19ª Jornada

19ª Jornada - Tábara a Calzadilla de Tera – 34 quilômetros – “Rio Tera e Piopos”:

 

Vinha caminhando desde a 3ª etapa sozinho, porquanto, sempre que possível, pernoitava em Hostal e, mesmo quando dormia em albergues, partia muito cedo, de forma que raramente encontrava algum peregrino durante o trajeto. 

Dessa forma, me sentia profundamente solitário.

Gianfranco, o italiano, necessitava comprar sua passagem de retorno à sua casa (Santiago de Compostela à Milão), e estava preocupado, pois, talvez, não encontrasse mais lugar disponível na data aprazada.     

Tentara no dia anterior fazer tal operação, via Internet, porém, seu limitado conhecimento de informática não lhe permitiu executar essa “difícil” tarefa. 

Como me viu “teclando” com desenvoltura, solicitou ajuda em tal mister.

Prontamente acedi, de maneira que resolvemos seguir juntos nessa etapa e na primeira localidade onde pudéssemos “navegar”, eu tentaria solucionar seu problema.Assim, levantamos às 6 h, tomamos proveitoso desjejum na cozinha do albergue e, às 7 h 20 min, quando o dia principiou a clarear, saímos para cumprir uma jornada muito tranqüila que seria, em princípio, de apenas 23 quilômetros.   

O percurso seguiu por estradas rurais de fácil acesso, agradável e plano. 

Entretanto, confesso que estava um tanto preocupado pela parceria. 

Contudo, Franco, apesar de mostrar certa idade e carregar uma mochila que pesava inimagináveis 12 quilos, caminhava rápido e fizemos uma boa dupla.

Durante o trajeto fomos conversando e ele me contou um pouco de sua vida como desportista. 

Disse-me que na juventude sempre praticara esportes, tendo disputado campeonatos nacionais nas modalidade de esqui, montanhismo, escalada, corrida e natação. 

De maneira que, aos 71 anos, recentemente completados, esbanjava saúde e dinamismo.

Numa larga pista de terra vimos um rebanho de ovelhas que se movimentava em nossa direção. 

Um pastor e quatro mastins as guardavam. 

Repentinamente os cães nos avistaram e partiram ao nosso encontro.

Prosseguimos caminhando sem demonstrar medo, cajado em posição de defesa, mas, internamente, eu estava em pânico. 

Quando os animais estavam a ponto de nos alcançar, pararam de chofre e deixaram de ladrar ao ouvir o som estridente de um apito. 

Mansamente, quase contrariados, deram meia-volta e retornaram de onde vieram. 

Ufa, foi um outro belo susto que passei!

Às 10 h, 14 quilômetros percorridos, em ótimo ritmo, passamos por Bercianos de Valverde, pequena povoação fundada por colonizadores provenientes do Província del Bierzo, onde não encontramos nenhum tipo de serviço, seja bar ou “tienda”.

 

Logo depois de ultrapassar a cidade, num banco de pedra caprichosamente edificado, debaixo de um enorme pinheiro, fizemos uma pausa para lanchar e recompor nossas forças. 

Após o descanso, prosseguimos, sempre por largas, planas e bem sinalizadas estradas de terra, pelo caminho “de las bodegas”.

Dois quilômetros à frente, vencemos razoável elevação e, em seqüência, principiamos a descer por agradável estrada em cascalho, bastante arborizada. 

Numa curva, avistamos um casal de raposas que, assustado, fugiu para um bosque lateral. 

Logo depois, pudemos ver no horizonte Santa Croya de Tera, interessante povoação que atingimos às 12 h.

A cidade tem uma grande e bem conservada praça pela qual passamos em direção à última casa da localidade, onde se localiza o Albergue particular “Casa Anita”, famoso por sua hospitalidade, pois, seus proprietários, Ana e Domingos, são referências nesse Caminho. 

Porém, um bilhete pregado na porta dizia que naquele dia as instalações seriam abertas após às 13 h.

Consultei o relógio e vi que ainda era muito cedo. 

Então, como o dia estava fresco e nós estávamos bem dispostos, retiramos as respectivas mochilas, sentamos num banco próximo dali e começamos a estudar os mapas e planilhas que portávamos. 

Franco estava muito bem informado, pois, tanto em Sevilha quanto nas outras grandes localidades onde o Caminho passa, como Mérida, Salamanca e Zamora, comparecera à Oficina de Turismo e conseguira informações atualizadas sobre os “refúgios”, bem como quais estavam em funcionamento naquele mês de abril.

Observando as anotações, verificamos que 11 quilômetros à frente havia uma pequena cidade com um albergue municipal novo, recém inaugurado, além de possuir bares e uma “tienda”.

Decidimos, assim, seguir adiante, pois, dessa forma, ocuparíamos melhor nosso tempo e  abreviaríamos a etapa do dia seguinte, um sábado.

Antes de partir, entretanto, Franco ligou do celular para outro peregrino italiano de nome Miquelle, que havia saído mais tarde de Tábara, avisando-o de nossa decisão. 

Este gostou da idéia e confirmou, então, que seguiria nossos passos.

Num bar próximo, adquirimos água e prosseguimos por rodovia asfaltada. 

Logo à frente ultrapassamos uma grande ponte sobre o rio Tera e chegamos à Santa Marta de Tera. 

Trata-se de uma pequena povoação onde também há albergue municipal, porém, em péssimas condições.

Na sua igreja matriz, uma construção do século XI, existe gravada na porta principal, a imagem de Santiago peregrino, do século XII, que é a estátua mais antiga que se conhece, dedicada a este Santo em toda a Espanha.

Próximo do templo, dobramos à esquerda e seguimos por uma larga e bem sinalizada estrada de terra, tendo o majestoso rio à nossa esquerda.

Albergue de Calzadilla de Tera

Prosseguimos, caminhando por alamedas bem demarcadas, situadas entre inúmeros pés de chopos (“piopos”, em italiano) e álamos, num trajeto plano, fresco e extremamente agradável.

Em algumas ocasiões, ultrapassamos pontes sobre pequenos canais de água, que levam o precioso líquido desde o rio principal até as propriedades adjacentes, com a finalidade de irrigar pomares, plantações de cereais e hortas que ali existem em abundância, em razão da fecundidade da terra.

Foi este um dos trechos mais belos e agradáveis que desfrutei em toda a Via de la Plata, em meio a um extenso vergel, tendo como “pano de fundo”, ao longe, a majestosa serra de “la Carballeda”.

Sem maiores intercorrências, às 15 h, chegamos em Calzadilla de Tera, simpática povoação. 

Imediatamente, nós nos dirigimos à casa do Alcaide a fim de apanhar as chaves do albergue. 

Depois nos alojamos no andar superior de um grande prédio recentemente construído e que serve de “refúgio peregrino”.     

Ali existem confortáveis acomodações para 6 pessoas. 

E no andar inferior funciona a “Associação dos Jubilados”, onde, às 17 h, “sellamos” nossas credenciais.

Mais tarde, depois de banho tomado e roupas lavadas, chegou Miquelle e tomou posse de sua cama, ficando nós três tranqüilamente hospedados, cada qual em um dos cantos do enorme salão de pernoite.

Mais tarde, compramos provisões  numa “tienda” e ficamos sabendo que na cidade não havia Internet funcionando naquele horário. 

Contudo, a proprietária daquele comércio se condoeu das preocupações de Franco e permitiu que utilizássemos seu computador pessoal, de forma que, não sem dificuldades, pude realizar a compra de sua passagem aérea de retorno à Itália, para o dia 18 de abril.

À noite, fomos os três jantar no bar local (10 Euros).

No retorno, embora não existisse cozinha no albergue, Miquelle que carregava um pequeno fogareiro e respectivo bujão de gás na mochila, graciosamente nos preparou uma chávena de chá, excelente calmante que concorreu para uma proveitosa noite de descanso.

           

Interior do albergue

Resumo: Tempo gasto: 8 h - Sinalização: Boa - Clima: Ensolarado, com temperatura variando entre 3 e 15 graus.

 

Impressão pessoal: Um percurso fácil, plano, extremamente agradável, talvez o de menor dificuldade entre todos que havia trilhado.