, que contém algumas casas disseminadas, e nada tem a oferecer aos peregrinos em termos de comércio.

Chegando no Alto de Riocabo, situado a 900 m de altura.

Prossegui ainda ascendendo até atingir, finalmente, o Alto de Riocabo, situado a 900 m de altura, o ponto de maior altimetria dessa etapa.

Muito verde no entorno.

Dali, observando meu lado esquerdo, eu tinha uma visão ampla de inúmeros bosques e serras, até um longínquo horizonte, tudo impecavelmente verde, em diversas tonalidades.

O caminho prosseguiu vazio, silencioso e em meio a muito verde.

Na sequência, iniciou-se brusco descenso, mas sempre entre exuberantes matas nativas, que me proporcionavam um refresco, pois o sol estava a pino no firmamento.

Descendendo em direção à Furela.

Mais abaixo, eu transitei por Furela, depois por Calvor, onde parei num bar para adquirir uma garrafa de água, pois a que eu portava, secara há tempos.

Ao longe, à direita, avista-se a cidade de Sarria.

Dessa derradeira povoação, em 2004, eu segui integralmente por asfalto, e foi um percurso duríssimo e difícil, do qual guardo péssimas lembranças.

Igrejinha de Furela.

Atualmente, existe um bem arrumado “andadero” à beira da pista, bastante arborizado, o que deixou esse trajeto final mais suave, fresco e interessante.

"Andadero" em direção à Sarria.

E sem maiores intercorrência, eu adentrei em Sarria, seguindo por sua avenida principal até o Hotel Roma, onde havia feito reserva.

Avenida principal de Sarria.

Tratava-se do primeiro domingo do mês de maio, data em que se comemora o “Dia das Mães” na Espanha, e face o horário extemporâneo, tive dificuldades para encontrar um restaurante onde houvesse lugar disponível.

Almoço "light", após finalizar o duríssimo trajeto do dia.

Assim, me socorri de um bar próximo, onde, surpreendentemente, pude degustar um autêntico “menu del peregrino”, por apenas 9 Euros.

Conchas estilizadas que guiam o peregrino dentro da cidade de Sarria.

Para os peregrinos que optarem por seguir até Sarria, via San Xil, passarão também por pequenas vilas: Montán, Furela, Pintín, Calvor e Aguiada, que muito pouco oferecem ao peregrino a não ser a bela passagem da travessia dos bosques de San Xil, onde há uma das mais belas fontes do Caminho – a dos Lameiros – adornada com uma enorme concha.

A cidade de Sarria, com seus mais de 10 mil habitantes (cidade grande para os padrões do Caminho de Santiago), há de se destacar sua parte antiga, que tem como ponto central a ladeira por onde passam os peregrinos, e onde se concentram a maioria dos albergues.

Na antiguidade mais remota, ela foi um assentamento romano, contudo, posteriormente, ela foi repovoada por Alfonso IX, e durante a idade média, os senhores feudais (Condes de Sarria) estabeleceram sua sede num castelo, hoje em ruínas.

Singela ermida, do século XIII.

Merece atenção especial o templo paroquial de Santa Marina, cuja base é do século XII, e que foi totalmente reconstruída.

O convento de La Magdalena é do século XIII (românico), foi fundado por freis italianos, e até 1896 esteve sob a guarda dos padres mercedários.

Na fachada ele apresenta o escudo do Conde de Lemos, e em seu interior nichos góticos manuelinos.

A igreja de San Salvador é um templo românico, com somente uma nave, e as suas portadas, principalmente a do muro norte, conta com um tímpano peculiar, cuja iconografia é bastante misteriosa.

Estação ferroviária de Sarria.

E, finalmente, tem a ermita de San Lázaro, que foi um hospital de leprosos entre os séculos XIV ao XVIII.

Ainda, entre os monumentos, há o que sobrou (uma torre) da fortaleza dos marqueses de Sarria.

A cidade dispõe de farta escolha de acomodações – albergues, hostais e hotéis, diversos restaurantes, bancos, mercados, etc.

Por oferecer esta ampla estrutura e distar aproximadamente 110 quilômetros de Santiago, é uma das cidades preferidas pelos peregrinos para iniciar o seu Caminho, já que 100 quilômetros é a distância mínima a ser percorrida a pé, para receber a Compostelana.

 

Rio Sarria, que dá nome à cidade.

Depois de uma boa e reconfortante soneca, fui conhecer o local por onde deixaria a cidade no dia seguinte e, ainda próximo do hotel, encontrei Javier e seus 3 amigos aguardando um táxi, pois iriam buscar o carro que ficara estacionado no Alto do Poio.

Infelizmente, eu estava sem a máquina fotográfica, e não pude fazer um registro desse momento único, pois, no dia seguinte, eles não pernoitariam em Portomarín como eu, visto que seguiriam adiante.

Local intensamente frequentado pelos moradores da cidade.

Eles também aportariam em Santiago no dia 08/05, mas no período da manhã, a tempo de assistir à Missa dos Peregrinos e, imediatamente, retornariam aos seus lares.

Eu também chegaria à Santiago na mesma data, porém, no período da tarde, assim, nunca mais os veria; coisas do Caminho, que é pleno de encontros e desencontros.

Flanando, após a dura jornada do dia.

Mais tarde, dei uma volta pela passarela instalada à beira do belíssimo rio Sarria, que dá nome a essa bela cidade, e pude observar e fotografar muitas pessoas, inclusive crianças, tomando café ou degustando sorvetes nas mesas instaladas à beira do canal fluvial.

Voltando ao hotel, ainda parei no mesmo bar em que almoçara, para fazer singelo lanche, depois me recolhi, pois a jornada daquele dia fora, deveras, longa e extenuante.

22ª etapa: SARRIÁ à PORTOMARIN – 26 quilômetros