1º dia: LEÓN à LA ROBLA

1º dia – LEÓN à LA ROBLA – 28 quilômetros

 

Como qualquer peregrino que pretende iniciar uma aventura, fui dormir tenso e ansioso pelo porvir, de forma que meu sono foi improdutivo, e às 4 h eu já me encontrava desperto, em preparação para a iminente partida.

Calmamente fiz orações, alongamentos, ingeri algumas frutas e chocolates que havia comprado na véspera e, utilizando-se de um aquecedor de água portátil, que trouxe na bagagem do Brasil, preparei um delicioso “capuccino”.

Ainda estava escuro e fazia muito frio, quando deixei o hotel, às 6 h 15 min, seguindo as flechas amarelas impostadas no chão, e que demarcam para o caminhante esse trecho citadino.

Para minha surpresa, logo visualizei inúmeros peregrinos marchando à minha frente e, percebi um sinal de que o dia prometia bastante sol e calor, posto que muitos deles trajavam apenas bermudas e camisetas sem manga.

Trinta minutos depois, se tanto, eu me encontrava novamente defronte ao “Parador San Marcos”, situado na praça de mesmo nome.

Ao pé desse emblemático edifício, o “Caminho del Salvador” e o Caminho Francês se separam, indo para o norte o primeiro e para a ponte que transpõe o rio Bernesga, ao sul, o segundo.

O atual Parador de São Marcos, cuja origem remonta ao ano de 1152, foi vinculado durante grande parte de sua história, à poderosa Ordem de Santiago, que regia o hospital dos pobres e peregrinos, bem como à ponte e suas possessões.

Uma canção datada da Idade Média e composta por um peregrino anônimo, dizia sobre esse local: 

          “Cuando llegamos fuera de la villa

 Cerca de San Marcos,

 Nos reunimos junto a una cruz

 Y nos sentamos.

 De aquí un camino parte a la derecha

 Y otro a su lado,

 El uno lleva a San Salvador

 El otro al señor Santiago.” 

Ali localizei o primeiro “monjón” do Caminho de San Salvador, todo produzido em madeira estilizada, exatamente no local que eu havia estado no dia anterior.

Na verdade, eu prosseguiria encontrando esses peculiares marcos por todo o roteiro que iria seguir dentro da Província de León, sempre alocados nos pontos chaves ou que oferecem certa complicação.

Já quando eu adentrasse às Astúrias, as marcações seriam feitas em “monjóns” e pelas conhecidas flechas amarelas, que tanto alívio nos proporciona ao avistá-las depois de alguns minutos de busca desesperada, quando começamos a inferir que estamos perdidos.

Então, deixando a “Colegiata de San Marcos” à minha esquerda, segui pela Avenida de los Peregrinos por uns 300 metros, até uma rotatória bastante interessante.

Nela existe um avião de caça exposto, da época da 2ª guerra mundial, que com suas cores flamejantes, chama vivamente a atenção de quem por ali transita.

Na sequência, eu prossegui pela calle rio Cambra e logo à frente, após atravessar a rodovia CV-161, eu derivei à esquerda e segui caminhando por uma ciclovia, tendo o rio Bernesga sempre à minha esquerda.

Depois de algum tempo sem avistar marcações ou flechas, estuguei meus passos e alcancei um simpático senhor que caminhava à minha frente com fones no ouvido e que, por essa razão, não ouvira meus chamados.

Prontamente ele confirmou que eu estava no rumo certo e, então, mais aliviado, segui junto com o Sr. Francisco conversando, até o término do piso cimentado.

Ali pedi a ele para tirar uma foto minha, depois nos despedimos.

Ele, então, retornou em direção à urbe, enquanto eu acessei uma larga estrada de terra e prossegui adiante.

Mais à frente, eu passei ao lado de um grande conjunto de edifícios em construção e logo fleti à direita, seguindo paralelo à rodovia por uma senda em terra, localizada junto a uma cerca entelada.

Quando esta acabou, eu acessei uma larga calçada em piso cerâmico e segui caminhando já dentro do núcleo urbano de Carbajal de la Legua.

Que, na verdade, se trata de um povoado que serve de “dormitório” para muitas pessoas que trabalham em León, mas que não têm condições de ali residir pelo alto custo dos imóveis.

A cidade se distribui pelos dois lados da rodovia e, curiosamente, um termômetro inserto na fachada de uma farmácia, me chamou a atenção, pois a temperatura naquele momento, 8 h da manhã, estava em 9ºC.

Depois de caminhar uns dois quilômetros em zona urbana, finalmente, as construções terminaram, e eu adentrei à esquerda, numa larga e pedregosa estrada em terra batida.

A partir desse local, o caminho se converteu em outra dimensão, pois me despedi do barulho da civilização e, finalmente, me incorporei à natureza.

Depois de vencer uma empinada elevação, passei a caminhar em seu topo, em meio a um bosque de “robles e encinas”, árvores típicas da Espanha.

E rompendo o silêncio, pude ouvir agradecido o mavioso canto dos pássaros, um presente para meus ouvidos.

Na realidade, os “robles” são os nossos conhecidos carvalhos e as “encinas” correspondem às azinheiras, ambas pertencentes à mesma família de nome científico “quercus”, gênero nativo de florestas temperadas (caducifólias).

Mais à frente, eu saí da mata e prossegui bordejando, à meia ladeira, os montes que limitam o fértil e verdejante vale de Bernesga, onde eu avistava o rio o tempo todo à minha esquerda.

Eu me sentia extremamente bem e a caminhada estava agradabilíssima, até porque a temperatura se mantinha baixa e as ascensões e declives estavam perfeitamente suportáveis.

 Numa baixada, pude ver uma caixa de primeiros socorros fechada e colocada sobre suportes de ferro, onde também existe um livro de visitas para os peregrinos deixarem mensagens, porém eu não sabia da existência dele, de forma que prossegui adiante.

No final da descida, num local deserto e silencioso, passei defronte às ruínas de Villalbura, um local bastante desolado, onde existe uma fonte de água potável.

Mas, eu estava bem abastecido e resolvi seguir adiante.

Assim, após outro brusco descenso e depois de atravessar um riacho por uma estreita ponte, enfrentei uma dura elevação, na qual segui vencendo lentamente, pois ainda não me sentia preparado fisicamente para tal desafio.

Assim, a cada três ou quatro curtos passos, eu parava ofegante, até minha respiração se normalizar, depois reiniciava meu périplo.

           

Já no cume do morro, eu adentrei em outro local bastante arborizado e, numa pequena depressão do terreno, eu avistei do meu lado esquerdo outra caixa metálica, e nela um cartaz avisava que havia um livro para assinatura dos peregrinos.

Ali também havia um carimbo, que prontamente utilizei para “sellar” minha credencial.

Antes de apor meu nome na folha correspondente, fiz uma análise sobre as pessoas que me precediam em termos de jornada.

Estávamos numa quinta-feira e, animado, pude constatar que no dia anterior havia passado um peregrino por ali, e ainda outro na terça-feira, o que me deixou bastante contente, porque eventualmente, dependendo do cronograma de cada um, eu poderia alcançá-los e fazer-lhes companhia.

No interior do invólucro metálico, também havia uma pequena farmácia e alguns copos, que foram colocados à disposição do caminhante para eventual utilização, algo que me fez agradecer o benfeitor de tão fraternal ideia.

Na sequência, transitei por uma estrada larga e em descenso, sempre em meio a muito verde.

Ao emergir da parte mais frondosa desse bosque, encontrei, à minha esquerda, a famosa Fonte de “Don Pelayo”, onde parei alguns instantes para desfrutar do entorno e tirar fotos.

Numa rústica placa ali colocada, eu pude ler:

“Fonte de Don Pelayo, onde descansaram as tropas de El Rey Don Bermudez II, em retirada de Oviedo, depois de serem vencidas em Esla (ano 995).”

Como o cansaço já me oprimia, aproveitei a mística do local e fiz uma pausa para hidratação e ingerir uma banana.

Mais 1.500 metros caminhados, adentrei em Cabanillas, uma pequena vila, onde, recentemente, foi inaugurado um albergue de peregrinos.

 Ali vivem apenas 35 pessoas e não existe nenhum tipo de comércio, de maneira que o peregrino que pretender pernoitar nesse minúsculo povoado, deverá se abastecer de víveres em Carbajal e carregar o peso extra por “apenas” 12 quilômetros.

 

Existe uma bela fonte em sua praça central, contudo debalde meus esforços, eu não consegui fazê-la jorrar água, o que me deixou frustrado, pois aquela que eu portava já estava quente.

 Até ali eu já havia caminhado 17 quilômetros e àquela hora, 10 h 30 min, o sol brilhava forte, num céu límpido e sem nuvens.

 E como era meu primeiro dia no Caminho, meu corpo ainda não se adaptara à vida peregrina, de forma que eu me encontrava bastante estafado.

 Prosseguindo, adentrei em outro caminho plano e bem arborizado, tendo sempre o mavioso rio Bernesga pelo meu lado esquerdo.

 

Logo passei defronte ao povoado de La Seca, porquanto ele está localizado na outra margem do curso d’água.

De onde eu estava, pude ter uma preciosa vista panorâmica da cidade, podendo visualizar ao fundo um extenso conjunto de montanhas, exatamente aquelas que eu necessitaria superar nas jornadas sequentes.

Mais adiante passei ao lado de uma bela e isolada casa situada à beira do rio, e cumprimentei uma vetusta senhora que trabalhava num jardim fronteiriço.

Não resistindo à curiosidade, indaguei-lhe se o rio Bernesga, que passava a uns 30 m de sua residência, era piscoso naquela região.

Ela me respondeu que em suas águas frias há grandes cardumes de salmões e trutas, peixes nativos dessa temperatura térmica, e que são capturados em grandes quantidades nos períodos em que a pesca é liberada.

Por mais dois quilômetros eu caminhei numa agradável senda matosa localizada junto ao rio, mas logo adiante, depois de vencer pequeno ascenso, eu reencontrei a rodovia CV-161 e por ela segui uns 200 metros.

E logo adentrei em Cascantes, outro pequeníssimo povoado, onde habitam apenas 89 almas, que atravessei por sua rua principal.

Nela também não há farmácia, padaria ou “tendas”, porém existe um bar, contudo o mesmo se achava fechado, de forma que segui adiante.

Ao final da urbe, eu prossegui pela rodovia em sentido contrário ao fluxo de veículos e logo avistei à distância, as portentosas chaminés de uma Central Térmica existente no local, lançando espessas camadas de fumaça no o ar.

Ao chegar próximo de suas instalações, na verdade, um “borrão poluente” na bela paisagem circundante, e obedecendo a sinalização, eu deixei a “carretera” e segui, à esquerda, por um caminho asfaltado, que corresponde ao traçado da antiga rodovia nacional.

E logo passei defronte à igreja dedicada a Nossa Senhora de La Celada, um santuário construído em estilo romântico, entre os séculos XIII e XIV, que fazia parte de um conjunto que também abrigava um hospital de peregrinos.

Ela apresenta um aspecto robusto e austero, acentuado pelo uso de contrafortes no exterior, sendo importante destacar que os escudos da linhagem de “los Quinónes” são seus únicos elementos decorativos.

Em seu interior, de nave única, também se destaca a sobriedade, chamando a atenção apenas o retábulo maior, de estilo “herreriano”.

Próximo do complexo religioso eu encontrei uma recém inaugurada fonte de água, onde pude matar uma desmesurada sede, face ao calor reinante, pois a que portava já se findara há algum tempo.

Na sequência, caminhei uns 200 metros e logo, sob um túnel, eu atravessei a Autovia Nacional e, logo em seguida, adentrei em zona urbana.

Mais à frente, utilizando uma passarela construída para pedestres, eu transpus uma rodovia vicinal e a linha férrea, e, já do outro lado, acessei uma larga avenida, seguindo-a em direção ao centro da urbe.

E, exatamente às 12 h, eu cheguei ao Hostal Residencia Ordoñez, estabelecimento onde fiquei hospedado.

La Robla é o maior povoado situado ao norte da Província de León e conta atualmente com 4.800 habitantes.

Seu nome deriva de “robla” (firma), um termo usado nos mercados e feiras leonesas, representando o fechamento solene de um pacto ou contrato sobre gado.

Chegando à La Robla, meu destino do dia, exatamente às 12 horas

Nada mais original, já que a atual povoação se assenta num local em que documentos medievais atestam como o lugar onde os pastores e donos de rebanhos negociavam seus animais.

Sua origem data do ano 1042 quando o povoado de El Valle de Fenar juntamente com o de Conselho de Castillo de Alba receberam jurisdições do rei Fernando I.

Com a união dessas duas povoações, nos princípios do século XIX, surgiu o “Ayntamento” de La Robla, que ganhou grande impulso econômico em 1890, após seu enlaçamento à antiga estrada de ferro que ligava León a Bilbao.

Hodiernamente, a cidade é um dos principais polos industriais da região, e nela, se encontram instaladas, dentre outras, algumas empresas de grande porte, como uma usina de carvão, uma fábrica de cimento e uma importante central térmica.

Após um reconfortante banho, eu fui almoçar no restaurante Olímpia, onde paguei 9 Euros por um “menu peregrino”.

Depois de um bom descanso e uma necessária soneca, assim que o sol amainou, eu saí para dar uma volta no povoado e pude conhecer o albergue municipal, onde são disponibilizadas excelentes instalações, bem como 16 camas aos peregrinos.

Depois de um demorado giro pelas ruas centrais, fui ver o local por onde eu partiria na manhã seguinte e, na sequência, passei num supermercado para me prover de víveres.

À noite, preferi ingerir um singelo lanche em meu próprio quarto e logo fui dormir, pois estava deveras cansado, em face da longa jornada vivenciada no primeiro dia.

 

IMPRESSÃO PESSOAL – Um trajeto urbano nos primeiros 8 quilômetros de percurso, mas que se torna rústico e agradável após a passagem pela cidade de Carbajal de la Légua. Em termos altimétricos, não existe muita variação nesse roteiro, salvo por duas encostas, que necessitam ser sobrelevadas na metade da jornada. No geral, uma etapa com bastante verde no trajeto, tendo o belíssimo rio Bernesga como companhia no trajeto todo, sempre pelo lado esquerdo. No global, é de se destacar que o trajeto tem razoável extensão para o primeiro dia de caminhada, quando nosso corpo ainda não está integralmente afeito à desgastante lide peregrina. 

Albergue de peregrinos, de La Robla

2º dia: LA ROBLA à POLADURA DE LA TERCIA