13ª Etapa – SÃO JOÃO DA MADEIRA à O PORTO – 37 QUILÔMETROS

13ª Etapa – SÃO JOÃO DA MADEIRA à O PORTO – 37 QUILÔMETROS – “O GRANDE LABIRINTO

“O Caminho Português abandona nesta etapa, toda a pretensão de senda natural, e nos apresenta uma das jornadas mais urbanas e labirínticas de toda a peregrinação. A causa, novamente, é a presença de outra grande cidade, neste caso, O Porto, a segunda urbe lusitana, cuja área metropolitana se estende como uma mancha de argamassa e asfalto por muitos quilômetros ao seu redor. Desde a saída de São João, até a chegada a ribeira do rio Douro, a rota Jacobeia avança por rodovias locais ou nacionais, núcleos urbanos e ruas, sem que os pés do peregrino encontrem outra coisa, que não seja o duro pavimento de uma calçada ou o asfalto de uma rodovia. Por sorte, as flechas pintadas pelos amigos portugueses do Caminho de Santiago são abundantes e permitem guiar-se por esse labirinto de cruzamentos e desvios. Curiosamente, neste entorno tão civilizado e alterado, ainda afloram uns poucos restos que sobraram da calçada romana XVI, aquela que unia Braga com Oporto e Lisboa. Uma cidade com muita história, que ajuda a superar uma jornada extremamente tediosa. (Traduzido/transcrito do Guia El País Aguilar, edição do ano de 2007, que utilizei na viagem)

Deixei o hotel onde me hospedara, exatamente às 6 h, seguindo pela rua Oliveira Junior, em leve e fácil descenso.

Logo passei em frente ao Museu da Indústria da Chapelaria e, mais adiante, diante de um posto de gasolina, as flechas me remeteram à esquerda, em direção ao bairro de Arrifana.

No dia anterior eu seguira o roteiro até esse ponto, de maneira que até aquele patamar caminhei tranquilo e confiante na sinalização.

Ainda estava escuro, de forma que prossegui munido da lanterna, embora a iluminação urbana me auxiliasse bastante na tarefa de buscar as setas amarelas.

Em alguns locais eu fiquei sem saber para que lado seguir, assim, na primeira oportunidade que isso ocorreu, eu busquei informações com o balconista de uma padaria que acabara de abrir suas portas.

Mais adiante, as flechas novamente desapareceram, então consegui obter referências com um jovem de barba, que fazia seu “footing” matutino, e rapidamente ele me colocou no rumo certo.

A saída da cidade é bastante confusa, porque existe um intrincado cruzamento de rodovias, seguindo cada qual para uma direção determinada, e as placas de sinalização são por demais deficientes no sentido de informar o  rumo pelo qual, efetivamente, se dirige cada “carretera”.

Finalmente, depois de transpor a rodovia Nacional, através de uma ponte metálica, eu segui por uma larga rua em constante aclividade, até que, mais acima, finalmente saí à beira da N-1, quando meu relógio marcava 7 h.

Com o dia clareando, pude seguir tranquilo por uma calçada localizada ao lado da rodovia, e depois de 7 quilômetros percorridos, as flechas me direcionaram para a direita, em direção à cidade de Malaposta.

De se ressaltar, que nesse trecho percorrido pela N-1, observei inúmeras cruzes e pequenas igrejinhas edificadas ao lado da “carretera”, sinalizando que pessoas ali faleceram, possivelmente em acidentes automobilísticos ou por atropelamento.

Eu prossegui por uma rodovia vicinal e logo adiante, numa rua murada do lado esquerdo e com uma carreira de pés de plátanos à direita.

Assim, eu passei sobre um pedaço do que restou da antiga calçada romana que por ali discorria, e da qual restam uns cem metros, se tanto.

Efetivamente, depois de dias ouvindo e lendo sobre ela, mas sabendo estar ela soterrada sob o asfalto ou por campos de cultivos, foi emocionante ver de repente, aflorar a história viária de Portugal romano, num local extremamente urbanizado.

Então, foi uma visão única e surpreendente, pois ela é a confirmação de que o traçado proposto pelos historiadores para essa via XVI, Olisipo-Bracara Augusta, está correto.

Depois de cruzar uma rua, eu adentrei em outra parte da calçada romana original, mais longa, porém, em pior estado de conservação.

Já em descenso, eu passei pela vila de Ferradal, e logo acessei a rua da Estrada Real, que mais adiante passa a se chamar rua Romana.

E pela largura do caminho e seu traçado retilíneo, é correto presumir-se que a mesma base de pedras da calçada, que vi ao adentrar à vila de Malaposta, está presente aqui também, mas soterradas debaixo de uma capa de asfalto.

O trajeto integralmente urbano me levou, na sequência, a transitar por Lourosa, uma cidade de razoável tamanho, que se vence por ruas secundárias, muito bem sinalizadas.

Mais adiante eu voltei a transitar pela N-1, mas logo um desvio à direita, em direção a Mozelos, um pequeno povoado, praticamente ligado ao anterior.

Caminhei mais um quilômetro e ao passar sob a Autovia Nacional, através de um túnel, aproveitei o local silencioso e deserto, para fazer descanso, vez que até ali eu já caminhara 15 quilômetros.

A partir desse ponto, notei que a sinalização foi revitalizada, pois as flechas foram repintadas sob um fundo azul, de maneira que não tive mais dificuldade para encontrar meu rumo.

Em seguida, passei a caminhar por um labirinto de ruas e desvios, já nas localidades de Loureiro de Baixo e, depois, de Regedoira.

Na sequência, 19 quilômetros percorridos, eu passei diante do Monastério de Grijó, uma construção milenar, depois segui por bastante tempo contornando seus muros, posto que ele abarca uma área de extensas proporções.

Embora existisse um convento de religiosos nesse lugar há muito mais tempo, a primeira igreja do Monastério de São Salvador de Grijó foi consagrada em 1235, pelo bispo de O Porto.

Grijó foi um exemplo perfeito de ordenação territorial, desempenhado pelas ordens monásticas europeias.

O grande recinto do convento, abastecido de água pelo aqueduto de Amoreiras, formava uma cidade e uma unidade produtiva para si mesma, contando com igreja, dois claustros, casa para o abade, hospedaria, enfermaria, farmácia, biblioteca, jardins, uma horta de plantas medicinais, campos de labor e pastos para o gado.

Uma autêntica estação de serviços erigida na rota que seguia do vale do rio Vouga até o rio Douro, e onde viajantes encontravam comida e suas contarias, bem como alojamento para passar a noite.

Confalonieri passou uma noite nesse lugar, e deixou escrito que quem administrava o complexo, à época, eram os frades da Santa Cruz de Coimbra.

Em 1572, os monges agostinianos encarregam o mesmo arquiteto que edificou a Sé de Miranda do Douro, para construção de uma nova igreja.

Aquela vi quando passei defronte a porta principal do Convento.

No claustro anexo ao templo destaca-se o túmulo de Dom Rodrigo Sanches, filho bastardo do rei Dom Sancho I, um dos grandes monumentos funerários portugueses do século XIII.

Inclusive, próximo do cemitério, numa pequena praça, eu pude visualizar e fotografar, um cruzeiro comemorativo de sua morte ocorrida em 02 de julho de 1245.

 

Depois de contornar toda a extensão do Mosteiro, acabei por sair no centro de Grijó, uma localidade moderna, bonita e com um comércio expressivo.

Na sequência, sempre por asfalto, eu transitei por ruas extremamente movimentadas e locais, bastante desertos, até que, mais 5 quilômetros caminhados, e eu adentrei em Perosinho, um pequeno povoado, que atravessei pelo centro.

E, logo depois de ultrapassar sua igreja matriz, eu adentrei em um caminho de terra, e ali me reencontrei com um largo trecho da calçada romana, que ascende de forma suave, por um bosque de eucaliptos.

Então, ali, rodeado por árvores e distante do tráfego urbano, pude melhor imaginar um viajante clássico, caminhando por aquela rua Bracara Augusta, uma incrível rede viária feita pelo ser humano, a nada menos que 2.000 anos.

Fiz uma pausa naquele local silencioso, para me hidratar e tirar algumas fotos, pois o lugar tem uma espécie de energia mágica e telúrica.

Mais acima, a calçada se converteu em uma estrada larga de terra e, em seu final passei por Senhora do Monte, um pequeno núcleo rural, onde depois de atravessá-lo, voltei a caminhar pela rodovia N-1.

O terreno continuou plano, sem nenhuma dificuldade adicional, mas mesmo assim a etapa se tornou extremamente cansativa.

Nesse sentido, o fato de estar caminhando todo o tempo sozinho induz à sensação de exaustão, uma vez que se passa a prestar mais atenção aos incômodos que o corpo expressa.

Na sequência, o trajeto se tornou intensamente urbano, e bastante perigoso, pois contava com expressivo tráfego de veículos, sendo que em alguns locais não encontrei acostamento.

E logo estava transitando por Vila Nova de Gaia, uma grande cidade existente do outro lado do rio Douro, praticamente a continuação metropolitana de O Porto.

Esta extensa urbe sempre foi o centro nevrálgico da exportação dos famosos Vinhos do Porto, e na beira do Douro, se localizam os armazéns e bodegas das principais marcas.

Desde há muitos séculos o vinho chegava até aqui pela via fluvial, provenientes das fazendas do vale médio do Douro, em barcos especiais, para serem estocados e depois engarrafados.

Gastei mais de uma hora atravessando essa imensa e esparramada localidade, até que, às 13 horas, cheguei à Ponte Dom Luiz I, uma obra de engenharia em ferro, que embora tenha sido edificada em 1886, ainda hoje assombra por suas dimensões e beleza.

E foi por sua pista superior, por onde também trafegam os trens, que eu transpus o belíssimo rio Douro e, finalmente, adentrei na cidade de O Porto.

 

A cidade do Porto tem origem num povoado pré-romano, e é conhecida como a Cidade Invicta.

Foi ela que deu o nome a Portugal – desde muito cedo, no século 200 a.C., quando se designava de Portus Cale, vindo mais tarde a tornar-se a capital do Condado Portucalense.

No ano de 868, Vímara Peres, fundador da terra portugalense, teve uma importante contribuição na conquista do território aos Mouros, restaurando assim a cidade de Portucale.

Em 1111, D. Teresa, mãe do futuro primeiro rei de Portugal, concedeu ao bispo D. Hugo, o couto do Porto e das armas da cidade.

Tano é que a condecoração faz parte da imagem de Nossa Senhora.

Daí o fato de Porto ser também conhecido por "cidade da Virgem", epítetos a que se devem juntar os de "Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta", que lhe foram sendo atribuídos ao longo dos séculos e na sequência de feitos valorosos dos seus habitantes, e ratificados por decreto de D. Maria II de Portugal.

Dentro dos seus muros se efetuou o casamento do rei D. João I com a princesa inglesa Dona Filipa de Lencastre, e a cidade se orgulha por ter sido o berço do infante Dom Henrique, o navegador.

Os naturais do Porto ganharam a alcunha de "tripeiros", uma expressão mais carinhosa que pejorativa, posto que é também esta a razão pela qual o prato tradicional da cidade ainda é, hoje em dia, as "Tripas à moda do Porto".

Tanto que existe uma confraria especialmente dedicada a este prato típico.

Alberga numa das suas muitas igrejas - a da Lapa - o coração de D. Pedro IV de Portugal, que o ofereceu à população da cidade em homenagem ao contributo dado pelos seus habitantes à causa liberal.

 

No Porto fiquei hospedado no Hotel Paulista, muito bem localizado, situado na Praça da Independência, o coração político e intelectual dessa magnífica urbe.

E ali eu encontrei o amigo Demétrius, que partiu do Brasil com o objetivo de percorrer o trecho entre O Porto e Santiago de Compostela, em minha companhia.

Ela já estava instalado no mesmo hotel quando cheguei, de forma que, depois dos cumprimentos efusivos, fomos almoçar.

Na sequência, seguimos até a Catedral da Sé, onde pudemos carimbar nossa Credencial peregrina, bem como percorrer longamente seu interior e o claustro anexo.

Depois, fomos rever a impressionante construção: a Ponte Dom Luiz I.

Em seguida, nos dirigimos à Estação de São Bento, onde pudemos admirar seu belíssimo “hall” de azulejos, que recordam a vitória dos portugueses sobre as tropas castelhanas na batalha de Aljubarrota.

E, ainda, admirar a parte externa da Torre dos Cléricos, o monumento mais destacável do perfil portuense, construído em 1754, por um arquiteto italiano, num primoroso estilo barroco.

À noite optei por um singelo lanche que adquiri num bar próximo e logo fui dormir, pois estava realmente fatigado, aliado ao fato de que nós iríamos enfrentar outra longa jornada no dia seguinte.

IMPRESSÃO PESSOAL – Uma etapa bastante longa e praticamente toda urbana. Salvo dois pequenos trechos em terra, tudo o mais foi sobre calçadas ou asfalto, num percurso duríssimo para os pés do peregrino moderno. As emoções ficam por conta do milenar Mosteiro de Grijó e os dois trechos da calçada romana por onde transitei. Acrescido pela chegada ao Porto, através da estupenda Ponte Luiz I. No geral, uma jornada bastante barulhenta, estressante, perigosa e cansativa.

14ª Etapa – O PORTO à SÃO PEDRO DE RATES – 37 QUILÔMETROS