4º dia – TINEO à POLA DE ALLANDE

4º dia – TINEO à POLA DE ALLANDE – 32 quilômetros

"O segredo da vida alegre e feliz é estar em paz com Deus e a natureza." (Blaise Pascal)

A previsão metereologica previa mudança no clima para o dia seguinte, com a chegada de uma frente fria, contudo, o sol ainda crestaria com força naquela data.E eu tinha um grande desafio pela frente, posto que a jornada seria longa e acidentada.

Dessa forma, metodicamente levantei no horário de costume, me preparei para a batalha do dia, tomei cappuccino, ingeri algumas frutas e às 6 h deixei o local de pernoite e caminhei em direção à saída da cidade.

Para tanto, utilizei a rua de la Fuente, empinada e larga, sempre em forte ascendência, que depois de 10 minutos me levou a retornar ao “andadero” por onde eu chegara no dia anterior.

Trata-se de uma pista alocada no alto da montanha, de onde se tem uma vista privilegiada de todo o vale abaixo, inclusive da cidade de Tineo e adjacências, porém naquele horário eu apenas podia visualizar luzes urbanas, pois o dia ainda não havia nascido.

Na verdade, uma espessa neblina deixava tudo ainda mais lúgubre e embaçado.

Porém, com minha lanterna a me auxiliar no caminho, não tive problemas em encontrar a direção a seguir.

Depois de dobrar à esquerda, no cume da colina, logo passei pela Fuente de San Juan, onde a água cristalina vertia barulhenta da rocha fronteiriça.

E junto a ela, pude visualizar e fotografar uma capelinha inscrustada na rocha, contendo a imagem do santo.

Contudo, eu estava bem abastecido, assim, após fazer rápida oração, eu prossegui adiante, rumo à colina de Navarriego.

Com o dia lentamente amanhecendo, depois de caminhar pouco mais de 2 quilômetros, eu transpus o arroio nominado “Regheiru de Robleu”, utilizando uma passarela de madeira.

O caminho seguiu ascendendo de forma suave, porém perene.

Mais adiante, passei diante de uma casinhola rodeada por uma cerca de madeira, onde vi dois cartazes enigmáticos fixados em sua fachada: “Aqui vive um dos últimos das Filipinas” e “Ganadera Nº 1, diplomada de PANA, ETIQUETA VERDE”.

Na verdade, fiquei meio sem entender a que se referia aquilo, mas imagino que aquele local privilegiado, situado a quase 1000 m de altitude, com ampla visão de todo vale abaixo, sirva de residência para algum ermitão bucólico.

Às 7 h, depois de 6 quilômetros percorridos, sempre em contínua ladeira, eu deixei a mata e acessei uma rodovia vicinal asfaltada, que me levou, depois de 10 minutos, até o “Alto de Guardia”, local situado a 930 metros de altitude.

Este seria o ponto culminante do percurso desse dia.

Fiz uma pausa, aproveitei para me espreguiçar, erguendo os braços e respirando profundamente, como que saudando aquele santuário, já que o ar puro e gélido revigorava e oxigenava meu sangue.

Concomitantemente, meu cansaço desapareceu e uma serena força me pôs a caminhar novamente.

Pouco depois, às 7 h 30 min, eu acessei a “carretera” AS-350, que em descenso me levou a um cruzamento de rodovias, já no povoado de Piedratecha.

Ali, obedecendo às flechas amarelas, entrei à direita, seguindo por uma senda bastante matosa, localizada do lado esquerdo do asfalto.

Quinhentos metros abaixo, acessei uma trilha sombria, que se iniciou à minha esquerda, onde o solo úmido e pegajoso estava coberto por detritos arbóreos e muito barro.

Então, na sequência, passei a caminhar por um frondoso bosque, composto por carvalhos, faias e bétulas, cujas copas tentavam impedir a passagem dos raios solares.

E havia vida por toda a parte, com insetos zumbindo, passarinhos cantando e saltitando, teias de aranha prateadas rebrilhando à incipiente luz do sol.

Mais à frente, depois de baixar por um fortíssimo declive, eu alcancei um marco, onde um cartaz anunciava uma bifurcação.

O caminho prosseguia à esquerda, porém ali havia um desvio sinalizado até o Monastério de Santa Maria la Real de Obona, situado a uns 300 metros.

Curioso, resolvi visitar, ainda que rapidamente, esse famoso Monumento histórico.

Assim, depois de vencer um pequeno descenso, atravessei o rio Obona, e logo alcançava o complexo monacal.

É de se ressaltar, que o acesso ao Mosteiro não passa pelo pueblo homônimo.

Dados históricos, no entanto, asseguram que a vila foi um centro cultural e econômico de primeira ordem, quando esteve aos cuidados dos monges, já que estes aperfeiçoaram as técnicas agrícolas e de criação de gado, e em suas aulas implementaram as disciplinas de latim, filosofia e teologia.

Infelizmente, o complexo se acha semidestruído, embora reflita a importância que teve como hospedaria, além de local de reflexão e recolhimento, pois ali havia inúmeras obras de arte.

Sua construção data do ano 780 e, conforme documentado, por ali passou e pernoitou Alfonso IX, o rei de León, quando de sua peregrinação à Compostela, no ano de 1.222.

Rapidamente, em face do silêncio e abandono do local, dei minha visita por encerrada, retornando sobre meus passos.

E, já no sombreado bosque, acessei o caminho sinalizado, prosseguindo adiante.

Nesse trecho arborizado, composto majoritariamente por álamos, castanheiras e carvalhos, apareceram naquelas que bordejam o lado direito da estrada, estranhos desenhos coloridos e chamativos pintados nos troncos.

Peculiarmente, as árvores se acham adornadas com pinturas de várias cores e formas, mas a definição daquilo que representa não é nada fácil, pois não segue nenhum padrão de estilo ou objetivo.

Talvez o autor tenha tentado deixar sua marca e, para tal, se inspirou no “Bosque de Oma”, localizado na cidade de Kortezubi, onde o pintor e escultor Agustin Ibarrola fez algo semelhante num bosque de pinheiros.

Algo bastante diferente e inusitado, que não consegui decifrar, mas conversando com outros peregrinos, inferi que sejam pinturas executadas por algum maluco que resida naquela floresta, e que tentou deixar sua mensagem pessoal através de complicados e inexplicáveis arabescos.

O caminho em terra acabou desaguando numa rodovia vicinal, e às 8 h 10 min, eu cheguei à “Fuente e Lavadero de Villaluz”, onde aproveitei para matar a sede e fazer pequena pausa para descanso.

Prosseguindo, dez minutos depois eu passei pelo povoado de Vega del Rey, agora por asfalto, que seguiu em descenso, sempre em meio a um grande vale verde, onde o forte eram as pastagens, que servem para a criação de gado leiteiro.

Mais três quilômetros caminhados, ainda pela rodovia, cheguei a Campiello, um povoado à beira da “carretera”, onde existem dois bares, uma “tienda” e um refugio privado de peregrinos, nominado Casa Hermínia.

Parei no bar anexo a esse estabelecimento para tomar um café, e quem me atendeu foi a própria Hermínia, uma senhora muito simpática, de uns 50 anos, que gosta de um bom papo, e fiquei ouvindo-a conversar com dois peregrinos espanhóis que ali já se encontravam.

Contou-lhes que seu trabalho era bastante duro, pois laborava sete dias por semana, 365 dias por ano, vez que dali tira o necessário para viver e pagar os estudos de dois filhos que cursavam uma Universidade em Madri.

Disse, ainda, que raramente saia passear, e que sua rotina, bem como de seu marido, era atender os caminhantes e eventuais viajantes que ali aportavam.

Posteriormente, ouvi um peregrino dizer que ela seria muito monetarista, no entanto, tal não me pareceu, ao contrário, entendo que ela nasceu para fazer aquilo, posto que ela trata a todos, com carinho e urbanidade.

Aproveitei a ocasião para “sellar” minha credencial, e depois de despedidas fraternas, segui adiante.

Ainda por rodovia, caminhei mais dois quilômetros e logo passei defronte à ermida de La Magdalena, já na pequena vila de El Fresno, quando meu relógio marcava exatamente 9 horas e, até aquele local, eu já havia vencido 13 quilômetros.

Logo após o povoado, eu acessei uma rodovia secundária ainda asfaltada, e logo tomei à direita, por uma senda providencialmente arborizada, porém extremamente pedregosa.

E depois de quinze minutos, cheguei a Borres, uma minúscula vila, onde existe um albergue de peregrinos.

Infelizmente, na povoação não há nenhum tipo de serviço ao caminhante, de forma que aqueles que resolverem pernoitar nessa aldeia, precisam prover-se de víveres alguns quilômetros antes.

Eu principiei a subir por dentro da pequena aldeia, e logo acessei outra senda pedregosa e embarreada.

E, quando no topo de uma pequena elevação, encontrei um “mojón” sinalizando uma bifurcação de caminhos.

À direita, iniciava-se a rota dos Hospitais, que segue pelo topo de uma grande cordilheira, e que poderia ser considerado o traçado mais autêntico do caminho, porém ele tem a dificuldade de ser um trajeto agreste e bastante acidentado.

Porém, além de oferecer preciosas vistas das paisagens circundantes, ainda transcorre próximo de 1.200 metros de altitude, que encurta o caminho em doze quilômetros, embora não discorra por nenhuma povoação.

No entanto, conforme eu já tinha estudado adredemente, prossegui à esquerda, pois sabia que ambos os roteiros iriam se encontrar novamente no povoado de Montefurado, local por onde eu transitaria na jornada seguinte.

Depois de sucessivos ascensos e descensos, onde passei pelas pequenas vilas de Samblismo, La Morteira e Colinas de Arriba, eu cheguei ao Alto de Porciles, um local onde existe um bar e algumas casas à beira da rodovia.

Na realidade, ali fica o emblemático bar Boto, que agrega um pequeno museu da vida rural na montanha asturiana, e que ocupa uma vistosa casa em cor roxa, junto à “carretera”, bem no centro da aldeia.

O sol já queimava com força, meu relógio marcava 11 h, e eu estava bastante estafado, de forma que fiz uma pausa naquele local, apenas para ingerir frutas e matar a sede.

Depois prossegui, sempre por asfalto e ainda subindo, até atingir o Alto de Lavadoira, situado a 815 m de altitude, onde eu fui premiado com uma preciosa vista panorâmica do vale de Allande, num ambiente pleno de matas nativas, pastagens e horizontes montanhosos.

Ao longe eu podia divisar o temido “Puerto del Palo”, um intrincado cume por onde eu atravessaria no dia seguinte.

Mesmo à distância, sua beleza não tem nada de idílica ou relaxante, se mostra dura e ameaçadora, de maneira que sua fascinação desperta, em que o admira, uma sutil angústia.

Já refeito, prossegui adiante, agora em franco descenso e logo abaixo eu entrei à esquerda num caminho de terra, situado em meio a um espesso bosque de pinheiros, e continuei descendo.

Monge: O que deseja? >>  >>>Mulher:   Senhor, eu não sei o que fazer. Toda vez que meu marido chega em casa "bêbado", ele me enche de pancada ... >>> >>>Monge:  Eu tenho um ótimo remédio pra isso. Assim que o seu marido chegar em casa embriagado, basta pegar um copo de chá de erva cidreira e começar a >>>bochechar com o chá. Apenas faça bochecho e gargareje continuamente ...  e nada mais. >>> >>>Duas semanas depois, ela retorna ao monge e parecia ter nascido de novo. >>> >>>Mulher:  Senhor, seu conselho foi brilhante! Toda vez que meu marido chegou em casa "bêbado", eu gargarejei, fiz bochecho com o chá e meu marido >>>desmaiou na cama sem me bater"! >>> >>>Monge:  Tá vendo como ficar de Boca Fechada resolve?

Mais à frente eu acessei uma estreita senda “criminosa”, plena de pedras soltas e grandes desníveis, que venci com extremo cuidado, pois uma queda ali seria fatal, visto que em menos de dois quilômetros, eu descendi mais de 300 metros.

Quando finalmente o bosque terminou, eu aportei à pequena vila de Ferroy, e quinze minutos depois, extremamente cansado, adentrei em Pola de Allande, minha meta para aquele dia.

Ali fiquei hospedado no Hotel La Allandesa e utilizei os serviços do restaurante situado no primeiro andar do edifício, onde pude almoçar.

A cidade, bonita e muito bem cuidada, foi fundada no século X com o objetivo de reunir num mesmo local a população que vivia disseminada por todo o vale circundante.

Atualmente com 800 habitantes, é banhada pelo rio Nisón, e o destaque, na pequena vila, é um passeio por um verdejante parque situado ao lado do agitado curso d’água que corta o povoado ao meio.

Mais tarde, após uma reconfortante e necessária soneca, fui dar uma volta pela simpática urbe e aproveitei para conhecer e fotografar a igreja de San Martin de Celón, uma construção em estilo românico, datada do século XIII.

À noite, conforme previa a metereologia, o tempo nublou, e depois das 19 horas principiou a chover, ainda que em forma de garoa.

Mas o frio se intensificou, de maneira que resolvi me recolher cedo, depois de ingerir um singelo lanche no bar Lozano.

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma jornada difícil, com grandes variações altimétricas e de razoável extensão, vencida sob sol forte e intenso calor. Porém, em meio a grandes áreas verdes e bosques silenciosos. No geral, um percurso bastante complicado, que me deixou extremamente fatigado em seu final. De se lembrar, ainda, que aproximadamente 10 quilômetros do trajeto foram cumpridos sobre asfalto, o que desgasta sobremaneira o peregrino.