12º dia: OURENSE à CASTRO DUSÓN – 36.640 metros

12º dia: OURENSE à CASTRO DUSÓN – 36.640 metros

“Peregrino, Peregrinação e Estrada, era apenas Eu mesmo na direção de Mim mesmo”. (Attar)

Novamente teria uma extensa jornada pela frente, cuja dificuldade já conhecia, pois percorrera esse tramo final em 2008, quando seguia a Via de La Plata.

Claro, estava ciente, de que o percurso poderia ter sido modificado em determinados trechos, por conta das extensas obras rodoviárias e ferroviárias que observara naquele ano, então, me precavi quanto às minhas certezas em relação ao rumo a tomar.

Ultrapassando a Ponte Romana.

Assim, deixei o local de pernoite às 6 h, e segui pela Avenida del Progresso, até seu final, exatamente quando conflui com outras ruas, e acessa a enorme “Puente Romana”, construída sobre o rio Mino.

Após atravessá-la, há duas alternativas a seguir: pelas cidades de Amoeiro ou Tamallancos, sendo que ambas as rotas têm um perfil similar e mesma quilometragem, porém, a segunda possui mais “tramos” por “carretera”.

Depois de estudar minuciosamente minhas anotações e mapas, resolvi seguir a primeira alternativa.

Assim, após transpor a ponte, continuei em frente pela Avenida de Las Caldas.

Para minha tranquilidade, notei que as flechas estavam revitalizadas e bem visíveis, apesar da escuridão matinal, um conforto para o peregrino solitário.

Na sequência, passei defronte à “Estación del Ferrocaril” e prossegui, então, pela Calle Carrero Blanco até o povoado de Quintela, que praticamente está unido à Orense.

Ali, defronte um bar, convergi à esquerda e, em seguida, prossegui à direita, pelo acostamento da “carretera nacional”, que liga Orense à Vigo.

O trajeto está muito bem sinalizado, assim, logo à frente, atravessei o povoado de Canedo, o que levou um bom tempo.

À minha direita havia elevados morros pelos quais em determinado momento iria transpor, conquanto não soubesse em qual dos lados faria tal travessia, nem quais encostas seriam vencidas, vez que a distância, pareciam extremamente íngremes.

Nessa bifurcação, eu entrei à direita.

Num perigoso cruzamento deixei a rodovia e, obedecendo a sinalização, segui à direita, após passar sob um pequeno túnel da estrada de ferro.

Túnel sob a via férrea.

Em seguida, acessei um abrupto aclive nominado de “Costiña de Canedo”, que possui uns três quilômetros de extensão.

E, para se ter ideia de seu grau de inclinação, diria que o desnível é tão forte, que alguns carros circulavam em primeira marcha.

Ascenso duríssimo em direção à Abeleiro.

Apesar de já me sentir forte e preparado, pois estava em minha 12ª jornada de peregrinação, fui forçado a fazer algumas paradas para tomar fôlego e beber água.

Sentia minha camiseta empapada de suor, contudo, o ar externo estava bastante frio, de maneira que não podia tirar a jaqueta.

O ascenso prossegue íngreme, mas aqui, quase em seu final.

E, no final da ladeira, adentrei à pequena vila de Abeleiro.

Próximo a uma fonte, havia uma placa de pedra encravada numa rocha, indicando que me restavam, exatamente, 99 quilômetros até Santiago.

A visão desse marco me infundiu, de pronto, um sentimento duplo e estranho, misto de tristeza e alegria.

Era 8 h da manhã e eu já havia percorrido 9 quilômetros, de maneira que fiz uma pausa restauradora para beber água, ingerir uma banana e descansar um pouco.

Finalmente, adentrei em terra.

O caminho seguiu por uma estrada de terra retilínea, localizada entre frondoso bosque, onde árvores amareladas davam o tom a paisagem.

Caminho retilíneo e colorido.

O sol já brilhava, com seus raios cristalinos e iluminava o entorno que, por sinal, se mostrava belíssimo.

O sol dá um colorido especial a paisagem.

Na sequência, o caminho tornou-se mais suave, por corredores com grande vegetação, que me impediam de ver cada “pueblo” ou aldeia pelas quais passaria, antes de atingi-los.

Muitas dessas vilas estão tão próximas, que quase não se percebe a divisa de uma e de outra.

Trilho matoso e fresco.

Andei um pouco por uma rodovia vicinal asfaltada, contudo, mais adiante, fui direcionado para uma trilha matosa e fresca, por onde segui em agradável ascenso.

Fonte em Liñares, onde matei a sede.

Na entrada de Liñares, outra minúscula povoação, encontrei uma fonte de água potável e pude matar minha sede, sem comprometer o estoque que levava na mochila.

Seguindo em direção a outro bosque.

Na sequência, adentrei em trilhas matosas que me levaram ao final, para um matoso e fresco bosque galego.

Ali, bem protegido dos raios solares, vivi momentos de encantamento e profundo silêncio.

Caminho arejado e deserto.

Apenas o gorjeio dos pássaros dava tom ao matoso ambiente.

Em determinado local, parei para fazer fotos e passou por mim, montada numa bike, a peregrina que eu avistara no dia anterior em Ourense.

A peregrina ciclista que me suplantou, seguindo em frente solitária.

Sua passagem foi tão fortuita e inesperada, que mal tive tempo de responder ao seu “Bon Camiño”, sem tempo de dialogar com ela, pois rapidamente ela sumiu em meio ao frondoso bosque.

Aqui adentrei à direita, em outro fantástico bosque galego.

Prosseguindo, mais à frente, adentrei numa trilha, à direita, que se revelou um dos melhores trechos desse dia.

Piso empedrado em alguns trechos, como neste.

Com piso empedrado e sempre em meio a silencioso arvoredo, segui sossegado e feliz.

Flores dão um toque especial a esse trecho.

Em alguns locais, flores brancas invadiam a trilha e davam o tom ao ambiente.

Tudo quieto e deserto..

Os bosques se revelaram soberbos, alguns clarificados por abundantes raios solares.

Vivenciei momentos de intensa introspecção nesse fantástico bosque.

Foram momentos indeléveis, plenos de extremo silêncio, onde pude orar e agradecer a Deus por vivenciar momentos de tão intensa introspecção.

Ponte romana em Mandrás.

Finalmente, após emergir de outro frondoso arvoredo, atravessei pequeno riacho pela ponte romana de Mandrás e adentrei no vilarejo homônimo.

Ali, encontrei um bar aberto, onde entrei e ingeri um café, pois, a temperatura externa mantinha-se ao redor de 12 graus.

O caminho prossegue arborizado.

Prosseguindo, mergulhei novamente em outro frondente e agreste bosque.

Roteiro plano e bem sinalizado.

Na sequência, a vegetação seguiu abundante, predominando os pés de carvalho e, curiosamente, em alguns locais, o caminho se estreitava de tal maneira, que se reduzia a diminuta e penosa senda, onde se é obrigado a atravessar.

Seguindo em frente.. sempre!

A sinalização nesse local, se mostrava excelente, em alguns trechos, até em demasia, impossível se perder.

Pedras e flores.

As flores prosseguiram dando o toque ao ambiente, alegrando meu coração pela beleza exposta no ambiente por onde eu seguia.

O piso, quase sempre feito de terra pisada, em determinados trechos, mudava bruscamente para pedras, exigindo um cuidado maior para o caminhante verificar onde colocaria seus pés.

Quase no final do bosque, o sol já brilha forte.

O sol, já no alto, iluminava as trilhas e auxiliava com sua luz eu me posicionar melhor nas veredas.

Seguindo por asfalto em direção à Pulledo.

Mais alguns quilômetros por dentro da frondosa mata, emergi num local amplo e segui caminhando em piso asfáltico.

Rapidamente, passei por Pulledo, pequeníssima vila e, depois de 18 quilômetros percorridos, cheguei em Casasnovas, onde se convergem novamente os dois roteiros que partiram de Ourense.

Junção dos caminhos em Casanovas.

Ali fiz outra pausa para descanso e hidratação.

Depois prossegui em frente por uma trilha matosa que, depois de alguns metros, já em zona urbana, me deixaram diante do albergue de Cea.

Como ele estava aberto, adentrei ao ambiente, porém um bilhete me avisava que o hospitaleiro só retornaria à tarde e que, em caso de emergência, deveria ser contatado via celular, cujo número se encontra exposto num papel afixado na porta de entrada.

Não era o meu caso, que só precisava de um “sello” na credencial.

Assim, fiz pequena pausa para visita ao local, onde ingeri somente um copo de água, e depois prossegui em frente.

Seguindo em direção ao Monastério de Oseira.

Então, transitei pelo centro da simpática vila de Cea, depois, em sequência, mais acima, adentrei à rodovia que segue em direção ao Monastério de Oseira.

O Refúgio, em Cotelas, uma boa opção para pernoite.

Porém, dois quilômetros adiante, obedecendo a sinalização, me apartei da rodovia e segui em direção a Cotelas, onde existe um albergue particular, “O Refúgio”, de excelente fama pelos preços praticados e limpeza do local de pernoite.

Prosseguindo, o roteiro alternou sendas descendentes, com trechos em asfalto, até a cidade de Pinor, por onde passei em lenta ascensão.

Passando pelo povoado de Pinor.

Na sequência passei por Arenteiro, onde existe uma milenar igrejinha e, logo abaixo, ultrapassei um riacho por uma ponte, já no povoado de A Ponte.

A partir dali, por uma estrada de terra, principiei a subir, sempre em perene aclividade.

A partir desse marco, o caminho segue em franca ascensão.

O sol já brilhava com força e precisei fazer algumas pausas para me recompor, pois esse trecho é em ascenso contínuo.

Caminhando entre dois enormes barrancos, fruto da erosão e dos pés peregrinos.

Posteriormente, adentrei em trilhos silvestres, alguns localizados dentro de autênticos túneis, ladeados por barrancos, onde os pés dos peregrinos fazem a diferença.

Ao ar livre, entorno magnífico.

Mais adiante, eu atravessei a Autovia Nacional por uma ponte metálica e, já do outro lado, adentrei no trecho mais belo da etapa desse dia.

Primavera em franca expansão.

Em pleno campo aberto, eu caminhei em meio a imensos bosques floridos, onde a nuance de cores era a tônica.

O conjunto era de um colorido e beleza tão harmônicos, que deixaram meu espírito em estado de poesia.

Difícil escolher o melhor ângulo para fotografar, pois o entorno se mostrava fantástico.

Entorno fresco e colorido.

Foram momentos silenciosos, solitários e indeléveis, daquele que gravamos eternamente na retina de nosso coração.

Mais acima, eu transitei por um bosque de eucaliptos, onde havia bastante umidade no piso, em alguns locais foi calçado com pedras para evitar tais desconfortos.

Momento de intensa alegria.

Eu até me entusiasmei em fazer parte da paisagem, assim, posicionei a câmera num “mojón”, programei o temporizador e, pronto!

Eternizei um momento único e de beleza infinita.

Várias cores nesse trecho magnífico.

Esse entorno maravilhoso, pleno de cores e vida, me acompanhou por muito tempo, embora eu estivesse caminhando quase sempre em contínua ascendência.

O caminho prossegue em ascensão por caminhos bem definidos.

Mas, foi um daqueles aclives que quase não se nota, tamanha a alegria de transitar entre canteiros infindos de flores, onde o zumbido das abelhas, eternamente a polinizar, fazia a diferença.

Ao longe, surgem dois peregrinos a pé, os primeiros que avistei nesse roteiro.

Finalmente, quase no final desse trecho, quando minha visão se alongou, notei 2 peregrinos caminhando à minha frente e ao longe, notícia que muito me alegrou.

Prossegui em meu passo cadenciado e, quando os ultrapassei, conversamos alguns minutos, e fiquei sabendo que se tratava de um casal de franceses.

Na sequência, acessei o topo do morro de onde tinha larga visão do vale a minha frente.

Início de forte descenso. Ao fundo e abaixo, a vila de Dusón.

E, mais abaixo, ultrapassei outra peregrina solitária, essa de descendência germânica.

Depois, de fazer pequeno trânsito pela rodovia N-525, em sentido contrário ao seu transcurso, acabei por adentrar à pequena vila de Castro Dusón e, imediatamente, me dirigi ao albergue.

Albergue de Castro Dozón.

Em 2008, ele funcionava precariamente dentro de containers, porém agora está num ótimo prédio de dois pavimentos, onde oferece 30 lugares, e excelente estrutura.

Depois de tomar banho e lavar as roupas, fui visitar a Igreja de São Pedro, joia do romântico galego do século XII, porém, infelizmente, a mesma se encontrava fechada.

Igreja de São Pedro.

Então, retornei ao bar Cantón onde, por 8 euros, ingeri um supimpa “menú del dia”.

Às 17 horas, quando me levantei de um breve descanso, chegou a hospitaleira Ana que me cobrou 6 euros pelo pernoite, bem como carimbou minha credencial.

Estávamos em 8 peregrinos nesse dia no refúgio, todos procedentes da cidade de Cea.

O único que saiu de Ourense fora eu, e com aqueles com quem conversei, me disseram que deixariam o local ao redor das 8 horas no dia seguinte, pois pernoitariam no albergue de A Laxe.

Ou seja, caminhariam pouco mais de 18 quilômetros.

Eu, no entanto, pretendia sair mais cedo, pois minha meta era aportar à cidade de Silleda.

Então, quando a hospitaleira, me disse que havia quarto individual para alugar, logo me interessei, pois como não portava lanterna de cabeça, certamente teria dificuldades para me arrumar na manhã sequente, além de atrapalhar o sono dos companheiros.

O Albergue de Peregrinos, visto de frente.

Dessa forma, paguei mais 4 euros, e fiquei hospedado no piso inferior, próximo dos banheiros, num amplo quarto, onde havia uma cama de casal.

Providência que se mostrou fraterna, mas inócua, como abaixo explicarei.

Porquanto, mais tarde chegaram mais dois peregrinos e, ao cumprimentá-los, perguntei se eram espanhóis.

Sorrindo me disseram que não, eram Catalães, de Barcelona.

Nuvens negras no céu, prenúncio de muita chuva, como de fato aconteceu.

Iniciamos, então, gostoso papo e, à noite, acabei por estreitar a amizade com os simpáticos Paco e Carlos, dividindo uma garrafa de vinho no bar Fraga, situado próximo dali.

Mais tarde, quando retornava ao local de pernoite, percebi que o tempo mudara drasticamente, quando principiou a cair uma forte pancada de chuva, que se prolongou noite a dentro.

Bebericando um vinho no bar Fraga, em Castro Dusón.

IMPRESSÃO PESSOAL: Uma jornada de razoável extensão, bastante cansativa, pois apresenta grande variação de altimetria, mormente em seu trecho final. Mas, que transcorre por locais de incomensurável beleza. E, diferentemente das etapas anteriores, essa estava muito bem sinalizada. Depois, o reencontro com outros peregrinos fez um bem enorme à minha alma.

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