7ª etapa - MONZÓN a PERTUSA- 33 quilômetros

7ª etapa - MONZÓN a PERTUSA- 33 quilômetros

Correr riscos é melhor do que passar o resto da vida arrependido por não ter tentado.

A jornada seria de razoável extensão e chovera copiosamente a noite toda.

Quando me levantei às 4 h e olhei pela janela, pude observar que ainda caía uma leve garoa que, no entanto, logo cessou.

Eu deixei o local de pernoite às 6 horas e segui diretamente pela rodovia N-240, que apresentava tráfego praticamente inexistente naquele horário.

A temperatura caíra vertiginosamente e um termômetro instalado numa praça, estampava a temperatura de 2ºC em seu frontispício, no momento que lá passei.

Primeira flecha visível do caminho. Tudo estava muito escuro.

Uma forte cerração cobria a cidade, deixando o ambiente cinza e sepulcral.

Ainda assim, utilizando minha lanterna de mão, não tive dificuldades para encontrar meu rumo, pois a sinalização mostrou-se, como de resto, excelente.

Dois quilômetros adiante, por uma extensa ponte, eu cruzei o rio Cinca, adentrei à esquerda e, depois, por um viaduto, passei sob as vias férreas.

E logo acessei uma estrada de terra ascendente, extremamente embarrada, que me levou, mais acima, a transitar pelo Distrito Industrial de Monzón.

Algumas pessoas já chegavam para trabalhar e caminhões se movimentavam pelo local.

Caminho empedrado nesse trecho. Meus pés reclamaram...

Rapidamente, venci esse enclave e logo acessei uma senda empedrada e plana, por onde segui caminhando integralmente solitário.

Um céu cor de chumbo era a tônica nesse dia, mas logo o céu clareou e pude seguir sem maiores dificuldades.

Sete quilômetros vencidos, transitei pela pequena vila de Selgua, um distrito de Monzón, onde residem 160 pessoas.

Na povoação há bares e um restaurante, além de um hostal, todos fechados quando por ali passei.

Igreja matriz de Selgua.

Próximo da via, edificada sobre uma pequena colina, situada à direita do caminho, está a ermida de San Salvador, que acolhe um sarcófago do século XIII, meio destruído durante a Guerra Civil Espanhola.

Desconhece-se quem descansa em seu sepulcro, porém se crê que poderia ser Fernando Sanches de Castro, filho bastardo do rei Jaime I.

Eu transitei rapidamente pelo local e logo as flechas me encaminharam para o acostamento da rodovia, que ainda apresentava tráfego inexpressivo.

Caminhando um pequeno trecho em asfalto, onde não há acostamento.

Mil metros adiante, adentrei à esquerda, num caminho de terra bem demarcado, que seguiu paralelo, indefinidamente, a uns 150 metros da “carretera”.

Caminho agreste e silencioso.

Ao meu lado, separando propriedades distintas, havia um largo canal de irrigação, por sinal, bastante rumoroso, em face das chuvas recentes.

Enfrentando água e barro em alguns locais, face à chuva da noite anterior.

A estrada, com o piso bastante úmido, seguiu praticamente retilínea, sempre em meio a extensos trigais.

O clima frio e úmido, aliado ao bucólico entorno, me propiciou uma caminhada tranquila e agradável.

Transitando por locais ermos e silenciosos. Como eu gosto!

Tive tempo para observar o firmamento, orar com fé, relembrar fatos pretéritos, enquanto meus pés iam vencendo as distâncias.

Pássaros passavam em bandos pelo céu, certamente, em busca de alimento.

Cidade de Ilche, à direita.

Dessa forma caminhei mais 7 quilômetros e passei por um caminho que levava à cidade de Ilche, onde residem menos de 50 pessoas.

Na verdade, eu transitei a uns 200 metros do pequeno povoado e não havia razão para conhecer seu interior, pois ali também não há comércio.

Trata-se, de minúscula povoação agrícola e sua igreja matriz, cujo padroeiro é São João Batista, foi edificada no século XVIII.

E, pouco antes de ali chegar, eu adentrei na Comarca de Samontano de Barbastro, extremamente conhecida pela qualidade de seus vinhos que levam a Denominação de Origem Somontano.

Aparecem os primeiros vinhedos...

Prosseguindo, observei grandes vinhedos, certamente, a matéria-prima para os vinhos ali fabricados.

Retorno aos trigais... sem fim!

Posteriormente, a paisagem voltou a entremear culturas de pessegueiros com extensos trigais.

Entorno ermo e silencioso... tudo a ver comigo!

Ao longe, distante uns 5 quilômetros, eu já podia distinguir a cidade de Berbegal, edificada no cume de um morro, por onde eu passaria em breve.

A cidade de Berbegal já aparece no cimo do morro.

O caminho seguiu fresco, arejado e em nenhum momento vi bosques que, com certeza, em dias calorosos, proporcionariam alguma sombra aos peregrinos.

Mais três quilômetros vencidos, parei para fotografar a igreja de Santa Águeda, uma singela construção do século XII.

Igreja de Santa Águeda, século XII.

Distante 3 quilômetros de Berbegal, sua sede, num local escassamente povoado e com uma economia baseada na agropecuária, sua localização só se explica pela proximidade do caminho histórico a “calzada romana” que, mais tarde, serviu de via de peregrinação a Santiago.

No local existem bancos, algumas mesas e uma fonte, onde pude matar minha sede.

Por uma ponte, ultrapassei o Canal de Terreu. Observe a sinalização. Impecável!

Retemperado, segui adiante e, logo acima, por uma ponte metálica, eu ultrapassei o Canal de Terreu.

Ascendendo em direção à cidade de Berbegal.

Mais adiante, prossegui sobre asfalto, em íngreme ascenso.

Nesse trecho derradeiro, as flores de amapola davam um toque alegre e festivo a paisagem.

Eu sobrepujei o derradeiro nível da ascensão e adentrei no casco velho da agradável povoação.

Amapolas para alegrar o dia...

A origem de Berbegal remonta à época da invasão dos romanos e sua criação foi consequência da necessidade de um assentamento de serviços na “calzada” que unia as cidades de Ilerda e Osca.

No século XI os templários construíram ali uma fortificação que, mais tarde, passou a ser propriedade da Ordem dos Hospitaleiros e funcionou muito tempo como hospital de peregrinos.

Em 01 de maio de 1174, o rei Alfonso II, de Aragón, concedeu ao bispo de Huesca as igrejas de Pertusa e Berbegal.

Edificada sobre uma colina, essa simpática cidade oferece, se o céu estiver limpo, belas vistas panorâmicas dos Pireneus.

Igreja matriz de Berbegal. 

Sua igreja matriz, dedicada à Santa Maria la Blanca, é do século XII-XIII.

Um dado curioso: pela povoação passa a linha imaginária do meridiano de Greenwich e na entrada da vila há uma pequena escultura lembrando tal fato.

Placa explicativa, com detalhes importantes da construção.

Por sinal, o único bar do povoado se chama El Meridiano.

População atual: 466 habitantes

Porta principal da famosa igreja de Santa Maria la Blanca.

Lá de cima, observando o horizonte, podia divisar os locais por onde eu viera caminhando.

Fiz algumas fotos, depois segui o traçado do caminho e logo estava diante da igreja de Santa Maria la Blanca que, infelizmente, se encontrava fechada.

Parei para fazer fotos e observar sua fachada estilo fortaleza.

Passei um bom tempo admirando sua porta principal que está decorada por arquivoltas, um tímpano e um dintel.

Num banco próximo, fiz uma pausa para hidratação e alongamentos, enquanto degustava uma banana.

Seguindo o rumo das flechas amarelas...

Até ali eu já caminhara 20 quilômetros e não me sentia cansado, ao revés, prosseguia animado e muito bem-disposto.

Dessa forma, retemperado, prossegui adiante.

Caminho silencioso e com piso socado. Excelente para caminhar!

E o fiz por um caminho precioso, plano e com largas vistas de todo o entorno.

O piso prosseguia úmido, socado, excelente para se caminhar.

Caminhando entre uma imensidão de verde....

Por todos os lados, imensos trigais a me ladear.

Não avistei vivalma no entorno, apenas o trinar ininterrupto dos pássaros quebrava o silêncio reinante.

Trigais a perder de vista...

Em determinados trechos, touceiras de amapolas floridas davam um colorido especial ao ambiente.

Amapolas, para variar, dão o tom nesse trecho.

A trilha estava bem definida, porém, em determinados trechos, a encontrei matosa e úmida.

Por sorte, eu calçava botas impermeáveis, mas minha calça ficou integralmente molhada em sua parte inferior.

Trilho matoso e molhado nesse trecho.

Este foi, com certeza, um dos trechos mais belos e formosos que percorri no Caminho Catalão.

A sinalização prossegue impecável...

O verde imperava até onde minha visão alcançava, em várias tonalidades.

Ao fundo, a vila de La Quadrada.

Mas, lentamente fui vencendo as distâncias e depois de percorrer mais 6 quilômetros, passei pela pequena vila de La Quadrada.

Trata-se de uma minúscula povoação agropecuária, onde residem escassas 40 pessoas.

Adentrando em La Quadrada...

Ali existe uma fonte e uma pequena zona de descanso, equipada com mesas e cadeiras.

Eu atravessei a aldeia por sua única rua e não ouvi som algum, nem avistei vivalma.

Apenas um cruzeiro, erigido no final da localidade, mereceu minha atenção.

Retorno aos campos, mas, infelizmente, sobre asfalto.

Prosseguindo, passei a caminhar sobre asfalto, piso que persistiu por mais 7 quilômetros, até o encerramento de minha jornada.

Primeiramente, transitei entre trigais.

Posteriormente, ao lado do Canal de Pertusa, por alguns quilômetros.

Caminhando ao lado do Canal de Pertusa.

Um trajeto retilíneo, deserto e silencioso, onde não cruzei com ninguém, nem fui ultrapassado por veículos automotores.

E depois de brusco descenso, adentrei em Pertusa, minha meta para esse dia.

Quase chegando a Pertusa.

Imediatamente, me dirigi ao único bar existente no povoado, que funciona somente entre 9 e 13 horas.

Ali também há uma “tienda”, que serve os peregrinos e a população local.

Com muito esforço, eu cheguei 15 minutos de seu fechamento e pude adquirir víveres para minhas refeições do dia e o café do dia seguinte.

O proprietário, muito simpático, telefonou para o Sr. José Manuel, o responsável pela abertura do albergue, e este logo compareceu ao estabelecimento para me levar ao local de pernoite.

O prédio onde está instalado o refúgio é uma construção recente e merece o título de “5 estrelas”, pois oferece 2 banheiros, 4 beliches novos, 2 em cada quarto, cozinha ampla, dotada de todas as comodidades, máquina de lavar roupas e, inclusive, TV de tela plana.

Um luxo, pelo qual paguei 5 Euros.

Infelizmente, ali não há mantas, vivenciávamos temperaturas baixíssimas a noite e eu não levara saco de dormir.

Externei minha preocupação ao hospitaleiro nesse mister, mas ele resolveu o impasse rapidamente, deixando a calefação ligada em confortáveis 22 graus.

Depois que meu simpático hospedeiro partiu, fiz um levantamento das mercadorias que havia adquirido e optei por ingerir um singelo lanche, suspeitando que à noite eu teria um jantar digno.

Após a lavagem das roupas e um necessário banho, deitei para descansar.

Igreja matriz de Pertusa.

Pertusa é um pequeno povoado assentado sobre um plano inclinado, com forma de anfiteatro, próximo à margem esquerda do rio Alcanadre, e está rodeado por morros e rochas.

Sua primeira menção em documento oficial ocorreu em 1106, quando já era dominado, há muito tempo, pelos romanos.

Embora existam vestígios de que a povoação foi habitada pelos íberos, as construções mais antigas e conservadas são da época romana, como a ponte de pedra sobre o rio Alcanadre.

A igreja matriz de Santa Maria (séculos XII-XIII) é românica de origem, porém foi reformada no século XVIII.

Destaca-se, externamente ao conjunto antigo, a magnífica torre hexagonal, construída durante a segunda metade do século XVI e que foi declarada monumento nacional.

Possui 147 habitantes.

Cozinha do albergue de Pertusa.

Era 16 horas quando soou a campainha do albergue e eu desci para atender.

Para minha agradável surpresa, era meu amigo peregrino Tony que chegava.

Sala de estar do albergue, com TV de tela plana. Um luxo!

Enquanto ele se ocupava do banho e lavagem de roupas, fui dar um giro pela deserta e silenciosa povoação.

Primeiramente, pude fotografar a igreja matriz da simpática vila, cuja patrona é Santa Maria.

Depois fui verificar o local por onde eu deixaria a localidade na manhã sequente.

Ponte sobre rio Alcanadre, local onde eu prosseguiria na manhã seguinte.

Numa pracinha, próximo de um parque infantil, conforme me alertara o hospitaleiro, pude acessar a internet gratuitamente e saber das novidades em meu país.

À noite, o Tony, cozinheiro de “mão-cheia”, preparou deliciosa macarronada, temperada com molho de tomate e saborosa linguiça, que ingerimos acompanhada de duas garrafas de vinho tinto.

O Tony firme no fogão.

Para dormir, cada um utilizou um quarto, como forma de nossos roncos não perturbar o sono alheio.

Infelizmente, a calefação ligada em seu volume máximo provocou intenso ressecamento em minhas vias respiratórias e, depois da meia-noite, tive imensas dificuldades para conciliar o sono.

Diante disso, abri uma das janelas e me deitei no safá existente na sala de estar, onde descansei por mais algumas horas.

O Tony preparando deliciosa macarronada. Saudades!

CONCLUSÃO PESSOAL: Uma jornada de razoável extensão, percorrida quase sempre sobre terra, por locais ermos e silenciosos. O dia permaneceu nublado, úmido e frio, o terreno era plano, então, foi uma das etapas mais fáceis e agradáveis que venci no Caminho Catalão. A única dificuldade do dia foi acessar a vila de Berbegal, em face da mesma estar edificada no cimo de um íngreme outeiro. Cumpre ressair que o trajeto entre Berbegal e La Quadrada talvez tenha sido o que mais me agradou, em toda a minha jornada, por sua beleza ímpar. Por fim, as instalações do albergue de Pertusa me impressionaram favoravelmente, pelo conforto e praticidade que ali são oferecidos ao extenuado peregrino.

08ª etapa – PERTUSA a HUESCA - 35 quilômetros