10º dia – LUGO à SAN ROMÁN DE RETORTA

10º dia – LUGO à SAN ROMÁN DE RETORTA – 20 quilômetros

Deus nos concede, a cada dia, uma página de vida nova no livro do tempo. Aquilo que colocarmos nela, corre por nossa conta.” (Chico Xavier)

A jornada seria curta e plana, talvez a mais fácil de todas pela sua extensão e pouca variação altimétrica, contudo ela discorre praticamente em todo o seu trajeto, salvo pequenas exceções, integralmente pelo asfalto.

Ainda assim, o interesse em percorrer seu traçado, deve-se ao fato de que eu estaria caminhando pela via romana, que unia Lugo com Iria Flávia, à época do Império Romano.

Dessa forma, após uma ótima noite de sono, deixei o local de pernoite às 6 h, debaixo de espessa neblina e ar frígido, seguindo por ruas desertas, mas intensamente iluminadas.

Por sinal, nunca é demais relembrar que o roteiro do Caminho Primitivo adentra ao “casco viejo” de Lugo pela “Puerta de San Pedro, e atravessa toda a cidade, sempre no sentido de sul a norte.

E para que o peregrino fique bem informado, junto à essa porta, existe um miliário indicando que ainda restam 103.623 metros a serem percorridos até Santiago.

Eu ficara hospedado numa pensão localizada fora das muralhas, de maneira que me dirigi até a “Puerta de Santiago”, e dali eu iniciei meu périplo pela “calle” Santiago e, trezentos metros depois, pela rua del Puente, sempre em forte descenso.

Mais abaixo, eu transpus o rio Minho por uma ponte romana, a famosa “el Puente Vella”, toda feita em pedra que, embora tenha sido reformada ao longo dos anos, ainda conserva restos de cimento original, datado do século I d.C.

Daquele local, conforme me informava o guia, eu teria uma bonita vista do centro da urbe, onde se destacaria sua formosa Catedral, contudo, em face do horário e do clima, tudo persistia nebuloso e escuro.

Prossegui, então, por uma rua que bordeja a margem direita do rio, passei por um conjunto de quadras de tênis e, pouco depois, pelo Club Náutico, onde existe uma enorme piscina natural, por conta do represamento de parte das águas do Minho.

Que, sem dúvida, deve fazer muito sucesso no verão.

Oitocentos metros adiante, já no bairro de Louzaneta, passei diante da ermida de São Lázaro, uma construção do século XVIII, edificada no tempo do reinado de Carlos III.

E, logo depois, já por trás da igreja, defronte a um “mojón” com a informação de que ainda restavam 100.996 metros até Santiago, encontrei uma bifurcação de caminhos:

Para a direita, sinalizado por flechas amarelas, o roteiro segue em direção ao povoado de Sobrado dos Monxes.

Então, cumprindo o plano adredemente elaborado, eu segui em frente, por um caminho indicado por “mojóns”, que vai em direção à cidade de Mélide, situada no Caminho Francês.

Na sequência, iniciou-se leve ascenso, que se prolongou por uns 5 quilômetros, sempre percorrendo “carreteras” vicinais e bairros periféricos de Lugo, plenos de residências pequenas e casas pré-fabricadas, algumas até com aparência bastante curiosa.

A manhã se apresentava fria e ventosa, ameaçando chuva que, por sinal, acabou por cair, ainda que em forma de leve garoa.

O caminho prosseguiu sempre junto à rodovia LU-2901, alternando com rodovias vicinais paralelas, atravessando, de quando em vez, por pequenos povoados, que não oferecem nenhum tipo de comércio ou serviços ao peregrino.

Marchando num ritmo uniforme, passei pelas povoações de As Cavadas, Fornelo e Seone.

Mais adiante, fiz uma parada na “Fuente de Ribicás”, um local que oferece além da água pura, fria e fresca, uma pequena área para descanso, composta por mesas e bancos.

Na sequência, e com muita precaução, por conta do intenso tráfego de veículos e falta de acostamento na rodovia, passei com Carrigueiros e O Burgo (San Vicente), onde parei num bar para tomar um café.

Na saída, fotografei a igreja do povoado e prossegui adiante, acessando um “tramo” que algumas vezes, se desvia por senderos preciosos, com baixadas e subidas fortes, fazendo grandes rodeios, para depois retornar outra vez à “carretera”.

Assim, passei a certa velocidade por A Uceira, San Antonio, Bacurin, Carricova, O Paso e San Pedro de Abaixo.

O roteiro, nessa etapa, não oferece nenhuma paisagem espetacular, apenas a beleza própria da agricultura galega.

Finalmente, às 10 horas, 20 quilômetros vencidos, aportei em San Ramón da Retorta, minha meta para aquele dia.

Nesse interessante povoado, também ocorre uma bifurcação de caminhos: um que se dirige a Palas do Rei (15 quilômetros de distância), e outro que vai à Mélide, roteiro que eu iria conhecer no dia seguinte.

Ali eu pude observar uma igreja românica, construída no século XII, de pequeno tamanho, contudo, de uma sombria beleza, que não me deixou indiferente.

No rústico povoado também existe um miliário de eras passadas, já na saída da vila, na verdade, uma réplica, erigido à época de Calígula, e que servia para indicar que uma milha na via romana havia sido percorrida.

O original, segundo me comentou um morador, se encontra exposto num museu dedicado a contar a história das calçadas romanas, instalado no norte da Espanha, mais especificamente, na cidade de Astorga.

Até aquele local eu havia percorrido, exatos, 19 quilômetros e 800 metros por um caminho insosso e duro, mas, de grande valor histórico, pois seu traçado é o mesmo que já era utilizado pela população local, há mais de 1.000 anos.

Pena que a rota original se ache soterrada debaixo do asfalto.

San Román é uma pequena aldeia, que conta com um bar e um pequeno albergue de peregrinos, situado dois quilômetros à frente, à beira do caminho.

Como na cidade não existe nenhum local para pernoite, eu havia reservado um quarto num hostal localizado junto a um posto de gasolina, em Cruz da Veiga, situado a 8 quilômetros dali, no cruzamento das rodovias N-540 com a LU-1611, no município de Guntin.

O dono desse estabelecimento se oferece para vir buscar os caminhantes de carro, levá-los até a habitação e devolvê-los na manhã seguinte no mesmo local, para que possam prosseguir sua jornada.

Assim, telefonei para o Sr. Jaime e logo aportava ao local de pernoite, uma pensão simples e barata, porém dentro daquilo que eu necessitava para descansar.

No local existe uma loja de conveniências, onde pude adquirir frutas, água e pão, que utilizaria na jornada seguinte.

Na sequência, tomei um banho, lavei roupas e relaxei.

À tarde, após um breve giro pelas redondezas, jantei no restaurante que existe no complexo e logo fui dormir, já prelibando o aporte no dia seguinte, ao roteiro do Caminho Francês, em Mélide.

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada de pequena extensão e praticamente, sem maiores dificuldades altimétricas. Contudo, 90% dessa etapa é feita por rodovia e sobre asfalto, o que cansa, estressa e magoa sensivelmente os pés do peregrino.